O primeiro amor de Jack Kerouac
A primeira
vez que a viu, em pé, entre a multidão, ao escritor, então pouco mais que um
adolescente que gostava de copiar a pose dos grandes lobos do mar dos filmes de
Charles Bickford, lhe pareceu “sozinha, insatisfeita, fechada,
desagradavelmente diferente”. Meio relutante, os amigos aproximaram os dois e
fizeram com que desfilassem pelo salão do baile. Quando voltam, Jacky, Jacky
Dulouz, que é, em outras situações, Zagg, Zaggy Dulouz, já estava
perdidamente apaixonado pela garota. Ela é Maggie Cassidy, “doce, morena,
suculenta como um pêssego – estranha para os sentidos como um grande sonho
triste”. Ela tem 17 anos, ele, 16. Ela é um pouco neurótica, mesquinha,
demasiadamente cuidadosa; ele é, ainda, “um bobo”, o rapaz das redações e da
equipe de atletismo, o nerd que só havia dançado uma vez com uma garota. Ela é
Mary Carney, ele é Jack Kerouac. O ano é 1939. Faltam cerca de duas décadas
para que se publique On the road e
ele ocupe o centro do terremoto Beat.
Escrita em
1953, mas só publicada pela primeira vez em 1959, Maggie Cassidy é uma história de amor adolescente, a história que
viveram o futuro escritor e a garota esquiva e dolorosamente possessiva que jamais
acreditou que não tinha ninguém com quem competir, que seguiu pensando que
Pauline, a única garota com quem Jack havia dançado antes, era, na verdade, o
verdadeiro amor do por enquanto fanfarrão franco-canadense, e que seguiu pensando nisso inclusive anos mais tarde. Quando publicou o romance, Mary o leu “centenas
de vezes”. Lia, escreveu, quando se deprimia, porque “me permita recordar a
maravilhosa história de amor que compartilhamos”. Embora já não tivessem mais
contato, ela comprava cada romance de Kerouac, escondida de seu marido, como
se o mero fato de comprá-los fosse uma espécie de traição; e na verdade, era,
porque ela seguia competindo com aquela tal Pauline.
Mary Carney, o primeiro amor de Jack Kerouac |
“Sei que era
coisa de seus editores ter de mudar os nomes mas nunca entendi porque não
colocou os que colocou. Isto é, Maggie é diminutivo de Margaret, e Margaret era
o verdadeiro nome de Pauline. Por que fez? Se estivesse vivo lhe daria um boa
porrada”, confessou Mary numa carta aberta ao escritor. E se há conflito com o
nome, também há com o sobrenome. Cassidy era o sobrenome real de Dean Moriarty
de On the road, o tipo pelo qual, se
disse em diversas ocasiões, Jack se
apaixonou perdidamente, seja porque viu nele o irmão que nunca teve e porque nele havia tudo
o que ele mesmo queria ter sido se não tivesse se limitado a contemplar figuras
como Dean; sim, porque depois de tudo, Jack foi contemplativo, relatou o
que os demais fizeram porque elegeu sentar-se na parte traseira do carro e
deixar que fosse outro quem pisava no acelerador.
Dean
Moriarty, Neal Cassady, foi o que escritor teve de mais parecido com uma musa,
por isso a eleição do sobrenome de seu primeiro amor na ficção pouco ou nada
tem de casual, embora isso jamais tenha minimamente preocupado Mary Carney. Sua
única preocupação foi sempre Pauline. E quem foi Pauline? Pauline foi alguém que desapareceu,
sem deixar pistas. Depois de Mary, chegou o amor adulto e terrível, a Mardou de Os subterrâneos, romance que, nesse
sentido, funciona quase como um espelho, sujo e em parte palpitante mas também sempre
a ponto de romper-se em mil pedaços do idílico desse primeiro amor, que, como
antecipa na arrebatadoramente poética prosa, que têm algo da luminosa
sobriedade dos haicais de Bashô, não pode ser outra coisa que “amargo”. “Maggie
e Jack”, escreve, “no triste salão do baile da vida, já cansados, pelos cantos, jogando a
toalha, ombros distantes, cenhos franzidos, mentes prevenidas – o amor é amargo, a morte é doce.
A história
deve somar-se ao esplendor adolescente, ao grupo de amigos lançando bolas de
neve no frio inverno de Lowell, bêbados, jogando beisebol, deambulando pelas
ruas, nos dias antes a sua entrada na universidade, assistindo ao seu primeiro
baile, contemplando, ante tudo, “seu primeiro e último futuro”.
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