Os melhores de 2016: prosa
- Como se estivéssemos em palimpsesto de putas,
de Elvira Vigna.
Este é um livro necessário em toda lista de leitura cujo mote
seja os melhores do ano de 2016 ou melhores obras da literatura brasileira recente.
A escritora constrói um objeto narrativo muito bem estruturado, coisa rara
entre os criadores contemporâneos quase sempre interessados em repetir as
mesmas formas e exercícios de linguagem. Repito o que uma vez disse sobre a
obra de John Banville e Elena Ferrante, não há pretensiosismo algum na obra,
mas consegue, talvez, justamente por isso, ser um trabalho de valor estético e criativo
significativo e significante para a literatura. Leia mais aqui.
- Outros cantos, de Maria Valéria Rezende.
É perfeitamente possível acrescentar este livro ao lado do romance de Elvira
Vigna. São propostas literárias muito distintas – porque sobressai neste de
Maria Valéria uma relação muito estreita com o universo social no sentido mais
amplo que em Como se estivéssemos em
palimpsesto de putas. Ou seja, não será precipitado dizer que o romance
aqui apresentado constitui-se num painel crítico sobre o Brasil das últimas décadas
marcado por uma variação das tectônicas sociais; magistralmente, a romancista
observa os trânsitos de classe num país acentuadamente assinalado pela opressão
de ricos contra pobres. Leia mais aqui.
- O marechal de costas, de José Luiz
Passos.
Foi a leitura das opiniões de Alfredo Monte com apreciações apaixonadas
sobre a literatura desse pernambucano a responsável por trazer à minha estante Romance com pessoas e O sonâmbulo amador. Do primeiro, um
livro de prosa ensaística sobre Machado de Assis do qual li alguns textos saí com
impressões muito positivas porque alguém que diga algo de significativo da obra
do Bruxo de Cosme Velho é sempre motivo de se fiar (não que eu tenha lido uma
milionésima parte que seja da crítica sobre Machado de Assis, mas sei que é
extensa e variada). Fiquei então com a curiosidade de voltar a José Luiz Passos
e a oportunidade veio com este romance que à maneira da narrativa de Maria
Valéria Rezende, mas beirando infiltrações do romance histórico, constrói um
painel significativo entre dois momentos políticos distantes temporalmente e
muito próximos significativamente no Brasil: o da renúncia do Marechal Deodoro
e do golpe de 2016.
- Uma menina está perdida no seu século à
procura do pai, de Gonçalo M. Tavares.
Um escritor não precisa provar ser
um bom escritor. Escreve e pronto. Com uma narrativa fortemente marcada pelo
exercício criativo com a língua, os temas e as formas de abordagem, a obra só
reforça que há muito o que o leitor apostar na literatura portuguesa contemporânea.
O trabalho literário de Gonçalo M. Tavares nos faz recordar a inventividade de
António Lobo Antunes, escritor que dispensa tratamento e com uma obra ainda em curso
– em 2016 as livrarias portuguesas receberam Para aquela que está sentada no escuro à minha espera – e a criação
arquetípica de um Jorge Luis Borges. Leia mais aqui.
- A tradutora, de Cristovão Tezza.
Desde
quando publicou O filho eterno,
adaptado para o cinema este ano, que o nome do curitibano alcançou uma boa
projeção dentro e fora do Brasil. No meu caso, se a oportunidade ainda não me
permitiu a leitura do romance tão comentado pela crítica, já conhecia o Tezza
através de sua escrita acadêmica, e muito antes de saber que também era romancista.
As relações de parceria com editoras, vejam, é muito importante para que as
oportunidades de conhecer uma obra e um escritor se tornem reais. Foi assim
quando li pela primeira vez a Maria Valéria Rezende e foi assim com o Tezza. Coloco
esta obra na lista pela maneira elaborada com que o escritor constrói a
narrativa dotada da naturalidade de tornar as relações estético-formal e a arquitetura
social crível e sedutora. Leia mais aqui.
- Voltar para casa, de Toni Morrison.
Não
me recordo onde (e posso mesmo tratar de um mal-entendido) li o José Saramago
um tanto decepcionado com uma obra da escritora estadunidense. Desde então a curiosidade
de ler Amada o romance que mais
esteve à minha curta distância nesse tempo todo, possivelmente porque deve ser
o seu mais reconhecido, estava entre leio ou não-leio Toni Morrison. Então,
estava na altura do início do segundo semestre letivo na universidade e a cada
semestre leio com meus alunos de Teoria da Literatura 2 um romance, de preferência
ainda desconhecido para mim. Não só todos caíram de encantos pela escrita de
Toni Morrison como eu fiquei satisfeito por desfazer, de uma vez por todas,
aquela dúvida formada em algum lugar da minha pequena vida de leitor. Leia mais aqui.
