A situação humana, de Aldous Huxley

Por Pedro Fernandes



O livro mais conhecido de Aldous Huxley é, sem dúvidas, Admirável mundo novo, considerado nas listas das melhores narrativas distópicas de sempre. Mas, o inglês é autor de uma extensa e variada obra que inclui, entre outros textos, ensaios intervencionistas como os que estão reunidos em A situação humana.

Os textos serviram a um conjunto de conferências oferecidas nos Estados Unidos entre fevereiro e dezembro de 1959 e são de extrema valia por vários aspectos: uma compreensão sobre o pensamento de Huxley sobre o homem e a sociedade; a revelação de uma consciência à frente de seu tempo ao se referir a temas que ainda são muito caros nas pautas políticas contemporâneas; um legado para as gerações futuras sobre novas maneiras de pensar o homem e a sociedade perfazendo o perfil necessário aos novos tempos do intelectual engajado, capaz de responder determinadas questões embaraçosas cujas respostas tratadas pelos especialistas parecem não alcançar um limite fora do papel. Isto é, o papel do artista frente a reinvenção de ser e estar no mundo, através de pautas que recuperam a utopia indispensável ao mover-se para fora das convenções.

Ao todo são dezesseis textos cujo interesse é o de alinhavar dicotomias, sobretudo as que separam o pensamento da ação, os saberes, as temporalidades, as culturas, a razão da emoção. Eis uma estratégia de renovação do mundo pela mirada humanista, aquela que retira o homem da posição de ser sobre todas coisas para compreendê-lo ser entre todas as coisas. Há uma linha dialética que reanima as forças do jogo da vida. Encontramos um Huxley interessado em oferecer um modelo de integração frente aos individualismos favorecidos pela cultura do consumo, pela fragmentação e especialização dos saberes.

Não passa pelo pensamento de Huxley um retorno ao passado primitivo, como poderá parecer à primeira vista que se fala sobre a reafirmação do encantamento pela existência e a compreensão sobre suas diversidades. A integração passa pelo retorno ao passado a fim de compreender as raízes do que alcançamos de positivo ao longo da história da civilização e em qual lugar da história reside as saídas pelas linhas tangentes que nos fizeram subverter em sua quase totalidade o ideal da razão, da inteireza dos indivíduos e sua proximidade com as demais forças da natureza – ou seja, em qual momento o homem desprende-se da totalidade do mundo em detrimento uma condição que coloca em risco o próprio homem.



Constitui essa integração, a fundação de outro modelo educativo capaz não de categorizar e sim de relacionar. Trata-se de uma ruptura com o ideal ocidental, no qual o homem é tomado pelo valor incomensurável da razão e coloca-se ora acima da natureza e dos seus semelhantes, no qual o homem é capaz de subjugar os outros saberes pelo saber científico. Por isso, aí passam temas bastante caros à literatura de Huxley, sobretudo a de Admirável mundo novo, em que a sistematização contínua do homem o coloca em rivalidade com ele próprio (“Até que ponto o pecado original é original?” e “A vida individual do homem”), temas recorrentes entre os críticos aos avanços da tecnologia, tais como a questão ambientalista então tratada pelo conceito de ecologia (“O homem e seu planeta”, “Mais natureza na arte”, “A explosão populacional”), temas então recorrentes na consolidação das novas ciências (“O ego”, “O inconsciente” e “A linguagem”), questões suscitadas por outras literaturas que influenciaram à formação das mentalidades de certo tempo ou mesmo a negação de tais formações e das maneiras de compreensão e formação intelectual de Huxley, o papel da arte na participação das principais discussões propostas pela ciência ou sua integração sempre à frente nos debates mais significativos na história da humanidade e as questões políticas de seu tempo (“Guerra e nacionalismo”).

Somam-se a tais questões, reflexões de corte futurista, compreendendo por esse termo o que se espera do futuro da humanidade, um claro ponto de virada dos interesses da ciência, que no passado esteve preocupada na estruturação dos saberes, em como tais saberes respondem pelos problemas do presente ou como ler o passado próximo ou distante do homem. Sabe-se que toda frente de interesses de então até agora tem se concentrado no por vir. Assim é que se escreve o texto “O futuro do mundo” e as respostas encontradas pelas relações estabelecidas pelo pensamento de Huxley.

É seu interesse formular uma compreensão autêntica sobre formas e situações unindo sempre pontas diversas no intuito de fornecer ao seu leitor uma visão não-unilateral sobre elas, o que, por si só, representa uma realização prática do que almeja compreender como integração / relação e a proposição de outra maneira de pensar o homem e a sociedade, regida não por uma utopia ou realismo utópico e sim por um idealismo realista ou realismo idealista, capaz de oferecer alguma proposição sensata e não-unilateral.

No fim, veremos que a situação humana, tal como compreende Huxley, é ao que parece desde a modernidade (ou melhor, acentuada a partir de então), é contrariedade. A necessidade em problematizá-la responde pela construção de um pensamento (da cultura ao pensamento) capaz de rever esse lugar ao ponto de destituí-lo e, consequentemente, encontrarmos outra maneira de habitar o mundo. 

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