Doze mais duas histórias de amor
Muito cedo,
com alguém da rua ou da escola, você já terá olhado para alguém com um carinho
bobo capaz de despertar no pensamento e no corpo os desejos sobre os quais você
pode chamar de paixão sem que saiba o que isso significa. Aliás, mais tarde irá
descobrir que nunca saberá o que significa quando esses tais desejos, de novo,
lhe atacar; não importa quão tarde seja ainda assim você continuará chamando
isso de paixão. Também usará de uma variante: o amor. E não tardará encontrar
definições de que este e aquela não são a mesma coisa. Há mais intensidade num,
há mais dedicação no outro. Alguém dirá que são, tudo, bobagens. E mesmo sendo
bobagens, engraçado, não conseguirá se desviar nem de uma e nem do outro.
Porque se paixão e amor são convenções culturais, são também produtos de uma necessidade
biológica da espécie humana.
E é
justamente por essa universalidade que terá levado ser os dois temas mais
recorrentes na literatura. Em alguma circunstância da história tornou-se um
modo de vida, uma expressão obsessiva que inundou como regatinhos toda a existência.
As produções literárias de então foram encharcadas sobre todas as
possibilidades e sobretudos as impossibilidades da satisfação amorosa. Amor e
paixão tornados finalidade do existir, sinônimo para a felicidade e o drama.
Mas tarde
caiu em descrédito, virou nalguns casos cafonice ou exagero gratuito. Pregou-se
a necessidade da razão, do domínio dos sentidos, o controle do corpo. Ainda
atravessamos esse instante de desacreditar nas forças que ferozmente tragaram
os espíritos de nossos antepassados. Agora, cada vez mais compreendemos sobre a
impossibilidade de docilizar algo que, quando vem, faz qualquer um seu súcubo.
E, pode ser cafona como for, exagerado, ridículo (para lembrar das cartas de
amor de Fernando Pessoa), mas esse sopro misto entre força biológica e
convenção cultural, nunca saiu de moda.
É preferível
então compreender que todos, uns mais outros menos, têm sua pitada ajeitada ou
desajeitada de romantismo porque é da natureza humana o estar entre o sentido
trágico e melancólico da existência. Esse estado é causado seja pelo
deslumbramento com a possibilidade de uma vida visceral – como se mostra quando
estamos apaixonados – à compreensão de que a vida é só um grande mar de
problemas e complicações; este último se mostra na perda, no luto. Isto é,
somos dotados de vagas de sensibilidades e elas são, num e caso e noutro, uma
nova prova de que não há sujeito desprovido daquelas doses que num tempo foram
cavalares para todos nós porque ultrapassou a ordem do limite individual.
Claro, ainda
há os exagerados. E talvez esses ainda sejam os melhores. Os que carregam a
vida como uma montanha-russa da qual nunca conseguem descer. É o autêntico
romântico aquele que se sente presa de um caçador invisível e onipresente que a
qualquer momento poderá servir com uma ponte para o abismo. Sabedores de que
sua vida corre sempre por um fio, são figuras que sentem uma urgência pelo
enaltecimento de suas paixões a todo custo; são os de viver intenso.
Ninguém nega
que este estado constante esteja de certa maneira viva nos seres humanos mais sensíveis,
reflexivos, sentimentais. Atingidos pelos sopros da razão, estes têm buscado
negar os mundos idealizados, aqueles onde tudo está em ordem e é harmonioso.
Sofrer ainda é a maneira mais significativa de experimentar a vida. Só tem vida
o que lhe marca, mas estamos, cada vez mais convencidos de que, como um
carrossel, não há esse lugar da extrema linearidade. Ou, para repetir o senso corriqueiro,
não há felicidade, o que há são os momentos felizes.
Mas, o
romântico é negativista por excelência e na atual conjuntura é quem ainda pode
não sucumbir no primeiro empecilho. Ao ser negativista, a catástrofe é, se não
o que mais lhe agrada, porque não é isso que almeja, é o que tem melhor certeza
de que acontecerá e sempre todo fim é um pouco ou tudo catástrofe. Logo, não é só
um fato de ser tomado por tendências pessimistas ou niilistas; ao contrário,
ele sabe muito bem que vida é preciso ser enfrentada com um golpe sangrento, se
necessário. Ou seja, têm mais determinação sobre o que buscam.
