Umberto Eco, o último dos grandes intelectuais
A cultura italiana nunca se deixou oferecer ao mundo intelectuais de grande envergadura. Umberto Eco, entretanto, pode ter sido um dos últimos na extensa lista de nomes. Não significa dizer que o pensamento estará extinto; é possível mesmo que, numa era marcada pela crise do espírito reflexivo venha daí outro nome que alcance a importância que o autor de O nome da rosa alcançou. Isso só o tempo futuro dirá.
O prolífico escritor,
filósofo, semiólogo, professor universitário é um dos últimos nomes do enciclopedismo
e para que não o acuse de criatura presa ao universo de tinta e papel ou que
fosse um retrógrado, um dos poucos que conseguiu combinar o erudito e a cultura
de massa sem toldar-lhe as fronteiras e oferecer uma reflexão precisa sobre uma
diversidade de temas de natureza igualmente diversa sobre a comunidade humana. Nesse
diálogo conseguiu a façanha de aproximar os dois extremos da cultura ocidental
e essa talvez seja um dos elementos principais que o fizeram um dos
intelectuais mais importantes para o pensamento Ocidental contemporâneo.
É extensa a
quantidade de ensaios sobre estética medieval, linguística, semiótica, literatura como é
extensa a quantidade dos romances de grande êxito desde quando publicou O nome da rosa, sua obra mais conhecida
e já presente em grande parte do mundo e vendido também em altas cifras.
Umberto Eco nasceu em Alexandria em 1932, na região de Piamonte; foi na capital, Turim, que
findou sua formação acadêmica com um doutorado em Filosofia em 1954 – na ocasião
defendeu uma tese sobre a estética em São Tomás de Aquino, tema que o levaria a
interessar-se pela relação entre a filosofia e a cultura medieval, linha de abordagem
da qual nunca se separou, mesmo quando se dedicou não ao texto acadêmico e sim
à prosa de ficção; O nome da rosa seria apenas o seu primeiro texto literário a enveredar nesse bosque.
Umberto Eco e o tempo do rádio |
Um elemento
que caracterizou toda sua vida como estudioso e logo sua obra foi sempre a extraordinária
curiosidade, a mania pela precisão do detalhe e sua aversão ao improviso ou à
aproximação. É essa curiosidade que o levará a estudar e escrever com o mesmo
rigor sobre a obra de São Tomás ou as apresentações para TV realizadas com Mike Bongiorno.
Sua presença na vida cultural e na política italiana nos últimos sessenta anos foi muito importante. Foi o primeiro no seu país a escrever sobre comunicação de massas, fazendo teoria com base numa experiência concreta: entrou para o serviço no serviço público de rádio e televisão em 1954 escrevendo textos para a pasta de artes. Dessa experiência, deu o primeiro passo em seu contínuo trabalho sobre a cultura abarcando uma infinidade de campos até o ponto em que o jornal La Repubblica, do qual foi histórico colaborador, escreveu a matéria sobre sua morte, confirmada no dia 19 de fevereiro.
Sua presença na vida cultural e na política italiana nos últimos sessenta anos foi muito importante. Foi o primeiro no seu país a escrever sobre comunicação de massas, fazendo teoria com base numa experiência concreta: entrou para o serviço no serviço público de rádio e televisão em 1954 escrevendo textos para a pasta de artes. Dessa experiência, deu o primeiro passo em seu contínuo trabalho sobre a cultura abarcando uma infinidade de campos até o ponto em que o jornal La Repubblica, do qual foi histórico colaborador, escreveu a matéria sobre sua morte, confirmada no dia 19 de fevereiro.
Em 1961,
iniciou sua carreira como professor em diversas universidades italianas: Turim,
Milão, Florença e finalmente Bolonha, onde obteve a cátedra de Semiótica em
1975, criando também a Escola Superior de Estudos Humanísticos. Muito importante
é a lista de seus trabalhos nascidos a partir dessa nova posição, sobretudo a
numerosa quantidade de ensaios, dos quais se destaca Obra aberta (1962), um conjunto de análises de textos literários a partir
de Ulisses, de James Joyce que se
converte num dos manifestos da neovanguarda que se forma um ano depois com o
chamado Grupo 63. Da mesma época e título de grande valia para reafirmação do
seu pensamento é Diário mínimo, livro
que também recolhe vários ensaios, e Apocalípticos
e integrados (1964), livro no qual Umberto Eco analisou desde o ponto de vista sociológico
o fenômeno da comunicação de massas; significativa foi sua atenção para a
correlação entre cultura de massa e ditadura no ensaio Cinco escritos morais, publicado em 1997.
Como
pioneiro da Semiótica, a ciência interessada na significação da imagem, foi em
Itália o fundador de uma corrente do pensamento que traduziu por semiologia
italiana; na década de 1970 fundou Versus:
cadernos de estudos semióticos, um dos periódicos internacionais mais
importantes da área. A convivência com esse campo do saber – seja como
professor, seja como leitor – levou a escrita, cinco anos depois da Versus de Tratado geral de Semiótica, uma das obras-mestras nas universidades
em várias partes do mundo, inclusive nos Estados Unidos, onde Eco também foi
professor.
