A poesia de Anne Quetzal e o erotismo da política portuguesa

Por Joachim Lucano 



Poemas Americanos, de Anne Quetzal, é um livro escrito no feminino que apresenta textos poéticos que rompem com tudo o que se conhece e pode ser encontrado nas estantes das livrarias portuguesas. Poesia erótica, escrita numa linguagem de extremos, numa altura em que a poesia em Portugal vive de pequenos livros e obscuros poetas com algumas excepções como são os casos, entre outros, de Armando Silva Carvalho, João Rui de Sousa, Manuel Alegre e Yvete Centeno. 

A sociedade portuguesa vive um período de nostalgia no que respeita à arte e aos artistas. Na literatura todos temos saudades de José Saramago que aliava à publicação de belos e extraordinários romances uma intervenção pública sempre muito combatente. Ele não foi no seu tempo o único com um pensamento e uma combatividade fora do comum nos meios intelectuais portugueses de uma época literalmente dominada pelos políticos. 

Veja-se o caso de José Sócrates acusado de ter montado uma quadrilha para ir sacando dinheiro dos actos que praticou enquanto líder político. Ninguém pode afirmar com verdade que José Sócrates é inocente, ou culpado, mas há sintomas da sua doença em actos públicos que praticou já depois de abandonar a vida política que deixa muitas dúvidas sobre a sua bondade. A forma como editou um livro, que apresentou como tese de mestrado, prova que o homem é descendente do macaco. Mais surpreendente ainda que a publicação de um livro que, segundo se vai sabendo, teve a ajuda na sua redacção de grandes figuras da nossa intelectualidade, mais surpreendente foi o número anormal de vendas que, sabe-se agora, deveu-se à compra maciça de milhares de exemplares numa estratégia de enganar o mercado e eleger Sócrates como o autor do momento na lista dos livros mais vendidos. 

Saramago não foi o único intelectual do seu tempo a manifestar-se publicamente e em várias circunstâncias contra os vendilhões do templo, os amigos da onça, mas foi o único a conseguir espaço para que as suas palavras tivessem eco na sociedade portuguesa através dos jornais ditos de referência, assim como das televisões que vendem informação nos noticiários e nos programas de reportagem e comentário como vendem sabonetes nos espaços publicitários. 

Desde que morreu José Saramago que a cultura portuguesa está órfã. À excepção de Eduardo Lourenço que, curiosamente, nasceu um ano depois de José Saramago (1923), e que se mantém vivo e de boa saúde, não há na sociedade portuguesa um escritor e ensaísta/pensador que seja ouvido e respeitado como foi José Saramago. 

Eduardo Lourenço não fala de política que não seja aquela que a literatura permite por razões mais do que óbvias: toda a sua vida foi construída em cima de palavras; António Lobo Antunes, o único escritor vivo com tanta projecção nos media como teve José Saramago, é um ressabiado e um homem dado a grandes acrobacias do pensamento sempre preocupado com o fantasma de uma vida fugaz e transitória. São só dois exemplos mas são dois bons exemplos. Não há duas figuras na sociedade portuguesa que se comparem com estas duas. Com a particularidade de Eduardo Lourenço ter sido, e ainda ser, um dos mais apaixonados críticos da Obra de Saramago. E António Lobo Antunes ter sido, e ainda ser, o critico mais corrosivo daquilo que Saramago tinha de pior, ou melhor, para ele, que era a sua mania do comunismo, das ideias socialistas e da grande felicidade que irradiava ao lado de uma mulher que lhe deu uma segunda vida. Ao contrário de António Lobo Antunes que tem vivido toda a sua vida a recordar a sua primeira mulher. 

O livro de Anne Quetzal, Poemas Americanos, é um mergulho no mundo imperfeito das mulheres sensíveis que não têm mais nada para fazer que não seja escutar/auscultar a sua própria alma produzindo poesia como os alfaiates cortam o pano e pregam botões. A falta de bondade destas últimas palavras não impede que reconheçamos em Poemas Americanos uma literatura de combate, engajada, vigorosamente empenhada em advogar a causa das mulheres num mundo dominado pelos homens que, como José Sócrates, o político português, acham tão natural tirar proveito dos seus conhecimentos e das oportunidades da vida, ainda que seja contra tudo o que está legalmente instituído, como Coubert achou os pincéis e as tintas para pintar os melhores quadros de nus da pintura de todos os tempos. 

Poemas Americanos é um conjunto de textos que vai contra a corrente de tudo o que nos últimos anos se tem publicado em Portugal. Anne Quetzal inaugura com este livro uma pequena revolução na poesia portuguesa (de verdade não há uma poesia portuguesa como não há uma francesa ou americana; toda a escrita é uma linguagem universal). Não há teresas hortas mais ou menos domesticadas pelo tempo, e pelas colunas sociais em que se transformaram todos os jornais que dedicam espaço à literatura, que se salvem no meio deste livro a roçar a linguagem pornográfica, socialmente comprometido, politicamente provocador, em suma, de uma grande força poética.

Acredito muito convictamente que muitos destes poemas são autobiográficos; Já não estamos no século XIX em que a grande maioria dos escritores eram aristocratas. Por isso tem sentido nesta evolução natural própria dos novos tempos, da internet às descobertas científicas tão importantes para a longevidade dos homens, concluir que Anne Quetzal é uma poeta da cidadania, uma mulher que sujou as mãos a trabalhar, embora conheça a experiência de viver entre os jardins, o piano e a mesa de chá. Para Anne Quetzal, como para Virginia Woolf ou Marguerite Yourcenar, ler e escrever são uma só coisa. É sendo leitor que uma pessoa se torna escritor. 

É mais do que certo que os poemas eróticos e políticos de Anne Quetzal vão fazer história na poesia portuguesa. Como aliás vai ficar na história a saga de José Sócrates, o político português que governou o país em vários governos e influenciou jornalistas de opinião como Fernanda Câncio que, ainda recentemente, foi capa de revista e autora de um texto de nove páginas para dizer ao mundo que dormiu com o ex-primeiro-ministro de Portugal mas nunca viu, nem percebeu, que ele tinha os bolsos cheios de euros. 


Professor de literatura. Pintor. Praticante profissional de ténis de mesa. É filho de emigrantes. Vive entre França e Portugal.

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