- Anatomia do Paraíso, de Beatriz Bracher.
Meu primeiro contato com a obra dessa escritora foi ainda no primeiro ano do
mestrado. Foi uma descoberta de visita à livraria – a leitura de alguns
parágrafos de Antonio logo me fiz
trazer comigo todos os títulos encontrados aí: Azul e dura, Não falei e Meu amor. O silêncio em torno da sua
obra foi algo que sempre me incomodou. Lembro de haver escrito algo sobre o
primeiro título que li mas não cheguei a postar no blog (se eu encontrar, vou
voltar à obra e apresento por aqui). Agora que Anatomia ganhou essa projeção não foi surpresa. O desafio será ler
o Paraíso, de Milton algum dia e
voltar ao Anatomia.
- O violão azul, de John Banville.
Narrado
por um pintor que decide abandonar o ofício e que tem seu maior hobbie revelado da maneira mais
simplista possível quando acreditava ser, apesar de um fracassado na pintura,
dono do poder de ludibriar a todos para retirar objetos de estima dos ludibriados,
a obra de Banville é um tratado sobre o desencanto do mundo e as implicações
das crises no trabalho criativo. Leia mais aqui.
- A guerra não tem rosto de mulher, de
Svetlana Aleksiévitch.
Este ano foi de descobrir a obra da jornalista russa que
recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 2015 e abriu um debate sobre o valor
dessa atribuição – algo que ganhou ainda mais repercussão agora quando elegeram
a Bob Dylan como o galardoado. Foram outros dois livros além deste publicados
no Brasil: Vozes de Tchernóbil e O fim do homem soviético. Desses, porque
o tema me pareceu de grande relevância visto pouco ou quase nada se falar sobre
a atuação das mulheres nas grandes guerras foi o aqui listado por ser o que me
abriu interesse para ler os demais. É um livro extremamente doloroso, mas necessário
e pede do leitor calma para sua leitura – não porque haja poesia a ser sorvida
e decifrada mas porque choques contínuos de dor não são nada bons. Leia mais
aqui.
- Homens imprudentemente poéticos, de Valter Hugo Mãe.
O fim da Cosac Naify
não foi o motivo para a obra do escritor português que desde a saída da Editora
34 estava naquela casa editorial ficasse muito tempo órfã. A Globo Livros incorporou
logo e cedo, ainda com todos os livros de Mãe disponíveis em catálogos pela antiga
editora, jogou no mercado três títulos, entre estes, o publicado neste mesmo
ano em Portugal – um caso raro no mercado editorial brasileiro que costuma
demorar a editar a obra de escritores do país irmão por aqui, salvo raríssimas
exceções. Com este livro, noto um decréscimo no plano criativo de Mãe, mas nada
suficiente para dizer que estamos diante de um livro menor. Aqui, o autor
aprofunda sua experiência com uma prosa lírica manifestada melhor no romance
anterior A desumanização e parece
reabrir um novo círculo de romances, aqueles que têm seu lugar fora de
Portugal: o cenário do anterior era a Islândia e agora o Japão. E o escritor já
demonstrou interesse em meter o Brasil num de seus romances. Será? Pedro Belo Clara
escreveu sobre o livro aqui.
- A resistência, de Julián Fuks.
O livro
faz menção a um contexto histórico e político bastante conturbado – o do golpe
na Argentina em 1976, eco que reverbera em todos os outros golpes sofridos
pelos países da América Latina e para o operado neste 2016 no Brasil. Logo, eis
um solo bastante fértil para dele brotar uma narrativa de grande poder. O
relato memorialístico é uma das
surpresas do ano para a literatura brasileira. Fuks ressuscita uma sorte de
questões ainda por resolver em nossa história.
- Maria do Monte. O romance inédito de Jorge
Amado, de Carlos Emílio C. Lima.
Não raras vezes o escritor tem questionado
sobre o silêncio em torno de sua obra e a desvalorização de seu trabalho pelos
editores. E com razão. Faço coro a Carlos ainda que desconheça o restante da
sua obra. O romance aqui apresentado e outros contos disponibilizados na web foram os únicos contatos e é o suficiente
para dizer que, na literatura de fino trato com a imaginação criativa e o
trabalho lapidar com a linguagem, a obra do cearense é coisa rara e, logo, um
grande erro histórico não a ler e reconhecê-la. Leia mais aqui.
- Tirza, de Arnon Grunberg.
