Oscar Wilde, narrador
Por José Carlos Llop
Oscar Wilde em Paris |
Se Oscar
Wilde é autor de um só romance, O retrato
de Dorian Gray, também é verdade que há outro romance seu oculto em sua
própria personagem. Não me refiro a Teley,
essa novela homoerótica, nem a De
profundis – que traria certas chaves sobre sua autobiografia ou não e logo
seria um dos novos arranjos da narrativa moderna – nem tampouco aos contos, dos
quais poderia citar O crime de Lorde
Arthur, O fantasma de Canterville ou
ainda O retrato de Mr. W.H. Neles não
poderíamos rastrear gestos disso que os franceses chamam nouvelle e nós aprendemos a chamar como novela. Refiro-me à narrativa de uma vida, novela (ao invés de
romance) da vida, novela escrita pelo próprio Wilde com tintas de sua vida e
que foi ficcionada em tantas ocasiões, seja por outros romancistas, seja pelo cinema.
A vida de
Wilde há aparecido nessa literatura geralmente marcada pelo mistério estético e
o drama novelesco de sua personagem principal, dotado entre outras coisas de um
talento extraordinário que ficou registrado mais que em suas ficções em sua
prosa ensaística. A esse talento talhado em vida deveria referir-se Winston Churchill
quando afirmou que entre eleger um conservador e uma excelente companhia, elegeria
Oscar Wilde. Certamente que foi o mesmo Churchill o único autor de uma vingança
wildiana: prendeu por fascismo Lorde Alfred Douglas, Bosie, responsável junto com
o seu pai, não só pelo encarceramento de Wilde, mas pelo descrédito que se criou
em torno de sua obra entre os ingleses na mesma sociedade vitoriana que o havia
celebrado.
Tinha 46
anos no momento de sua publicação seriada de O retrato de Dorian Gray num periódico estadunidense. E um ano
a mais, quando aparece em Londres, já encadernado. A partir desse momento se converte num
território mítico, numa sombra que desliza pela vida cotidiana como o mito de
Fausto, Jekill e Hyde, ou – salvaguardando as distâncias – como as figuras de
Quixote e Sancho. O retrato é parte
da memória metafórica da sociedade ocidental. E, se nele se encerra uma
premonição do caso Wilde, seu reflexo antes do que é o corpo e a sombra se
unirem para sempre em sua decadência em Paris, expulso do mundo, exilado dele. Entendendo
o mundo como a sociedade que o havia elevado para logo lançá-lo às trevas.
Imaginemos
Wilde em Paris. Obeso, com o pescoço de uma tartaruga com hidropisia e as mãos cheias
de anéis que sublinham o desdém. Aquele dândi fascinado pelo romance A rébours de Huysmans – do qual, da sua
leitura, nasceria Dorian Gray – já não pousa sobre um divã, nem sorri para si
as donzelas vitorianas nos palcos do teatro. Todos o abandonaram. Os paradoxos
do jogo lhe farão morrer num hotel das Belas Artes. Embora seu retrato tenha
levado anos a receber punhaladas, a decadência continuava. Por isso, a decrepitude
foi lenta, dolorosa e solitária como a de um animal enfermo separado da manada.
Duvido muito
que no momento de escrever Dorian Gray,
Oscar Wilde sabia que estava escrevendo os fragmentos de sua própria vida – então
impensáveis. A paixão turbulenta pela beleza, o prazer e a juventude – que ia
se encarnar em Bosie, quem conheceu no mesmo ano de aparição do romance –, o vício
de amar a vida no limite e sua incursão pela depravação sob pretextos estéticos,
que culminaria, no romance, em assassinato, deixaram suas marcas também na pintura
de Wilde.
A suprema ficção
da vida acaba derrotando a ficção de laboratório, porque a arte não basta
para transfigurar a realidade; por mais que situe a moral numa sutil linha
fronteiriça, a transposição é fácil, mas não por isso exata. Quando penso nos
dias finais de Dorian Gray, sei que seu pintor não foi Wilde mas que a
autoria daqueles traços de seu rosto corresponde à mão da mesma sociedade que o
glorificou para logo querer rebaixá-lo. Ela foi sem dúvida Dorian Gray. E não conseguiu suportá-lo.
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