O Novo Jornalismo: uma corrente literária da prática jornalística
Por Vinicius
Colares
As constantes
revoluções dos anos 1960 agitaram o globo culturalmente, socialmente e
politicamente. Atingiram, inevitavelmente, a prática jornalística. Não
faltaram, nesse período, pautas marcantes para quem usava a notícia como
matéria-prima: as ascensões e quedas de John F. Kennedy e Martin Luther King; o
início da Guerra do Vietnã; e os primeiros passos de Neil Armstrong na lua.
O mundo
girava, os fatos aconteciam. A forma como eram narrados os acontecimentos,
porém, não passava perto da profundidade que lhe era merecida. Era assim
que pensava Tom Wolfe, um dos precursores do Novo Jornalismo.
Pensando em
um período de estrondosa agitação social, geralmente ligamos ao new journalism
(nomenclatura norte-americana original) o termo movimento. Chamamos sempre de “o
movimento Novo Jornalismo”. Marcelo Bulhões, em seu Jornalismo e literatura em
convergência (2007), porém, não confia essa terminação para marcá-lo.
– O New
Journalism não foi exatamente um movimento, pois não despontou com um
delineamento de ideias estabelecidas por um grupo coeso de representantes,
tampouco elaborou um programa ou manifesto declaratório de princípios. Foi mais
uma atitude que se processou na fluência de uma prática textual desenvolvida em
alguns jornais e revistas americanas [...] – escreve o pesquisador e professor.
Rildo
Cosson, em contrapartida, define Novo Jornalismo de forma diferente. Em seu Romance-reportagem: o gênero (2001) o autor afirma que este é,
de certa forma, uma corrente ou um “movimento do jornalismo norte-americano que
[...] procurou aproximar o jornalismo da literatura notadamente pela adoção de
técnicas narrativas classicamente consideradas próprias da ficção”.
Para este
artigo podemos adotar a ideia de Bulhões pensando em um caráter de transição do
Novo Jornalismo. As suas marcas evidentes em algumas publicações faz com que
mantenhamos o uso de termos que remetem ao valor estético-narrativo do new journalism
e não a sua aplicação como movimento – social – que posicionou-se contra o
jornalismo objetivo e pragmático norte-americano. Mais apropriados serão os
termos ínterim e/ou corrente, atravessando a ideia de um espaço de tempo
específico ou da ligação entre dois períodos (pré e pós-Novo Jornalismo).
Presente nas
redações durante esse período, portanto, Tom Wolfe lembra que os jornalistas
que faziam reportagens maiores durante os anos 1960 eram menos valorizados do
que aqueles que corriam atrás do grande furo com um ritmo frenético – sabendo
da competitividade do ambiente jornalístico na época.
O próprio
Wolfe sentia-se bastante incomodado com a falta de profundidade dos textos escritos
nos jornais diários norte-americanos. Depois de publicar artigos usando
recursos e técnicas pouco utilizadas fora da ficção, o jornalista escreveu uma
tentativa de manifesto: The New Journalism, publicado em 1973.
Nesse
pequeno livro, Wolfe conta algumas das características desse ínterim e ajuda a
identificar um texto que pode ser caracterizado como produto do Novo
Jornalismo. Mesmo sabendo que o new journalism não foi fruto de
nenhuma teoria ou ideologia específica, seu manifesto aponta quatro
recursos que devem ser utilizados pelo jornalista e servem como uma espécie
de guia para identificar textos do gênero.
Segundo
Wolfe, marcam os textos do new journalism (1) a reconstrução da história cena a
cena; (2) o registro de diálogos completos; (3) o uso da terceira pessoa; e (4)
o registro de detalhes característicos dos personagens (roupas, expressões,
hábitos etc.).
É importante
ressaltar que, ao contrário do que indicam alguns artigos, Tom Wolfe não é o
precursor desse tipo de texto. Felipe Pena em seu Jornalismo Literário (2006)
lembra que alguns historiadores consideram Daniel Defoe como o primeiro
jornalista literário moderno.
Trabalhos
mais recentes também apontam para essa presença do Novo Jornalismo dentro do
gênero jornalismo literário. Cyntia Andretta, professora da PUC-Campinas, levanta
em sua tese
de doutorado os porquês de considerarmos apenas os autores desse período –
décadas de 1960 e 1970 - como novos jornalistas se, muito antes deles, outros nomes
como George Orwell, Pulitzer e Charles Dickens também faziam esse trabalho
conjunto entre jornalismo e literatura.
Pouco tempo
antes das ideias de Wolfe serem difundidas, escritores como John Hersey também
publicavam reportagens tão profundas quanto Wolfe imaginava ser possível. “Hiroshima”,
de Hersey, publicada em 1946 na revista New Yorker, é um dos exemplos. O
jornalista entrevistou sobreviventes do ataque atômico em Hiroshima e Nagazaki
e, com uma base jornalistica, acabou humanizando – com recursos literários – os
entrevistados.
Junto com
ele autores como John Sack, Hunter Thompson e Joan Didion também estavam
buscando a ampliação do jornalismo para além do lead e trabalhando com ideias
que servem como base para o Novo Jornalismo. O jornalista pode ser subjetivo e
deve usar técnicas literárias para atingir um valor estético, defendiam alguns
desses jornalistas.
É possível
notar que um número considerável de estudos na área apoia-se nos anos 1960 e 1970
e nos autores clássicos do Novo Jornalismo. Além de Tom Wolfe, são lembrados,
por exemplo, Gay Talese, Norman Mailer e Truman Capote. Existe uma razão aparente
para isso. O Novo Jornalismo, dotado de seu espírito transgressor, não
conseguiu encontrar um espaço definitivo dentro dos periódicos de maior
circulação e foi esvanecendo-se. A preocupação com a objetividade ainda é
primordial para os grandes veículos e restou aos jornalistas que escrevem
grandes reportagens algum espaço em poucas editoras – na tentativa de publicar
um livro –, na internet e em algumas revistas.
Ligações a esta post:
* Jornalista
graduado pela Universidade Federal de Pelotas. Repórter e redator
freelancer.
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