Oscar Wilde, poeta
Por Jésus Munarriz
O irlandês Oscar
Wilde começou e terminou sua carreira literária como poeta. Se primeiro livro,
com o sensível título de Poemas, foi publicado
em 1881 quando tinha só vinte e sete anos, e o último, Balada do Cárcere de Reading, em 1898, dois anos antes de sua
morte. Entre ambos, está o restante de sua obra: um romance, novelas, peças de
teatro, os primeiros tateios e fracassos, o fulgurante deslumbramento do
triunfo, o demolidor processo, a prisão, o exílio. Uma carreira meteórica cujo
zênite dura apenas cinco anos, os que vão da publicação de O retrato de Dorian Gray, em 1891, à A importância de ser Ernesto (ou “de ser sério”: The importance of being Ernest) em 1895,
que é também o ano de seu processo. Nesses cinco anos, Wilde teve tudo e perdeu
tudo. E a poesia, sua primeira vocação,
foi a que lhe permitiu expressar e condensar no fim de tudo as terríveis experiências
pelas quais passou na sua queda.
Depois de apresentar
algumas composições em revistas, a antologia de seus Poemas nos revela um poeta maduro, que leva mais de uma década no
exercício de escrita e revisão de seu trabalho. Herdou o gosto pela poesia a
partir de sua mãe, também poeta, que utilizava o pseudônimo de Speranza, e pode
desfrutar de uma formação formidável, primeiro no Trinity College de Dublin e
depois no Magdalen College de Oxford. O jovem Wilde, além de estudar a fundo a
poesia dos autores gregos e latinos, mais adiante os ingleses, era ainda muito
sensível, e é evidente em sua obra esse exaustivo conhecimento que
demonstra ter de Shakespeare, John Donne e Milton, entre os mais antigos, ou de
Shelley, Keats e Byron, entre os de seu próprio século.
Além destes
é preciso acrescentar os poetas que o precederam na Inglaterra de seu tempo,
como William Wordsworth (morreu em 1850), Elizabeth Barret Browing (em 1861),
seu companheiro Robert Browing (em 1889), Dante Gabriel Rossetti (em 1882), sua
irmã Christina (em 1894), Lord Tennyson (em 1892), Matthew Arnold (em 1888),
Robert Louis Stevenson (em 1894) ou William Morris (em 1896), para citar só
alguns dos mais destacados numa época, a vitoriana, especialmente inclinada ao
cultivo da lírica e das artes em geral.
E mais:
Wilde viaja pela Europa mediterrânea, Itália e Grécia e essas viagens enriquecem
plasticamente sua visão e proporcionam temas de grande parte de suas
composições. Entre elas abundam os títulos em grego, latim ou italiano. Sua familiaridade
com os clássicos o leva a traduzi-los e inclui entre os seus poemas versões de
um refrão de As nuvens, de
Aristófanes, alguns trechos de Hécuba,
de Eurípides, ou fragmentos do Agamémnon
de Esquilo, assim como glosas de outros textos de Eurípides ou do próprio
Homero, todas elas fichadas em Oxford nos tempos de estudante (1874-78). Com
essas traduções estão os poemas que escreve sobre temas e personagens
clássicas, baseando-se em modelos da antiguidade ou do Renascimento. Poemas
curtos, como “Teócrito” ou “Cármides”, que inclui 111 sextinas e narra a
história do ousado amante que se escondeu no templo da deusa para abraçar e
amar a efigie de Palas Atenas, e acabou afogado depois de mergulhar no mar
atendendo ao chamado da imortal; seu cadáver desperta o amor de uma dríade, que
Artemisa também faz morrer. Finalmente, a intersecção de Vênus, que translada
os cadáveres para Pafos, logra que revivam para o amor no Hades. Wilde
desenvolve o tema com consumada maestria e brilhantismo formal, seguindo
modelos como o do Vênus e Adônis
shakespeariano.
De suas
andanças pela Itália, procedem um grande número de poemas como os sonetos “Aproximar-me
de Itália”, “Itália”, “Urbs sacra aeterna” ou o “escrito durante a Semana Santa
em Gênova”. São poemas de corte e inspiração classicistas, como os anteriores;
alimentados, curiosamente, por uma preocupação própria da época e de quem,
apesar de sua formação na Inglaterra anglicana, provinha da católica Irlanda: a
sorte do Papa, este, que, depois da unificação italiana havia caído, como é
sabido, confinado no Estado vaticano, pelo que se considerava prisioneiro dos
tricolores. Em “Roma ainda não visitada”, escrito em Arona, Wilde, “peregrino
desde os mares do norte”, anuncia a alegria que lhe produz “ir só em busca do
maravilhoso Templo” (o Vaticano) e do trono “dAquele que possui as terríveis
chaves” (o papa; as de São Pedro), ao que chama “único Rei ungido por Deus” ou “o
único Santo, o pastor prisioneiro da Igreja de Deus”, e menciona “a odiada
bandeira lilás, branca e verde”.
