Dez mulheres da literatura brasileira contemporânea
O mês de
março sempre tem sido o período de ações afirmativas no intuito de tornar relevante o
trabalho de mulheres na literatura. Não é o caso de permanecer no erro
grosseiro e grotesco de dizer que a elas sejam reservados nesse campo espaços especiais e
diferenciados dos ocupados pelos homens. Às mulheres, seu melhor lugar é no lugar de todos, porque sua importância
para a criação desses universos que acrescentam realidades à nossa castigada e caduca
realidade são de valia inestimável. Mas, a dívida histórica
que a cultura feita e dirigida por machos é tão extensa e tamanha que é preciso
insistir outro tempo de igual proporção nas reafirmações sobre a necessária igualdade.
Isto
é, nunca serão gratuitas atividades como essas que agora promovemos. No Letras,
noutros meses de março investimos na leitura de criações poéticas e nas criações
ficcionais praticadas por mulheres. Além dos saraus online, promovidos nas redes
sociais homenageando obras de poetas fundamentais para nossa literatura, foi comum antes das redes, investirmos em listas com nomes de mulheres
escritoras. Foi assim que redigimos em março de 2008 uma lista de importantes
escritoras na literatura do Rio Grande Norte e, no ano seguinte, uma lista de
nomes conhecidos na literatura nacional (ver final desta postagem).
Agora, em
parte movidos por essas duas ambições, aproveitamos novamente o mês, para dizer
uma lista de escritoras recém-descobertas, ao menos para nós do Letras, e cuja
obra acrescenta importantes elementos à nossa recente literatura e-ou prometem muito, seja quanto ao valor criativo, formal e estético, seja pelo interesse firmado com temas recorrentes de nossa literatura vistos por outros ângulos, seja ainda pela maneira como buscam integrar-se às principais preocupações de dimensão universal, conferindo uma contribuição para o alargamento de nossa desfronteirização.
É bem
verdade que as listas apesar de sempre incapazes de apresentar um panorama amplo
por mais que esgotem as possibilidades de inserção de nomes sempre são restritivas.
Disso temos ciência e, como sempre reforçamos, todas as vezes que nos
aventuramos em listar, a lista é uma amostra, uma porta de acesso de algumas
descobertas capazes de promover outras descobertas em que a lê. Basta dizer
que, alguns dos nomes aqui apresentados, por exemplo, estiveram noutras listas
e foi graças a essa presença que chegaram até nós. A lista é uma forma de conhecimento.
Elvira Vigna (Rio de Janeiro, 1947). O
nome da escritora brasileira, autora de uma diversidade de trabalhos literários
e artísticos – seja como jornalista e romancista, seja como ilustradora – aparece
muito tardiamente entre as leituras do Letras. Para sermos mais exatos, foi em
2014, quando Alfredo Monte escreveu sobre O
que deu para fazer em matéria de história de amor. Mas, na bibliografia de
Vigna estão presentes ainda Sete anos e um dia, seu romance de estreia que traz
a história de quatro amigos durante a época de abertura política depois da ditadura
no Brasil, O assassinato de Bebê Martê,
Às seis em ponto, Coisas que os homens não entendem, A um passo, Por escrito, Deixei ele lá e
vim, Nada a dizer e Como se estivéssemos em palimpsesto de putas. Segundo a
definição na Enciclopédia Itaú Cultural, “Elvira Vigna procura, em seus
romances, refletir sobre temas atuais, relacionados a questões éticas e
identitárias e ligadas a gênero”; além disso, os outros questionamentos de que
se ocupam suas narrativas podem ser definidos como “a relação entre
representação e realidade e as dificuldades de o narrador abarcar o mundo em
que vive”.
