Jean-Marie Gustave Le Clézio
Jean-Marie Gustave Le Clézio em Saint-Malo, França, 1999. Foto: Raphael Gaillarde |
Jean-Marie Gustave Le Clézio (ou, simplesmente J. M. G. Le Clézio) publicou seu primeiro romance, Le Procès-verbal em 1963. Tinha 23 anos e com aquele livro torrencial onde mergulha o leitor no isolamento de um jovem com amnésia que se perde gradualmente entre alucinações, ganhou o Prêmio Renaudot e o reconhecimento de titãs da crítica como Michel Foucault e Gilles Deleuze.
Os
estudiosos da obra de Le Clézio sempre dividem sua carreira literária em duas
fases. A primeira, marcada por sua inquietude experimental, o pós-estruturalismo,
a exploração da loucura e uma retórica enervante; foi esta que lhe valeu os adjetivos de
inovador e rebelde além da comparação com o também francês Albert Camus. A relação dá-se ainda pela preocupação do escritor com questões do indivíduo a partir do que denominadamente foi criada pelo autor de O estrangeiro, o absurdismo.
A segunda, em que recusa a anterior, está guiada por suas memórias familiares; trata-se de uma prosa mais lírica e acessível ao lugar existencial do escritor e suas relações com inquietantes temas que nascem numa individualidade mas almeja uma universalização. Foi esta a fase em que estava inserido levou o Prêmio Nobel em 2008. Catorze anos antes, a revista Lire, já havia destacado o escritor como o maior escritor vivo na língua francesa.
A segunda, em que recusa a anterior, está guiada por suas memórias familiares; trata-se de uma prosa mais lírica e acessível ao lugar existencial do escritor e suas relações com inquietantes temas que nascem numa individualidade mas almeja uma universalização. Foi esta a fase em que estava inserido levou o Prêmio Nobel em 2008. Catorze anos antes, a revista Lire, já havia destacado o escritor como o maior escritor vivo na língua francesa.
Le Clézio
nasceu em Niza, mas provém de uma família bretã emigrante das Ilhas Maurício,
que foi em distintos momentos colônia holandesa, francesa e inglesa, antes de
se converter num país independente. Seu pai era inglês e sua mãe francesa, mas
viveram em vários lugares da África porque ele trabalhava nesse continente como
médico.
Depois de casada, sua mãe voltou para França, onde nasceram seus dois filhos; Le Clézio não conheceu o pai até os oito anos, quando a família se reencontrou na Nigéria depois da separação que viveram durante a Segunda Guerra Mundial. Esta passagem de sua infância foi definitiva para sua vida e sua carreira; inspirou-lhe o romance Onitsha (1991) e O africano (2005), um relato muito pessoal, sensível e quase poético sobre sua relação com seu pai, contado desde a memória de uma criança que guardou por anos um mundo de recordações onde se confundem a realidade e a ficção.
Depois de casada, sua mãe voltou para França, onde nasceram seus dois filhos; Le Clézio não conheceu o pai até os oito anos, quando a família se reencontrou na Nigéria depois da separação que viveram durante a Segunda Guerra Mundial. Esta passagem de sua infância foi definitiva para sua vida e sua carreira; inspirou-lhe o romance Onitsha (1991) e O africano (2005), um relato muito pessoal, sensível e quase poético sobre sua relação com seu pai, contado desde a memória de uma criança que guardou por anos um mundo de recordações onde se confundem a realidade e a ficção.
Distante da
vida acomodada onde passou os primeiros anos de sua vida com sua mãe e sua avó,
no sexto andar de um edifício típico da burguesia francesa, a estadia em África
aos oito anos foi o que lhe permitiu construir a verdadeira infância; foram
seus anos mais felizes – como um menino branco que compartilhou brincadeiras com
os meninos nigerianos.
Foi então que se aproximou daquele entorno que seu pai detestava: o “mundo colonial e sua injustiça presunçosa, seus cocktail parties e seus jogadores de golfe, sua domesticidade, suas amantes de ébano, prostitutas de quinze anos que entravam pela porta de serviço e suas esposas oficiais mortas de calor que por algumas luvas, o pó ou a vasilha velha descarregavam seu rancor contra a servidão”.