Mas talvez
os mais interessantes desta época sejam “A tumba de Keats” e “A tumba de
Shelley”, em que sua estadia romana lhe dá pé de tributar homenagem aos mestres
por excelência da lírica inglesa do seu século.
Em “Quntum
mutata” (“Quanto hei mudado!”) um episódio da história italiana lhe faz evocar
a Inglaterra como defensora da liberdade em qualquer lugar do mundo. Era a
época de Cromwell, por quem Wilde claramente guarda sua inclinação, época a
qual, além do mais, une-se a Milton, num soneto que é dedicado a este. À triunfante
Grã-Bretanha dedica ainda um longo poema, “Ave Imperatrix”, no qual celebra a expansão
imperial da época vitoriana por terras asiáticas, com um entusiasmo difícil de
ser compartilhado pelo leitor atual.
Em poemas de
maior extensão como “Ravenna”, já de volta a Oxford (“há um ano respirava o ar
da Itália”), faz clara sua devoção por Dante ou tenta compaginar em “A canção
de Itys” a realidade de seu entorno com seus ideais classicistas (“este Tâmisa inglês
é muito mais sagrado que Roma”) acabando por integrar, junto à copiosa
mitologia antiga, “o retumbante toque da campainha à porta de Igreja de Cristo”).
Em “Humanidade” se entrevê a natureza circundante, temas e evocações da
antiguidade e mitológicas, apontamentos histórico-políticos, Roma, Inglaterra,
Cromwell, Milton, para acabar reivindicando um futuro em que “o que é puramente
humano, isto é divino, isto é Deus”.
“Tanásia”, “A
nova Helena”, “Panteico” são outros poemas longos desta época em que se
misturam o clássico e o contemporâneo, em que se avista a evolução de um poeta,
de bem cimentada formação, que modificava suas opiniões numa etapa posterior.
Na época final
destes Poemas aparece também a
influência francesa e as marcas do impressionismo que havia revolucionado as
artes do momento. Wilde escreve assim “Impression du matin”, “Impressions de
Théatre” e outras “Impressions” variadas (“Les silhouettes”, “La fuite de la
lune”, “Le réveillon”, “Le jardin”, “La mer”) ou “Le Jardin des Tuileries”, assim como “Fantaisies decoratives”. O
longo poema “A esfinge”, inspirado na de Gisé, dedica-o a Marcel Schwob “em testemunho
da amizade e admiração”, o que revela uma vez mais os laços que uniam a um país
que elegeu para terminar seus dias.
Até aqui, em
breves traços, a obra de um poeta que logo preferiu o caminho do triunfo e do
dinheiro e que se seduziu demais com seu talento e sua genialidade junto aos
seus contemporâneos distanciando-se para sempre, da poesia. Se sua trajetória tivesse
sido a esperada, Wilde haveria se tornado o que de fato é: um dramaturgo de excepcional,
um notável narrador, poeta de formação, com amplo domínio dos recursos e das
técnicas expressivas, que se movia com segurança por entre culturas e modelos
clássicos e era capaz de emular renascentistas e contemporâneos em suas evocações.
Um aceitável poeta menor, que não se destacou especialmente no complexo
panorama da lírica inglesa de seu tempo, tão rica em individualidades. Numa
recompilação como The new Oxford Book of
English verse (Oxford University Press, 1972) inclui-se unicamente um poema
e um fragmento da “Balada” como mostra da poesia de Wilde num volume de quase
mil páginas.
Mas a sorte
(“que es grela”, com diz o tango) fez com que as coisas dessem ao autor o
merecido êxito. Seu orgulho, sua obstinação ou sua cegueira fizeram crer que
aquela Inglaterra poderosa e hipócrita ia sair derrotada num enfrentamento se estivesse
nua, como se atreveu representar. As consequências, de sobra conhecidas, foram
a perda do quanto havia conquista: fama, dinheiro, poder. Até seus filhos
tiveram que renunciar o sobrenome do pai por ser considerado infame. E dois
anos de trabalhos forçados no cárcere de Reading, uma colônia penal na
periferia de Londres onde o poeta esfolava os dedos desfazendo nós de cordas
para a Marinha. A dor e a convivência com a dor e a morte alheias.
A sua saída,
o desterro e essa obra mestra pela qual Wilde passou à história da grande
poesia foi “Balada do Cárcere de Reading”. A felicidade não inspira muito os
poetas e sim o contrário, a desgraça. Através das vivências de um condenado à
morte e do seu entorno, os demais prisioneiros, as autoridades carcerárias e o
carrasco, nesse terrível e sinistro universo concentracionário, Wilde recuperou
a inspiração para cantar, de uma vez por todas, o homem em sua miséria e nudez.
Sem golpes de genialidade dessa vez, mas com sabedoria, sensibilidade e
sentimento, nos deixou um testemunho terrível e belo cuja leitura não deixa de impressionar
um século depois. Sua obra juvenil sobrevive como mostra de seu bom fazer literário.
Mas este é o único poema que o fez poeta de verdade.
* Este texto é uma tradução livre para “Oscar Wilde, poeta”, texto publicado no El mundo.
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