Beatriz Bracher (São Paulo, 1961). A escritora
sempre foi ligada ao universo das Letras desde quando se formou na área; foi
uma das editoras da revista de literatura e filosofia 34 Letras, entre 1988 e 1991, e uma das fundadoras da Editora 34,
onde trabalhou de 1992 a 2000. O primeiro romance publicado foi Azul e dura, seguido de Não falei, Antônio, Meu amor, Garimpo e Anatomia do Paraíso. Para Amanda
Barcellos Taranto Silva, numa leitura sobre Não
falei, “a obra de Beatriz Bracher utiliza-se da força da linguagem para dar
impulso ao desenrolar da narrativa. A linguagem é utilizada pela autora,
enquanto língua escrita, para dar voz ao seu narrador, mostrando-se bastante
renovadora”; “A obra de Beatriz Bracher, por sua vez, traz uma
linguagem-denúncia, salientando os projetos que se esvaíram em um contexto onde
predominava o horror de uma época”, acrescenta ao se referir sobre uma das
obsessões temáticas da escritora nos seus primeiros romances: o período da
ditadura militar no Brasil.
Noemi Jaffe (São Paulo, 1962). Antes de
se dedicar à escrita, Noemi Jaffe trabalhou em várias escolas de Ensino Médio como
professora de literatura. A inserção no universo da escrita se deu paralelo ao
seu trabalho como crítica literária para mídias como a Folha de São Paulo e o Valor Econômico e com a organização de publicações com coletâneas de textos e poesia. O primeiro
livro publicado veio em 2005, Todas as coisas
pequenas. Seguiram Quando nada está acontecendo, O que os cegos estão sonhando?, comovente livro que toma como ponto de partida os diários da mãe, Lili Jaffe sobre os campos de extermínio de Auschwitz como ponto de partida, A verdadeira
história do alfabeto e Írisz: as
orquídeas.
Marcia Tiburi (Vacaria, 1970). Ela é mais conhecida por seus ensaios de natureza filosófica e sua constante inserção na mídia, sempre atenta a pontos muito caros da contemporaneidade, dentre eles, o papel da mulher na sociedade e nos campos de criação e do saber, o papel das mídias na modelagem da realidade e diversas questões de ordem política como o levante do fascismo no tempo das opiniões formadas sobre tudo. Mas, não só de filosofia se compõe sua já vasta obra. Tiburi também enveredou pela prosa romanesca e já escreveu títulos como Magnólia (indicado ao Jabuti de melhor romance), A mulher de costas, O manto – três títulos que enfeixou como a Trilogia Íntima. Além destes, escreveu Era meu esse rosto e Uma fuga perfeita é sem volta.
Adriana Lisboa (Rio de Janeiro, 1970). “Adriana Lisboa é uma autora para o presente e
para o futuro”. A fala é de José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura, na ocasião
em que a escritora recebeu o Prêmio que leva o nome do escritor português. O
elogio é já motivo suficiente para acreditar na obra de Lisboa, marcadamente
inventiva e abrangente. O Rio onde nasceu, cresceu e viveu grande parte da sua
vida é marca na sua criação literária que se desenvolve por mais de uma dezena
de livros publicados, entre romances, poesia e obras infanto-juvenis. Das
primeiras formas narrativas, os destaques são Hanói, Azul corvo, Rakushisha, Um beijo de colombina, Sinfonia
em branco e Os fios da memória, o
livro de estreia, publicado em 1999. Segundo a descrição da Enciclopédia Itaú Cultural,
a obra de Adriana Lisboa flerta com o romance histórico, desenvolve-se em
narrativas fragmentadas e não lineares, busca discutir consequências
psicológicas do abuso familiar e das omissões diante dele e interessa-se pelo
diálogo com a tradição literária e outras artes como mote estrutural.
Veronica Stigger (Porto Alegre, 1973). A
inserção de Veronica no universo das Letras se deu quando ingressou na Faculdade
de Jornalismo, área que abandonou para dedicar-se à teoria e crítica sobre
artes. Publicou seu primeiro livro em Portugal, O trágico e outras comédias, em 2001, e três anos depois no Brasil.
Foi como contista que deu forma aos dois títulos seguintes até que estreia como
romancista com a publicação de Opisanie
Swiata, título que logo ganhou o Prêmio Machado de Assis da Biblioteca Nacional,
o Prêmio São Paulo de Literatura e o Prêmio Açorianos. Para Angela Maria Dias,
quem analisa a contística de Veronica Stigger, sua obra, “a partir de
componentes obsessivas e destemperadas, na constituição dos personagens e das
tramas simples e minimalistas, conduz [...] a constatar, no estilo da autora,
uma tentativa de conciliação entre uma estética de influência expressionista e
o modo melodramático. Em seus códigos enfáticos e na compartilhada tendência à
forma paradoxal do ‘extático paroxismo’, em que maneiras de expressão excessiva
desembocam no silêncio e no inexprimível, a crítica aos limites do realismo
convencional, inerente ao absurdo neoexpressionista da dicção, convive com a
poética do melodrama e dela se reapropria”.
