João Chiodini: "A hora de escrever é quando a perturbação ultrapassa as barreiras do próprio corpo"
João
Chiodini nasceu em Jaraguá do Sul, SC, em 1981. Trabalha com projetos ligados
ao livro, leitura e literatura desde 2005. É cronista e
autor de livros infantis e biografias. Os abraços perdidos (Editora da Casa,
2015) é seu primeiro romance e já recebeu várias impressões positivas de grandes
escritores nacionais como Paulo Scott e Elvira Vigna. O livro também foi incluído na lista de
Melhores do Ano de 2015 do Suplemento
Pernambuco.
A notícia de
uma gravidez inesperada da namorada de Pedro desencadeia no jovem publicitário
um processo revisitação ao seu passado, relembrando inúmeros momentos ruins e
traumáticos que viveu com seu pai, um caminhoneiro alcoólatra. Ele vai contar
como foi crescer lutando por um amor que nunca recebeu, cheio de mágoas e
rancor e tenta, através dessa história, convencer a namorada de que essa
gravidez não é, de forma alguma, algo aceitável em sua vida. Assim se constrói a narrativa de Os abraços perdidos. Nesta entrevista realizada pela Agência Literária SC para o Letras in.verso e re.verso, o leitor tem melhor contato sobre o trabalho criativo do jovem escritor que construiu num tom
seco, simples e direto, 120 páginas da relação
ambígua de Pedro e Antônio Carlos.
***
ALSC: Os abraços perdidos é seu primeiro romance, mas não é seu
primeiro livro. Pode descrever rapidamente sua trajetória literária?
João
Chiodini: Comecei a publicar livros em 2005, experimentando contos, poesias e
infantis. Alguns anos depois, percebi que minha produção de textos curtos tinha
uma boa inclinação para a crônica. Em 2007 comecei a ser cronista em algumas
revistas mensais e, em 2012, passei a escrever crônicas semanais num jornal da
minha cidade. A crônica é um hábito que, pelo jeito, vai caminhar comigo
sempre. É a minha dose de humor.
Em 2009
recebi meu primeiro contrato como escritor, para escrever uma biografia e, a
partir daí, fui possibilitado a viver em meio aos livros e a escrita. Seja
escrevendo ou editando ou mediando. Hoje sou sócio e editor numa pequena
editora e promotora de eventos literários em Santa Catarina. Trabalho ao lado
do Carlos Schroeder, meu sócio que me ensinou muita coisa sobre literatura. E
eu sempre nutri a ideia de escrever romances, porém, tive o cuidado e
consciência de que só o faria quando tivesse o mínimo de maturidade e preparo
para fazer uma narrativa que eu considerasse relevante. Arrisquei em outros livros
não publicados. Fui fazendo amizade com a narrativa longa, aprendendo o que,
literalmente, não está nos livros. Escolher elementos, temas que se sustentam,
formas de contar a história.
O que levou
você a escrever?
Não sei ao
certo. Parece uma perturbação misturada com provocação. É como exercitar a
loucura. Não consigo identificar ou explicar quando isso começou, acho até que
foi um ato involuntário. Quando percebi, estava escrevendo alguma coisa. E esse
ato parece me ser indissolúvel. Necessário, sem uma explicação e com
perturbação. Nunca é assim: “Estou feliz, acho que vou escrever alguma coisa.”
Não. É, justamente, o contrário. A hora de escrever é quando a perturbação
ultrapassa as barreiras do próprio corpo. Corrói.
Creio que
muitos dos escritores de literatura são pessoas que, de fato, não se encaixam
no mundo. São uma falha na Matrix, são refugo dos padrões. Círculo que tentam
ser encaixados em quadrados. E escrever é revidar. Mais, é provocar, é
bombardear os limites dos quadrados. É esfregar, na cara do leitor, verdades
ignoradas. Fazê-lo infeliz obrigando-o a olhar para fora.
A escritora Elvira
Vigna, que classificou Os abraços perdidos entre os melhores do ano de 2015, escreveu
no Suplemento Pernambuco: “O texto em
linguagem muito simples tem seu impacto aumentado justamente por ter a
linguagem simples.” Você pode falar um pouco mais sobre isso?
