Dezesseis livros imprescindíveis para entender a Primeira Guerra Mundial


Em 2014 cumpriu-se 100 anos da Primeira Guerra Mundial. O confronto que só seria superado pela repetição dos horrores em larga escala poucos anos depois teve início em julho de 1914 e durou até novembro de 1918. A experiência da tragédia e os traumas produzidos por ela serviram, depois de um longo silêncio ouvido depois do fim dos confrontos, para uma extensa produção literária dentro e fora da Europa – epicentro da tragédia. Na ocasião do primeiro centenário, o jornal espanhol El país redigiu uma seleção com dezesseis livros entre essa bibliografia cujo interesse é o de permitir ao leitor acompanhar o mais próximo possível o ocorreu durante esses dias negros da história breve da nossa civilização.

- Os quatro cavaleiros do Apocalipse, de Vicente Blasco Ibáñez
Com licença dos grandes romances de Charles Dickens, este livro foi um dos primeiros Best-Seller mundiais, uma obra que alcançou rapidamente uma importância global: foi publicada em espanhol em 1916, traduzida nos Estados Unidos em 1918 (no Brasil teve edição da Círculo do Livro nos anos oitenta) e levada ao cinema em 1921, com Rodolfo Valentino como protagonista. Com a história de duas famílias ligadas entre si que lutam em grupos diferentes durante o conflito, publicada em plena guerra, o valenciano Vicente Blasco Ibáñez alcançou tocar numa questão mundial. A mistura de relato familiar com a descrição da Europa devastada pela guerra, o compromisso em favor dos aliados, sem ocultar a bestialidade do conflito, atraiu milhões de leitores. Literatura de outros tempos sem os quais é impossível entender os nossos.

- O regresso do soldado, de Rebecca West
 Se há um livro que retrata como a guerra alcança também aqueles que não a viveram, esse sem dúvida é o primeiro romance da escritora inglesa Rebecca West – um dos nomes mais importantes da literatura do século XX. Apesar de pouco conhecida no Brasil, ela é também autora de uma obra-mestra da literatura de viagens Cordeiro negro, falcão cinza (tradução livre a partir do título em espanhol), que através de uma viagem pelos Bálcãs permite que compreendamos muitas chaves da história europeia. “Nunca serei capaz de entender como ocorreu”, disse sobre Sarajevo do estopim da guerra. O regresso do soldado relata a história do retorno à casa de um militar que acabou ferido no front. Existe um abismo entre o que viveu em Flandres e a percepção que tem sua família sobre o ocorrido durante a Primeira Guerra Mundial. A autora, todavia, acredita no futuro e que o trauma bélico pode ter cura através da psicanálise.

Nos tempos do front, Ernst Jünger

- Tempestades de aço, de Ernst Jünger
O relato autobiográfico do narrador e filósofo alemão é a antítese de livros como O medo ou Sem novidade em frente. Pode-se dizer que quase desde os tempos da épica grega não se havia escrito um elogio tão contundente sobre a guerra: seu biógrafo francês Julien Hervier fala inclusive do “sentimento lúdico da guerra” em Jünger. Pode-se (talvez devesse) não estar de acordo com a visão que oferece sobre o conflito, mas há algo nas páginas desse livro que prende o leitor. Trata-se de uma obra que mescla o heroísmo com a violência atroz, já que em nenhum momento Jünger trata de esconder o que a guerra produz. Este livro logrou sobreviver uma marca tão sinistra com os elogios tecidos pelos hierárquicas nazistas para converter-se numa obra apaixonante e inclassificável.

