No teatro de Arthur Miller, as mulheres em segundo plano
Por Lourdes Ventura
Cena de uma das adaptações de As bruxas de Salém para o teatro. Aqui, em 2003, pelo grupo CCM. |
Em certos dramas
de Arthur Miller as mulheres parecem destinadas a gravitar como satélites ao
redor dos protagonistas masculinos, heróis fracassados que carregam o peso do
mundo. Se a família é o núcleo centro para evocar as pressões sociais sobre os
indivíduos, a figura da esposa-ama da casa contribui para a projeção de uma
sombra, um sujeito em segundo plano.
O professor
Jeffrey Mason considera que nas obras iniciais de Miller os papéis femininos
pertencem a dois estereótipos: o da esposa e o amante. As primeiras são complacentes
e sacrificadas e as segundas tentadoras e sensuais; em ambos casos, com
personalidades passivas, sem individualidade própria e só definidas em relação
com os homens. Martin Gottfried chega a dizer que “as obras de Miller são essencialmente
histórias de homens”, mas um olhar mais atento sobre Linda Loman, a
mulher-esposa em A morte de um caixeiro-viajante
(1949), ou sobre Kate Keller, a mulher-mãe em Todos eram meus filhos (1947), nos levará a compreender que nessas
mulheres apagadas se dão os mesmos dilemas éticos que dominam e colocam em
relevo os homens. Elas se revelarão mais complexas, lúcidas e resistentes; são as
que sobrevivem enquanto eles findam tragados pelas circunstâncias sociais.
No primeiro
ato de As bruxas de Salém (1953), o
autor diz: “A caça às bruxas foi uma manifestação extrema do pânico que se
apoderou de todas as classes sociais quando a balança começou a inclinar-se a
favor de uma maior liberdade individual”. Naturalmente, Miller está fazendo um
paralelo entre Salém de 1692 e as listas negras sonhadas por McCarthy nos anos
1950. Mas, embora a radicalidade religiosa e as vinganças de um povoado sejam o
alimento desta obra, as personagens femininas põem em xeque o puritanismo
coletivo. Impetuosas, sensuais, conscientes das pulsões proibidas, as acusadas
se mostram como mulheres de sexualidade moderna.
Quando
Miller se casou com Marilyn Monroe e escreveu para ela o roteiro de Os desajustados (1961) seu objetivo era
confrontá-la com um trabalho sério de interpretação, mas a Roslyn da trama
findou demasiado parecida com a sensual e vulnerável atriz. A partir de sua
ruptura com Monroe, suas personagens femininas lutaram contra a enfermidade
mental.
A Sylvia de Broken Glass (1994) representará o
horror pela barbárie nazista e a incapacidade da Europa para salvar os judeus,
mas também encarnará as mulheres profundamente devastadas psicologicamente. Em Depois da queda (1964), Miller quis
exorcizar seus anos com Marilyn. A personagem de Maggie é o alter ego da atriz
com sua inocência e sua necessidade de autodestruição. Quem, o protagonista,
evocando as mulheres de sua vida, compreende a impossibilidade de salvar uma
mulher que não quer ser salva.
Pode alguém salvar
outro? Dificilmente na dramaturgia de Miller. Suas mulheres estão na bruma,
entre a prisão e a sobrevivência, mas, com suas contradições, têm muito de
carne e osso.
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