Enquanto
escritor tenho uma neurose, uma inquietação: Conseguir chegar o mais fundo
possível com um texto simples. Tentar provocar reações complexas num leitor em
contraponto a uma linguagem, aparentemente, crua. No caso de Os abraços perdidos, acho que o
uso da linguagem nesse sentido gera um efeito de sinceridade do narrador. Soa
como um momento de entrega. É como se ele chegasse num ponto da vida que não
importam as convenções, ele só quer colocar aquilo pra fora e tentar se
libertar de um fantasma. Pedro, o protagonista, está tirando o curativo de uma
vez, seco, direto.
Quais são
suas influências?
Uma vez,
conversando com Cristovão Tezza, ouvi-o dizer uma frase que me fez todo sentido
do mundo: “O escritor tem que saber o seu lugar na fila da História da
Literatura.” Ou seja, temos que ler e aprender com tudo de relevante de todas
as épocas, mas nossa maior influência tem que ser contemporânea. Lógico,
algumas vezes, influência também é involuntária, mas eu tento deixar-me
influenciar por escritores como a própria Elvira Vigna, Marcelino Freire,
escritores latinos, como César Aira, Zambra, entre outros, que são pessoas do
nosso tempo, mas que trazem uma bagagem significativa e rica para a literatura
nos tempos de hoje. E, claro, tem verdade, sinceridade, muita sinceridade nos
textos deles. A ficção, muitas vezes, tem mais verdade que a própria realidade.
O livro está dedicado a seu pai. Qual é a dose de autobiografia em Os abraços perdidos?
O livro é
dividido em dois narradores. Um em primeira e outro em terceira pessoa. Posso
dizer que talvez 70% da narrativa em primeira é autobiográfica. Porém, o livro
é uma autoficção, e a proposta do gênero é misturar-se, fundir e confundir e
criar uma nova história. É isso que o livro faz. Usa elementos reais (alguns
dolorosos) e traça outro caminho para essas pessoas.
O livro
está escrito alternativamente na primeira e terceira pessoa? Por que essa
escolha? Chegou a pensar em escrever o livro inteiro, seja na primeira, seja na
terceira?
Sim, tentei
fazê-lo todo em primeira (e em terceira também), mas isso prejudicava a
narrativa na sua forma direta de ser. Na simplicidade e clareza que ela se
impõe ao leitor. Também tentei separar a história em primeira parte e segunda
parte. Da mesma maneira a história perdia sua força. Toda história tem sua
forma de ser contada. Cabe ao escritor descobrir que forma é essa.
Na
epígrafe, você ressalta que seu pai não chegou a “ver a prova da capa”. Ele leu
o manuscrito? O que achou? Se não leu, o que teria achado, segundo você?
Antes de
escrevê-lo, contei a ideia para ele. Quase que para ver a reação dele. Ele
aceitou, ainda brincou que poderia dar consultoria por um precinho camarada. E,
a epígrafe não é poética, é factual. Quando a capista mandou a arte, meu pai já
estava doente e faleceu alguns dias depois. Ele não chegou a ler o livro. Se
ele tivesse lido, acho que iria dar risadas de algumas partes e choraríamos
juntos de outras. Como fizemos várias vezes.
A escrita lhe
ajudou a lidar com seu passado? Seria uma das funções da literatura, segundo
você?
Acho que meu
passado se esvaneceria na conta dos dias. Provavelmente, eu iria criar uma
versão mais conveniente para mim mesmo, talvez mais feliz, talvez mais triste.
Acho que esse livro me ajudará a nunca esquecer a verdade, mesmo que ela seja
diferente do que está narrado em alguns pontos. Nessas, eu sempre lembrarei que
sou um bom mentiroso.
Sobre a
função da literatura, como eu disse, eu não sei qual a minha, ela é
involuntária, sou impregnado por ela. O legal da literatura é ter funções
subjetivas. Cada um terá a sua. É por isso que ela espanta, incomoda. Ela
funciona de forma única para cada um.
Pode falar
dos seus novos projetos?
Meu novo
projeto ainda não tem título. Mas alguns elementos estão bem claros. As
personagens serão duas mulheres: Uma adulta e uma criança. Terá um único homem,
que é quase uma personagem ausente. É quase o contrário de Os abraços perdidos
na escolha delas. Não é proposital. É, sim, a forma ideal para essa história (é
o que me parece). É o diálogo de duas vítimas de escravidão. A narradora, a
mulher adulta, é uma senhora simples do interior do Paraná, o que dará ao livro
uma forma narrativa simplória, porém, não tão direta quanto o discurso de Pedro
no Os abraços perdidos. É o que consigo dizer sobre isso, no momento. Tem muita
linha a ser deletada e reescrita até o formato final ainda.
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