- Paris bombardeada, Azorín
Trata-se de um conjunto de crônicas que o escritor compôs quando estava em Paris em 1918 para o jornal Abc; não é, seguramente, um dos livros mais importantes escritos sobre a Primeira Guerra Mundial mas, sem dúvidas, merece estar nesta lista. Reflete a visão espanhola de um conflito sobre o qual o país natal de Azorín se sentia alheio – ninguém poderia prever até que ponto os espanhóis seriam afetados por suas consequências; mas é também um magnífico relato de uma das principais características que levou esta guerra à infâmia universal: os primeiros bombardeios aéreos contra civis. O relato que faz o escritor da geração de 98 sobre as avenidas vazias de Paris, dos apagões à meia-noite ante a chegada dos zepelins, do terror dos bombardeios e refugiados reflete o que se avizinhava sobre a Europa. Com suas frases curtas, carregadas às vezes de ironia e outras vezes de emoção, Azorín descreve Paris com precisão e por sua vez antecipa todo o resto do século XX.

- As aventuras do bom soldado Švejk, de Jaroslav Hašek
As vezes alguém se pergunta se há outra forma de contar a Primeira Guerra Mundial que não seja através da paródia, porque inclusive o drama mais terrível se torna coisa pequena para descrever o que ocorreu na Europa entre 1914 e 1918. Esta é uma obra de ficção imprescindível sobre este conflito seja por sua ambição seja por seu volume seja ainda por sua capacidade imensa de ironia e sátira na melhor tradição de Rabelais ou Cervantes. Jaroslav Hašek é considerado o grande narrador tcheco ao lado de Kafka, ainda que, diferente do autor de A metamorfose, escreveu em sua língua materna, não em alemão. Em As aventuras... ele ridiculariza todas as instituições envolvidas nesse evento: a justiça, os militares, a política, as religiões e até as da saúde.

T. E. Lawrence

Os sete pilares da sabedoria, de T. E. Lawrence
É quase impossível separar em nosso imaginário a monumental obra de Lawrence – mais de seiscentas páginas na edição brasileira – do filme de David Lean, Lawrence da Arábia. Este livro, a uma só vez o relato de viagens pelos desertos do Oriente, crônica histórica e de formação, é considerado também um dos grandes manuais militares da técnica das guerrilhas (tema sobre o qual voltou a se falar muito quando estalou a guerra no Iraque). Lawrence foi o oficial encarregado de unir as tribos árabes na luta contra o Império otomano durante a Primeira Guerra Mundial. Entretanto, perdeu no terreno diplomático com o tratado Sykes-Picot e viu como era traídas as promessas que lhe foram feitas pelos aliados árabes, que nunca chegaram a cumpri-las. É um livro apaixonante, embora excessivo como o próprio Lawrence, cuja importância é, todavia, fundamental para compreender o que ocorre ainda hoje naquela região da Terra.

Adeus a isso tudo, de Robert Graves
As memórias do autor de Eu, Claudius, Imperador simbolizam a história de toda uma geração de jovens britânicos que acabou cerceada pela Primeira Guerra Mundial. O título reflete o sentimento de fim de época que significou o conflito para todos aqueles que sobreviveram: a ruptura com a confiança cega no futuro. Robert Graves que também foi um dos grandes poetas do front,  combateu na batalha de Somme. “Nem sequer a promessa de uma porção extra de rum conseguiu levantar os ânimos do batalhão. Não havia ninguém que não estivesse de acordo que aquele ataque era inútil, imbecil e irrealizável”, escreve sobre o maior desastre da história militar britânica, uma ofensiva que custou a vida de 20 mil militares só na jornada de 1º de julho de 1916. Ele próprio caiu ferido alguns dias mais tarde. 

Nada de novo no front, de Erich Maria Remarque
Este romance foi publicado em 1929 na Alemanha, quando o mundo atravessava a Grande Depressão. Era também o momento em que o nazismo começava a ganhar voz e fazer-se cada vez mais forte. O livro que foi um sucesso imediato é um dos romances antibelicistas mais influentes de todos os tempos, um relato como a guerra destrói os homens, inclusive aqueles que sobrevivem. Sua primeira adaptação para o cinema, de Lewis Milestone, ganhou um ano mais tarde o Oscar de Melhor Filme e Melhor Direção. Naturalmente foi uma das obras queimadas em público pelos nazistas desde 1933. Nada de novo no front, inspirado nas próprias experiências do seu autor como soldado, nunca deixou de ser reeditado ao redor do mundo e lido como um dos grandes testemunhos da lucidez e inteligência frente à irracionalidade da guerra e a força devastadora do patriotismo exacerbado.

