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Mostrando postagens de maio, 2016

Os Buddenbrook, de Thomas Mann

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Por Luiz Fernando Moreno Thomas Mann terminou Os Buddenbrook , seu primeiro romance de grande extensão, na primavera do ano de 1900, “depois de dois anos de trabalho frequentemente interrompido”, segundo relembra em sua breve autobiografia. Apenas quatro anos antes havia decidido abraçar o ofício de escritor. O êxito obtido por um completo conto, “A queda” (1894), o animou a escrever essa obra. Era um estudante desinteressado e a generosa mesada mensal obtida da venda dos negócios da família depois da morte de seu pai lhe permitia viver como boêmio, às vezes em Munique e, outras, na Itália. Depois de outra narrativa de sucesso, “A vontade de ser feliz”, apareceu essa pequena joia que é “O pequeno senhor Friedemann”, um conto de maior extensão que, dos seus precedentes, foi aceito pela prestigiada revista cultural Neu Deutsche Rundschau , da casa editorial Fischer. Foi da raiz desta pequena obra que o atento Samuel Fischer, advertindo o talento do jovem literato, o animou q

Linguagem do eterno – aproximações ao ritmo do Livro do Desassossego

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Por Lucas Miyazaki Brancucci Estar na tensão entre os corpos, “intervalar”, habitar interstícios, “espaço entre mim e mim”, “sentir tudo de todas as maneiras” desdobrando-se a múltiplas conexões com o mundo, constituem movimentos primordiais no Livro do Desassossego , de Fernando Pessoa (utilizamos neste texto a edição organizada por Richard Zenith. São Paulo: Companhia das Letras, 2011). Sob a condição de um “sonhar sempre”, fluxo de escrita, esses movimentos giram em torno da própria língua, seu fim, articulados pelo ritmo da voz de Bernardo Soares – heterônimo (ou semi-heterônimo, ou semi-ortônimo) de Fernando Pessoa – evocada para compor essa escrita “interminável”. No Livro do Desassossego , escrever é um ato (e pacto) para habitar o mundo e constantemente modificá-lo, levar ao extremo a “sede de ser completo”, o corpo em circuito com o externo; é criar o espaço possível para esse “lugar ativo de sensações, a minha alma” (do fragmento [fr.] 219) – a “minha voz”,

Boletim Letras 360º #168

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Manoel de Barros cairá no samba em 2017. Saiba mais sobre ao longo deste boletim.  Há uma pergunta no ar, enquanto preparamos esta edição do Boletim Letras 360º: será que alcançaremos, sem querer querendo, a marca dos trinta mil amigos em nossa página no Facebook? Será? Se sim, a gente já divulgará a promoção especial que maquinamos desde o sorteio de um exemplar dos Todos os contos , da Clarice Lispector. Será coisa fina; garantimos! Enquanto sonhamos com isso, vamos ler as notícias que circularam em mais uma semana de ativa presença nesta rede social do blog. Segunda-feira, 23/05 >>> Brasil: A obra do poeta Manoel de Barros, cujo centenário de nascimento será comemorado em dezembro deste ano, será tema do desfile do Império Serrano em 2017 O enredo, intitulado “Meu quintal é maior que o mundo”, vai abordar a literatura pantaneira do escritor mato-grossense, que morreu em 2014. O carnavalesco Marcus Ferreira, estreante na escola da Serrinha, será responsá

Samuel Beckett e o fracasso grandioso no cinema

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Em primeiro plano: Samauel Beckett e Buster Keaton no set Film . O escritor irlandês sabia esgotar seus atores para deixar passar para a tela apenas o talento. Em Film , o rosto famoso de Keaton pouco aparece, já que o roteiro sugere um perseguido por uma câmera, o que obriga o ator a posicionar-se quase sempre de costas na tela.  Muito já se disse sobre a relação de Samuel Beckett com o cinema. Mas poucos contaram com o extraordinário material do qual dispõe o cineasta estadunidense e restaurador de filmes experimentais e independentes Ross Lipman, autor do ensaio fílmico Notfilm , que recorda Film , o único trabalho do gênero do Prêmio Nobel de Literatura irlandês e um trabalho que, apesar de sua atual altura lendária, o escritor viu como se um fiasco. Notfilm não só reúne testemunhos de amigos e personagens que estiveram ligados diretamente à aventura de Beckett na Nova York dos anos de 1960; também reconstrói uma sequência inicial que foi descartada por ele, além de r

Big eyes, de Tim Burton - entre a bílis e o lugar emancipado da mulher

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Por Alexandre Alves Para um antigo pensador grego, existem diferentes tipos de temperamentos que conduzem a vida dos humanos. Há as pessoas sanguíneas, classificadas como instáveis e que costumam mudar de comportamento com frequência e, por outro lado estão os seres com temperamento melancólico, quem se identificam pela tristeza e reflexão. As pessoas que têm um caráter fleumático estão sempre inseguras e trazem consigo um medo recorrente; são, assim, as que mais sofrem devido sua condição ser a mais frágil ante um mundo carregado de forças arbitrárias e racionais. Neste silêncio obrigado se encontram as almas que têm de sofrer uma série de adversidades antes de descobrir seu valor e lugar no mundo ao ponto de enfrentar aquilo que pouco a pouco lhe mata. Será que as pessoas com melhor coração são as que têm de sacrificar-se pelas demais, despojando-se da própria felicidade? É uma pergunta cara para respostas. Como um coração cheio de lágrimas e insegurança, a pintora

Os primeiros contos de Truman Capote

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Por Rafael Narbona Sócrates atribuía sua sabedoria a um daimon ou divindade menor, que lhe inspirava em suas indagações e disputas dialéticas. Truman Capote também afirmava que um “demônio interior” lhe possuía desde criança, instigando-lhe a escrever. Filho de uma mãe alcoólatra e instável, nunca conheceu o sossego de um lar fixo. Sua infância e primeira adolescência se caracterizaram por uma existência nômade e traumática, semelhante a de Perry Smith, um dos assassinos de A sangue frio . Baixinho, espevitado e frágil – a escrita o salvou da loucura que devastou a mente de sua mãe, mas não do álcool e das drogas. Familiarizado com o sofrimento desde criança, sempre se identificou com as personagens marginais: negros, pobres, desempregados, velhos, doentes. Sua empatia com seus pares se acentuou ainda mais quando tomou consciência sobre a homossexualidade, algo inaceitável no interior do Sul estadunidense, fortemente marcado pelo puritanismo e o racismo. Capote decl

Pär Lagerkvist

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Nem todos os escritores escrevem pelas mesmas causas, nem por idênticas razões; para alguns, escrever significa uma via de escape ante tanta asfixia e tanto excesso de realidade. Como disse o especialista da desesperança, Émile M. Cioran: “coloco-me as correntes da ilusão porque tanto excesso de realidade me dá náusea”. As obras de Pär Lagerkvist são, nesse sentido, um verdadeiro enigma, uma insondável esperança sobre a arte de dizer o indizível, um trânsito necessário entre a vivência (o real) e a ficção. Escrever, para ele, é uma prática que comporta, de certa maneira, um ritual cerimoniático parecido em muitos casos com o ato sagrado; escrever tem certo parentesco com uma liturgia particular onde o factível do mundo circundante ou a objetividade empírica do dado, é submetida à permanente catarse. Por essa razão, o escritor Prêmio Nobel de Literatura, é considerado um daqueles autores altamente originais; sua obra mostra um interesse pela realidade social e política e,