Foi então que se aproximou daquele entorno que seu pai detestava: o “mundo colonial e sua injustiça presunçosa, seus cocktail parties e seus jogadores de golfe, sua domesticidade, suas amantes de ébano, prostitutas de quinze anos que entravam pela porta de serviço e suas esposas oficiais mortas de calor que por algumas luvas, o pó ou a vasilha velha descarregavam seu rancor contra a servidão”.
Desde então,
Le Clézio tem vivido em vários países da Ásia, África, América e Europa – tecendo
literatura com sua própria imigração. Faz, diz, pela necessidade de compreender,
em perfeita honestidade, seu lugar no mundo. Viveu entre os índios emberá do
Panamá e fundou uma escola em Michoacán. Escreveu amplamente sobre os
habitantes das ilhas do Oceano Índico, com os quais tanto se identifica; tem
publicado traduções de textos sagrados dos Maia e ministrado aulas em
universidades da Cidade do México, Bangkok, Albuquerque e Boston.
Jean-Marie Gustave Le Clézio a altura da publicação de seu primeiro romance. |
Le Clézio
sempre foi um férreo analista do colonialismo e suas profundas feridas, que em vez
de curar-se com o passar dos séculos, parecem aprofundar-se e adquirir maiores
e mais complexas dimensões. É um tema recorrente entre seus mais de 40 livros
de ficção e não-ficção. Como cidadão do
mundo assumiu, por exemplo, a responsabilidade de compreender o processo de conquista
do México e a queda de Tenochtitlan como “o lento, difícil e irresistível progresso
de uma destruição”. Uma matança sem precedentes e sem escrúpulos: a inevitável tragédia
que viria do choque entre a rapina insaciável do homem moderno e uma das
últimas civilizações que ele descreve como mágicas.
Os índios,
escreve em O sonho mexicano ou o
pensamento interrompido (1988), aprenderam muito tarde que o homem branco não
compartilha nunca e que não descansaria até pisotear tudo aquilo que consideravam
sagrado, reduzir seu povo e sua cultura até a mais indigna escravidão. “De que
riqueza nos privaram os conquistadores?” – se pergunta. Ao destruir estas culturas
e aniquilar a identidade destes povos mutilou a humanidade e é algo que Le Clézio
não se cansará nunca de destacar. “Provocaram os primeiros aventureiros desta civilização
materialista e oportunista que se estendeu por todo o mundo, e que pouco a pouco
foi substituindo todas as outras filosofias”, afirma.
A violência
é outro dos motores de sua escrita; está em Deserto
(1980), Revoluções (2003) e em grande
parte de sua obra. Em 2015, disse ao El
País que depois de muito analisar só pode concluir que a violência é um
fenômeno sem uma explicação mais além do profundo desconhecimento do outro.
Em seus
textos breves preserva esse fio analítico e incisivo para explorar as diversas
arestas da miséria humana. Fala sobre a absoluta desolação que pode viver o
indivíduo contemporâneo mergulhado numa imensidão de condomínios com trezentas
janelas idênticas, rodeadas de um cemitério de carros inúteis.
Apesar do que
denuncia, se define como um otimista e tem fé, sobre todas as coisas, nas
gerações futuras. Em seus livros tece, ainda em meio de minuciosas descrições
de dor, a fome, a solidão e a desesperança; extensas homenagens ao mar, ao céu,
ao vento, ao amor, e os inquebráveis laços familiares que sobrevivem ao tempo e
ao exílio.
A este Prêmio Nobel incomoda o status de figura literária e prefere ser alguém que se coloca ante os ouvidos surdos. Enquanto tudo segue documentado com sua prosa sensível e demolidora uma história que, ainda parece repetir-se com a mesma crueldade e arrogância do passado, não deixa de perder o desejo de viajar a um novo lugar e começar outro livro.
Ligações a esta post:
>>> Leia notas sobre O africano
* Este texto foi escrito a partir de "Jean-Marie Gustave Le clézio, el nómada anticolonial", editado pela revista Gatopardo.
A este Prêmio Nobel incomoda o status de figura literária e prefere ser alguém que se coloca ante os ouvidos surdos. Enquanto tudo segue documentado com sua prosa sensível e demolidora uma história que, ainda parece repetir-se com a mesma crueldade e arrogância do passado, não deixa de perder o desejo de viajar a um novo lugar e começar outro livro.
Ligações a esta post:
>>> Leia notas sobre O africano
* Este texto foi escrito a partir de "Jean-Marie Gustave Le clézio, el nómada anticolonial", editado pela revista Gatopardo.
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