No front da Primeira Guerra Mundial, Ernest Hemingway

Adeus às armas, de Ernest Hemingway
O Prêmio Nobel de Literatura foi um jovem que conduziu ambulâncias durante a Primeira Guerra Mundial, um dos trabalhos mais perigosos já que precisava ir e vir constantemente ao front à mercê dos tiroteios; findou ferido e viveu uma história de amor com uma enfermeira na Itália, um idílio que acabou mal embora por motivos muito diferentes dos que escreve nesse livro. Assim nasceu seu segundo romance, depois de Paris é uma festa, outra obra sobre a guerra que teve imediatamente um gigantesco sucesso que foi levado ao cinema tão logo quando publicada e continua sendo um de seus livros mais célebres. Outro membro da geração perdida, John Dos Passos, narrou suas experiências de guerra no romance Iniciação de um homem. As obras de Hemingway, Dos Passos e F. Scott Fitzgerald refletiram cada uma à sua maneira a imensa ferida deixada pelo conflito de 1914.

O medo, de Gabriel Chevallier
Um dos grandes efeitos da Primeira Guerra Mundial foi que, em meio ao horror das trincheiras nasceu o pacifismo, ainda que desde então, não a paz. “Vinte milhões, todos de boa-fé, todos de acordo com Deus e seu príncipe... Vinte milhões de imbecis... Como eu. Ou talvez não, porque eu nunca acreditei nesse dever. Já aos dezenove anos pensava que não havia nenhuma grandeza em meter uma arma no ventre de um homem, em regozijar-me com sua morte”, escreve Gabriel Chevallier no início dessa obra-mestra, esquecida durante muitos anos. Este romance autobiográfico relata a sorte dos poilus, os soldados franceses que acabaram massacrados no front a mando de oficiais muitas vezes incompetentes e, desde então, pouco interessados na vida de seus soldados. É um livro arrepiante, escrito ao pé da trincheira.  O medo é um dos grandes testemunhos universais sobre a guerra.

Uma arma para Johnny, de Dalton Trumbo
A Primeira Guerra Mundial deixou centenas de milhares de mutilados, de soldados massacrados pelas armas mais modernas jamais utilizadas antes num conflito, mas também outra quantidade salva por uma medicina que havia avançado a passos gigantes. Dalton Trumbo, roteirista e romancista que acabaria sendo colocado fora do circuito cinematográfico durante o período de caça às bruxas em Hollywood do senador McCarthy, escreveu a história de um desses feridos, sem pernas, nem braços, sem poder falar, mas com a mente totalmente intocada. É um relato descomunal mas também a metáfora dos feridos física ou moralmente pela guerra, homens isolados de sua sociedade, condenados a não poder dizer seus sofrimentos. Trumbo passou muitos anos sem poder aparecer publicamente até que o produtor e protagonista de Spartacus se empenhou para que seu nome voltasse às telas. Curiosamente, o diretor Stanley Kubrick e o ator Kirk Douglas, protagonistas desse resgate de Trumbo, são os responsáveis pelo melhor filme sobre o conflito, Glória feita de sangue.

Viagem ao fim da noite, de Louis-Ferdinand Céline
O século XX produziu poucos escritores tão complexos, polêmicos e grandes como Louis-Ferdinand Céline. Ler sua obra supõe cair no abismo porque conhecemos seu antissemitismo feroz e sabemos que esteve no grupo dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. A polêmica nunca deixará de acompanhá-lo. Dito isto é Viagem ao fim da noite um dos grandes romances universais? Sem dúvida. Por sua linguagem, por sua estrutura, por sua técnica narrativa, foi uma obra extraordinariamente inovadora, mas se lê também como um livro imprescindível sobre o conflito, um dos maiores gritos contra o absurdo da guerra nunca escrito. Seu protagonista, Ferdinand Bardamu, é um tipo cínico e descrente, um indivíduo que vai em frente sem nenhuma gana de ser um herói, nem de apostar na vida. A Céline é impossível compreendê-lo e também de deixar de lê-lo.