Este é um
título que marca um retorno aos leitores brasileiros da obra do escritor holandês.
Em 2003, por exemplo, foi publicado Amsterdã
Blues e dois anos depois, Dor
fantasma. Então há entre estes primeiros títulos e Tirza mais de uma década sem uma nova obra de Grunberg no Brasil. Eis
uma narrativa que transita com uma naturalidade necessária entre sentimentos de
extensa disparidade – talvez esteja aí a alternativa encontrada por Grunberg
para fisgar o leitor na travessia de mais de cinco centenas de páginas: dupla
travessia, aliás, a da leitura e da viagem empreendida pela personagem principal
que dá nome a obra e é o motivo para as variedades de tons utilizados pelo escritor
na construção dos sentidos individuais aí dominantes. Neste ano saiu O homem sem doença.
- Uma temporada no escuro, de Karl Ove Knausgård.
Em 2017, tem-se a promessa de, além do quinto volume de Minha luta, outra obra do escritor norueguês. É justa a chegada de
outros títulos do escritor a fim de o leitor averiguar melhor seu trabalho
literário. Na edição deste ano, continuamos a percorrer, extasiados, a maneira como
Knausgård refabrica temporalidades e
situações com extrema destreza. Lembro que alguém escreveu (não sei se aqui ou
no Facebook do Letras) que este é um projeto pífio: rodar a vida nos mínimos
detalhes, inclusive naqueles que não têm valia nenhuma do ponto de vista estético,
para depois constatar que a vida é o fim. E não é isso. Aí está um escritor que
consegue tornar algo simples numa janela de percepção sobre o mundo e a
existência cujo diálogo está com leitores em toda parte. Isto é, uma
universalização do particular – algo já dito por outro que, para ser grande, canta
tua aldeia. Leia mais aqui.
- Simpatia pelo
demônio, de Bernardo Carvalho.
Na altura em que esta lista é confeccionada
estou para concluir a leitura desse livro. O seu autor estava entre a lista
daqueles outros já citados por aqui como parte da minha curiosidade. A esta
altura, já terá percebido o quanto tive sorte com as descobertas – sim, porque
o romance do Bernardo Carvalho também atesta estarmos diante de uma obra
promissora para a literatura brasileira. Ao lado de outros escritores citados
aqui que têm trabalhado no interesse de construir uma ficção sem se desapegar
dos grandes temas sociais que nos marcam, esta narrativa aposta num tema de nosso contexto mas o eleva a uma questão mais ampla, universal e mesmo existencial: a violência. É uma narrativa feroz sobre a nossa mais repudiada e ocultada: um nosso demônio. Leia mais aqui.
- O amor dos homens avulsos, de Victor Heringer.
com este romance o escritor confirma duas coisas: a promessa que deixou aos leitores na boa realização do primeiro romance (publicado em 2012,pela 7Letras, Glória) e sua capacidade de se reinventar, sem perder o fôlego da largada. Para um escritor cujo interesse parece se distanciar do mero mero protocolo de contar uma história para ser o de alguém capaz de inovar os protocolos da narração bem como os lugares da literatura brasileira isso é fundamental. A obra chama atenção para um lugar não-distante da nossa história tão jovem: o da repressão. E não constrói em torno desse tema uma visão encantada mas de como ele afetou e afeta sorrateiramente nas condições individuais dos sujeitos. Ao contrário dela, institui um roteiro sobre o amor e sua possibilidade de nos conduzir a uma condição alheia ao retrocesso. Leia mais aqui.
- Dias de abandono, de Elena Ferrante.
Apesar das críticas negativas, que sempre apontavam este texto como um exercício menor da criação literária de Ferrante, é preciso dizer: não, este não é um romance menor que a tetralogia. É o contrário: bem construído, justo na medida certa, entre os melhores de Ferrante e integra desde já uma lista de obras indispensáveis às traduzidas no Brasil de 2016. O leitor desconhecerá alguma narrativa que trata com tanta propriedade, pelo ângulo do feminino, sobre a desilusão amorosa, tema que nada tem de novo mas que é trabalhado pela italiana com a maestria que já conhecemos. E, claro, ótimos são ainda o quarto volume da série napolitana e A filha perdida. Leia mais aqui.
- De mim já nem se lembra, de Luiz Ruffato.
Este é um texto, de ponta a ponta, carregado de muita emoção e a construção de um retrato de muitos outros brasileiros que iguais ao Célio, seu protagonista, apostaram tudo – a própria existência – numa possibilidade de um futuro digno para todos; veste-se da força unânime que une toda comunidade humana: a determinação sobre o seu lugar de indivíduo no mundo. Leia mais aqui.
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