Tércia Montenegro (Fortaleza, 1976). Toda
a carreira acadêmica como professora e pesquisadora em Literatura Brasileira e
Linguística foi realizada na Universidade Federal do Ceará. A escritora já publicou diversos títulos – entre contos e crônicas como O vendedor de Judas, O resto
de teu corpo no aquário, Linha férrea,
O tempo em estado sólido, Os espantos e Meu destino exótico. Seu primeiro romance veio a lume em 2015, Turismo para cegos, livro alimentado por
uma potente linguagem poética, “um fluxo sinuoso de incertezas e, acima de
tudo, a voracidade pelo desconhecido que reveste tantos encontros humanos”.
Ana Paula Maia (Nova Iguaçu, 1977). Antes de publicar seu primeiro romance, em 2003, O habitante das falhas subterrâneas, Ana Paula estudou teatro na Casa de Artes de Laranjeiras, fez parte nas faculdades de Ciência da Computação e comunicação social e coautora em textos para o teatro. Escreveu ainda A saga dos brutos, Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos, O trabalho sujo dos outros, Carvão animal e De gatos e homens. Segundo Paulo André “os personagens de Ana Paula Maia carregam em si uma essência de maldade e fraternidade elevados em potência máxima ao longo de suas narrativas. O belo e o imperfeito ganham novas dimensões em sua literatura. Embora extraídos da realidade, seus personagens recebem roupagem e tratamentos que transformam o cotidiano muitas vezes ignorado, com seus protagonistas invisíveis para a maioria das pessoas, em espetáculo do estranhamento. A autora tematiza a relação do homem com o trabalho, a moldagem do caráter pelas atividades diárias e a inferiorização do homem pelo trabalho que exerce são pontos importantes do universo da autora”.
Vanessa Bárbara (São Paulo, 1982). Jornalista e tradutora – atividades que exerce ao lado do seu principal interesse: o exercício com a palavra como escritora. Foi colaborada em mídias como a revista Piauí e Folha de São Paulo. Recebeu o Prêmio Jabuti na categoria reportagem pelo livro O livro amarelo do Terminal, publicado pela extinta Cosac Naify sobre o cotidiano da Rodoviária do Tietê. O primeiro romance da escritora veio a quatro mãos, com Emilio Fraia, O verão do Chibo. Foi selecionada para a coletânea Os melhores jovens escritores brasileiros da prestigiada revista Granta. É autora ainda, dentre outros trabalhos, que variam entre histórias em quadrinhos e crônicas, de Noites de alface e Operação impensável. Para Marco Severo, escritor e colunista no site LiteraturaBr “Vanessa escreve precisamente sobre o que sabe. Escrever sobre o que você sabe não significa escrever apenas sobre as coisas ao seu redor, embora seja isso também. É um ato autoconsciente de desnudar-se, fazendo epifanias diárias de modo a descobrir aquilo em que se acredita, o que te faz sentir, como seu eu faz com que os outros se sintam sobre você, o que tem real importância, o que se sobressai, o que tem relevância pra você no mundo, como você um dia viveu, como vive hoje, o que te surpreende, o que você aceita, o que você não tolera – a lista é longa. Mas, em outras palavras, é tratar daquilo que faz de você quem você é”.
Débora Ferraz (Serra Talhada, 1987). Ao comentar sobre Enquanto Deus não está olhando, o primeiro romance da escritora, Alfredo Monte a define como “surpreendente ficcionista”, e lê sua literatura como autenticamente inovadora sem nada a dever a nomes como Clarice Lispector ou Lygia Fagundes Telles. Débora formou-se em Jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba e, antes do romance que venceu o Prêmio São Paulo de Literatura, escreveu contos, reunidos em Os anjos, seu primeiro livro, publicado em 2012.
Ligações a esta post:
Comentários