O mundo que eu vi, de Stefan Zweig
Não é uma obra sobre a Primeira Guerra Mundial, mas se trata de um dos livros mais belos já escrito sobre o que significa a Europa e sobre como foi destruída duas vezes em dois cataclismos tão ligados entre si que, em cerda medida, formam um só: em 1914, com o início da Primeira Guerra Mundial, e em 1933, com a chegada de Hitler ao poder, o que acabaria levando o continente à Segunda Guerra Mundial. Stefan Zweig escreve no fim da vida esse livro que é uma autobiografia; o escritor se matou em 1942 acreditando que seu mundo havia desaparecido para sempre e que, como judeu, ia ser perseguido eternamente. Vários capítulos do livro se passam durante o conflito e é emocionante sua descrição sobre o verão de 1914, mas acima de tudo é talvez o livro que melhor descreve o que guerra destruiu, a Europa apagada do mapa (literalmente) pelas trincheiras.

Canhões de agosto, de Barbara Tuchman
Este livro se encontra nesta lista não por sua importância atual mas pela importância que teve quando foi publicado. Sobre as origens do conflito de 1914 se publicaram dois estudos imprescindíveis no mesmo ano de 1962: Sonâmbulos, de Christopher Clark e 1914, de Margaret McMillan, que estudam o mesmo período que Barbara Tuchman: o das decisões políticas e estratégicas que levaram ao estopim da Primeira Guerra Mundial. Sem dúvida, Tuchman alcançou, além do Prêmio Pulitzer no ano seguinte, uma influência que poucos livros de história conseguiram. Durante a crise dos mísseis com Cuba, o presidente John F. Kennedy teve sempre consigo este ensaio e disse que não poderia encontrar-se de repente em meio de uma guerra mundial, arrastado por acontecimentos rápidos e imprevisíveis, sem nem sequer ter clareza como havia começado tudo tal e qual conta Tuchman que ocorreu com os políticos envolvidos na Primeira Guerra Mundial.

A perda do Somme, de Geoff Dyer
Os lugares onde se combateu a Primeira Guerra Mundial, sobretudo a Frente Ocidental, são agora espaços povoados de recordações: monumentos, cemitérios com suas cruzes brancas perfeitamente alinhadas, mas também de bombas que não explodiram e corpos que de vez em quando aparecem; o escritor britânico, autor de ensaios brilhantes como Todo aquele Jazz, os descreve num apaixonante livro de viagens. O livro é uma reflexão sobre o que significou aquele conflito, o que ele inaugurou: a era dos que vão. Os imensos memoriais aos desaparecidos durante a guerra refletem o que ia acontecer no futuro, explicar Dyer, “o século em que milhões de pessoas foram como outras iam para não voltar”, seja pelos êxodos, emigração massiva ou uma violência política não alcançada até então.

A beleza e a dor, de Peter Englund
Em todo acontecimento histórico chega a um momento em que desaparece o último testemunho, em que a vida leva ao último que pode narrar em primeira pessoa o que ocorreu. No caso da Primeira Guerra Mundial, onde combateram cerca de 70 milhões de pessoas, o último soldado a morrer foi Claude Choules, aos 110 anos em maio de 2011, em Perh, Austrália. A última veterana não combatente foi Florence Green, que morreu em fevereiro de 2012. O historiador sueco Peter Englund, secretário permanente da academia que outorga o Prêmio Nobel, recolhe neste impressionante livro 20 testemunhas que relatam 227 momentos diferentes do conflito. Não é o único ensaio importante neste sentido (ainda que o mais o completo): The first day on the Somme, de Martin Middlebrook oferece um comovente relato do pior desastre da história militar britânica através dos que aí estiveram.

* Lista e texto elaborados por Guillermo Altares, jornal El País.


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