Foi pensando
nisso que buscamos construir a lista de leituras que, no seu conjunto, poderá
possibilitar o leitor uma demonstração sobre a complexidade como se assume esse
tema pela visão dos romancistas – olhe, antes para este termo, para lembrar que
o auge da cultura romântica foi sustentado pelo romance. É evidente que seus
traços, sobretudo os da história de amor, remontam a antiguidade clássica, a de
quando Penélope tecia e destecia seu enxoval de noiva enquanto esperava o
retorno de Ulisses. Mas, no romantismo, foram tantas as intrigas de amor que,
ainda hoje quando ouvimos a palavra, logo lembraremos que é necessariamente
sinônima de uma história amorosa – o que já sabemos não ser verdade. Mas são de
histórias de amor o tema para essa lista. Como todas as outras sobre quais
trabalhamos não é isto um ranking e tampouco é algo exaurido pelo conjunto aqui
apresentado; grande parte das observações sobre as obras são compilações das
sinopses fornecidas pelas editoras que as publicaram.
- Os sofrimentos do jovem Werther, de
Goethe
Há um antes
e um depois dessa obra de 1774. E qualquer lista do gênero que negue sua
presença cometerá uma injustiça. Este não é, simplesmente, um romance em
cartas assim como Nova Heloísa, de
Rousseau ou Pamela de
Richardson; é sim uma das mais célebres obras de Goethe. É o romance de uma
alma, uma história interior. Dilacerante, arrebatada é a história, narrada em
terceira pessoa a partir das cartas do jovem ao narrador, de uma paixão
literalmente devastadora.
- Primeiro amor, de Ivan Turguêniev
O primeiro
amor, esse sentimento avassalador e intoxicante, que paralisa e faz sofrer, se
desdobra, numa mesma história, em infinitas possibilidades. Em um passeio por
sua casa de veraneio nos arredores de Moscou, o garoto Vladímir Petróvitch,
filho único de uma família tradicional, vê uma moça exuberante brincando nos
fundos da propriedade. Trata-se de Zinaida, filha de sua vizinha, por quem se
apaixonará de forma avassaladora. À medida que eles se aproximam, fica
claro quem está no controle da situação. Disposto a tudo para ser
correspondido, Vladímir terá de aprender rapidamente o intrincado jogo da
sedução, em que as regras são tão aleatórias quanto obscuras.
- Cartas portuguesas, de Mariana
Alcoforado
Conhecidas desde o século XVII, esses textos são um dos exemplos mais
ardentes de amor desesperado da literatura internacional. Escritas pela freira
Mariana Alcoforado, as peças tornaram-se célebres através dos tempos, tendo
sido objeto de apaixonante polêmica e de comentários de autores como Stendhal,
Rousseau, Rilke. O destinatário destas cartas teria sido o oficial francês em
serviço em Portugal, Sr. Cavalheiro De Chamilly, que, segundo Saint-Simon, era
um homem de posses e estabelecido em Paris com mulher e filhos. A solidão a
ansiedade e a entrega sem exigências, total e absoluta, justificam e consagram
o amor de Mariana como um símbolo do amor total.
- Noites brancas, de Fiódor Dostoiévski
- Noites brancas, de Fiódor Dostoiévski
A obra
pertence à primeira fase da obra do escritor russo a qual ficou marcada pelo
espírito do romantismo. A novela conta a história de um jovem solteiro que
acredita poder levar a vida dessa maneira para sempre; um dia desses em que o
acaso lhe toma, se vê enfeitiçado pela beleza de mulher e toda sua visão é
modificada por um futuro em que a companhia entre os dois seja desfrutada.
- Anna Kariênina, de Liev Tolstói
Apreciado
por importantes figuras da literatura como Vladimir Nabokov, William Faulkner e
pelo próprio Tolstói com o melhor da sua obra, o romance, estruturado em
paralelismos, se mostra com um panorama dialético da Rússia de seu tempo. As
duas principais personagens, Liévin, um rico proprietário de terra, e Anna, uma
aristocrata casada, só se encontram uma única vez em toda narrativa, mas nem
por isso estão menos ligados, uma vez que a situação de um permanece
constantemente referida no vivido pelo outro.
- O amor de Mítia, de Ivan Búnin
Novela publicada em 1925 cuja narrativa penetra no drama da consciência de um rapaz que descobre, em toda a sua dolorosa intensidade, a força do desejo e do sentimento amoroso. Rainer Maria Rilke, Thomas Mann, Vladimir Nabokov e André Gide são alguns dos nomes que declararam em algum momento predileção pela obra.
- O amor de Mítia, de Ivan Búnin
Novela publicada em 1925 cuja narrativa penetra no drama da consciência de um rapaz que descobre, em toda a sua dolorosa intensidade, a força do desejo e do sentimento amoroso. Rainer Maria Rilke, Thomas Mann, Vladimir Nabokov e André Gide são alguns dos nomes que declararam em algum momento predileção pela obra.
