Nobel 2016: para o Philip Roth africano
Por Javier Rodríguez Marcos
Ngũgĩ Wa Thiong’o, o africano sempre cotado ao Prêmio Nobel quando os apostadores lembram da injustiça da Academia sueca com aquele continente. |
Neste dia 13
de outubro todos saberão quem ganha o Prêmio Nobel de Literatura – um galardão que
a cada ano produz um maremoto de especulações estimuladas em grande parte por
dois sentimentos: o narcisismo e o nacionalismo. É o narcisismo que faz com
que no instante seguinte da premiação uma porção de leitores lamentem que não tenha
ganhado nosso escritor nova-iorquino favorito. A satisfação de dizer “eu vi
primeiro” é quase maior que a curiosidade por descobrir um novo autor cujo nome
sequer sabemos pronunciar. Às vezes, com o pecado vem a penitência. Cuidado com
desejar que ganhe quem mais você goste: o desejo pode não se cumprir e levar nosso candidato
a durante doze meses ser condenado a receber honoris
causa ou não escrever mais manifestos contra Donald Trump.
O segundo
fator, o nacionalismo, nos leva a suspirar por alguém de nosso país
simplesmente pelo fato de ser de nosso país. É o mesmo impulso que leva a
orgulhar-se sobre a expansão de seu idioma pelo mundo quando o motivo lógico do
orgulho seria a expansão das línguas estrangeiras entre nós. As virtudes
literárias de nossos compatriotas já as conhecemos, o que necessitamos é um
jurado sueco que nos descubra para os outros.
Ko Un. Tantos romancistas orientais, mas por que não a vez de um poeta? |
Há quem diga
que o Prêmio Nobel é um galardão político, e é, mas não porque de tempos em
tempos ganhe um chinês mas porque desde antes de 1945 brigavam franceses e
alemães, depois, desde o fim da Segunda Guerra Mundial a maioria são os estadunidenses (não, digamos, anglófonos) que tenham levado. Não aconteceria
nada se ganhar uma vez mais – Philip Roth, por exemplo – mas tampouco estaria
mal que nos disseram que em Estocolmo se pergunte se é o Philip Roth africano. Existe esse? Seguramente
sim. O que não temos é paciência ou luzes para descobri-lo por conta própria.
Para isso existe o comitê do Nobel, que é só um clube de leitura qualificado não
um tribunal supremo da justiça literária.
Jon Fosse, outro nome também favorito. |
Dezoito
indivíduos levaram a obra de Bashevis Singer, Wislawa Szymborska, Herta Müller
ou Svetlana Aleksiévitch a merecer certo crédito. E sobre eles digo que levaram e não que foram
descobertos; porque pensar que o Nobel descobriu, por exemplo, Mo Yan parece
algo ingênuo se sabemos que era um escritor de 60 anos, com 12 livros publicados
(vários deles adaptados para o cinema) e nascido num país de 1,3 milhões de
pessoas. A ingenuidade recorda aquela ironia de Eduardo Galeano quando a
professor disse numa aula que Núñez de Balboa foi o homem que descobriu o Pacífico.
Pergunta de Galeano: “Os índios que viviam ali eram cegos?”
Em outubro
as apostas da casa Ladbrokes destacam, como outros muitos anos, o queniano Ngũgĩ
wa Thiong'o, que não faz muito tempo teve publicado no Brasil Um grão de trigo (Alfaguara Brasil) e Sonhos em tempo de guerra (Biblioteca
Azul). Também repetem o japonês Haruki Murakami, o poeta sírio Adonis, o poeta
sul-coreano Ko Un, o norueguês Jon Fosse e, claro, Philip Roth. Estará bem quem ganhar, embora só sirva para depois compará-lo com Borges. Bem pensado, talvez
deveria ganhar Edna O’Brien – para que dar-se a Philip Roth se pode ser dado à
escritora favorita de Philip Roth?
Ligações a esta post:
* Este texto é uma versão livre de "Un Nobel para el Philip Roth africano" publicado no jornal El País.
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