- Madame Bovary, de Gustave Flaubert
Este é uma
peça indispensável para essa minibiblioteca de histórias de amor por diversas razões: é uma obra que influenciou
a muitos outros romancistas – mais claramente, o leitor logo lembrará de O primo Basílio, de Eça Queirós, que bem
poderia estar nessa mesma lista, mas não dispõe do mesmo protagonismo do
romance francês; depois por é símbolo de uma virada na produção literária do
gênero. Flaubert critica abertamente a repetição do romance com as histórias de
amor sentimental – como quando coloca sua protagonista movida das ideias pela
leitura contínua de folhetins – e abre o romance dessa natureza à preocupação
alimentada por outros franceses, a de fazer a obra literária um artefato
reflexivo sobre as relações do indivíduo com a história e a sociedade, nesse
caso específico, a mulher complexa e insatisfeita com o casamento.
- O amante de Lady Chartterly, de D. H.
Lawrence
Estopim para
toda sorte de censura desde quando foi publicado, este é a obra mais conhecida
de Lawrence; foi uma de suas últimas publicações. Poucos meses depois de seu
casamento, Constance Chartterly, uma garota criada numa família burguesa e
liberal, vê seu companheiro partir rumo à guerra. O homem que ela recebe de
volta está paralítico da cintura para baixo. É quando o casal se recolhe para
uma propriedade rural da família de Constance. O isolamento dos dois é uma prova
que, ao invés de aguçar algum sentido na relação, mais se cria um
distanciamento entre os dois. É quando Chartterly conhece o guarda-caças Oliver
Mellors, um ex-soldado que resolveu também isolar-se do mundo depois de uma
sucessão de fracassos amorosos e os dois desenvolveram uma intensa relação afetiva
capaz de sacudir a medíocre existência de um e outro.
- Maurice, de E. M. Foster
Escrito
muito antes de obras como a de D. H. Lawrence, a obra só chegou a ser publicada
no início dos anos 1970, depois da morte do seu autor. Tornou-se pelo tema
provocador – a relação de dois homens, um tomado pelas conveniências da sociedade
a qual pertence e outro tragado pelas correntezas do amor carnal – uma das
obras mais quistas de Foster. Entre as marcas do romantismo e miríade das
relações mais coerentes com o fora da ficção, Maurice e Clive são duas faces de
como o amor pode se apresentar, ora como um sentimento capaz do ser sufragado
pelo império da razão, ora como algo que merece ser experimentado em sua mais
profunda existência.
- O grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald
A combinação
da crítica social e uma história de amor rendeu ao escritor estadunidense um
dos romances mais quistos daqueles da safra dos grandes anos 1920. A obra foi
escrita quando Fitzgerald estava em Paris; o romancista usou da sua própria
experiência para uma ferrenha crítica ao consumismo exacerbado do apogeu do
capitalismo e sobre o sonho americano. Nick Carraway, o narrador, se desdobra
ainda para compreender a complexa relação amorosa entre a personagem título da
obra e Dayse – a figura pela qual melhor entrevê a ideia das relações de
conveniências na sociedade capitalista e a prevalência da futilidade.
- Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf
Situada na
alta sociedade inglesa de 1923, este é um drama romântico dotado da profunda
penetração psicológica característica da obra da escritora inglesa. Num dia do
mês de junho, Clarissa Dalloway necessita organizar uma festa; nesse ínterim,
um reencontro levará a protagonista repensar sobras uma série de decisões que
tomou no passado e que tem como resultado uma alteração do seu presente e do
futuro.
- Isabelle, de André Gide
Como é de
esperar de um escritor tão excêntrico como o autor de Os moedeiros falsos, o romance aqui é, podemos assim dizer, um
castelo de ruinas; um nobre demente, um velho professor preso em mundos
imaginários, um homem tonto e um preceptor eclesiástico compõem a história de
um amor idealizado que sucumbe ante ao confronto com a realidade.
- Grande sertão: veredas
Uma das
obras de primeira grandeza da literatura de língua portuguesa, a história ou as
histórias que enformam a vida de Riobaldo são também povoadas pela presença da
relação misteriosa (mais enigmática e tão bem construída como aquela
protagonizada por outro casal da literatura brasileira, Capitu e Bentinho, de Dom Casmurro, de Machado de Assis); a
relação entre o jagunço e Diadorim, com quem ele estabelece uma relação de
amizade diferenciada, pela atração afetiva que se desenvolve entre os dois.
- Memorial do convento, de José Saramago
Era uma vez
um soldado maneta e uma mulher que tinha poderes. Ele é Baltasar e ela,
Blimunda. Através dos dois – um amor despossuído de quaisquer conveniências e
marcado pelo companheirismo, a liberdade dos corpos, a sinceridade e a
confiança – o escritor português construiu sua crítica, novamente, ao amor de
conveniência e aos abusos impetrados pelo poder. O par saramaguiano é o que
ganha maior destaque numa obra cuja ideia sugerida – e leitor verá que
não-determinada – é de ser uma história sobre a construção do grande convento
de Mafra.
Comentários