A fama ou o
reconhecimento internacional, entretanto, não veio pela ordem dos estudos semióticos,
mas com seu primeiro romance, publicado em 1980, O nome da rosa, que adaptado para o cinema em 1986, ganhará meio
mundo e levará o escritor a ser descoberto por uma extensa geração encantada
com o mundo medieval fabulado pelo autor. É sabido que depois do sucesso da
obra, editoras de várias partes do mundo viram-se interessadas em saber sobre
os primeiros livros seus que ainda não haviam sido traduzidos como o caso do
texto de sua tese de doutorado Problema
estético em São Tomás de Aquino logo convertida num livro em vários
idiomas.
Ciente dos
temas favoráveis ao gosto do leitor, escreveu outras obras de natureza
semelhante ao primeiro romance, como O
pêndulo de Foucault, título que traz temas como a busca do Santo Graal e a
história dos cavaleiros Templários, ou Baudolino e O cemitério de Praga.
A grande capacidade de Umberto Eco como
romancista – assim como o professor de semiótica atento aos fenômenos da imagem
em seu tempo – foi a de combinar elementos da história, a mitologia e a lenda
clássica que tem como personagens figuras populares reais ou inventadas. Entretanto,
olhando pelo ângulo do que via o escritor, nunca é demais lembrar o que
explicou certa vez sobre o êxito imediato porque passou quando veio a lume O nome da rosa: “Nunca pensei que meus
romances chegariam a se converter em produtos acessíveis às massas. Tanto é que
quando terminei O nome da rosa pensei
em entregar a um editor e publicar se muito três mil cópias.”
Apesar de
tratar de um universo distante e complexo para o homem contemporâneo, o que
terá feito com que sua obra ganhasse o público foi a maneira realista com que
construiu cenários, personagens e situações.
Seu último
livro do gênero foi publicado em 2015 e é um dos seus romances de verve mais
política. Ainda atento ao fenômeno da cultura de massa, sua atenção volta-se
para a comunicação e o soterramento desta pela tomada sem freios da internet
como veículo massivo. Número zero
satiriza um tempo em que os jornais podem se converter em meios de imposição sobre
temas escusos ao bem-estar social da comunidade humana. A Eco incomodava o mau
uso das redes sociais, como deixou declarado na polêmica compreensão de que
essa era havia dado o direito à palavra para uma legião de imbecis.
Mas, não é a
posição de interventor político um traço que tenha distinguido a última fase da
escrita do italiano. Desde sempre foi um sujeito atento observador do que
estava no âmbito das representações dessa ordem e pode-se dizer que foi um
sujeito comprometido com certas questões de seu tempo. Em 2002, por exemplo,
fez parte de um grupo de intelectuais e personalidades da cultura de seu país
na criação da associação Liberdade e Justiça com o objetivo de dar sentido a
extensa quantidade de insatisfeitos criados a partir da política. Foi quando
esteve sempre atento aos desmandos de figuras como a de Silvio Berlusconi, o
interessado em reabrir a selvageria de passado escuso e triste para a política em
Itália.
Sua posição
frente o desserviço de Berlusconi teve rescaldo até pouco tempo: em novembro de
2015 decidiu que não iria mais publicar nenhum livro pelo colosso do mundo editorial
nascido da fusão das empresas Mondadori e Rcs, controlado pelo ex-estadista. Já
então estava avançada a degradação de sua saúde; há quase um ano descobrira um
câncer. Mesmo assim decidiu investir muito de seu patrimônio na criação com
um grupo de escritores da editora La nave di Teseu.
Dos livros
Umberto Eco amava tudo. Escrevia e lida de tudo. “Quem não lê, aos 70 anos
haverá vivido uma só vida. Quem lê haverá vivido 5000 anos. A leitura é uma
imortalidade de trás para frente”, gostava de dizer. Em sua casa em Milão, em Foro
Buonaparte, onde morreu, mantinha uma impressionante biblioteca com raridades
bibliográficas. Aí recebia com modos cordiais, os entrevistadores que vinham de
toda parte do mundo. Nunca lhe faltou a ironia. “Estou desesperado. Tenho
todavia uma posição na Universidade, escrevo semanalmente numa revista. Porque não
estou morto já? Onde estão aqueles que deviam assassinar-me como nós fizemos
com nossos pais?”
Sobre sua profissão
dizia: “Sou um fracassado. Quando pequeno queria ser cobrador de bilhetes no
trem porque tinham umas carteiras belíssimas com dez compartimentos cada uma
com blocos de bilhetes de várias cores. Não como agora, que se entra no trem
enfiando o bilhete numa máquina automática. Um pouco mais tarde queria ter sido
general. Mas sei que minha autêntica ambição foi ser o pianista num piano-bar,
até duas ou três da manhã, com um cigarro e um Whisky. Quando pequeno também
queria escrever romances. Depois, como é conhecido me ocupei só de ensaios até
quase aos cinquenta anos. Por que não escrevi logo meu primeiro romance? Estou cansado
de que me perguntem sobre e de dar toda vez uma resposta diferente, todas
obviamente falsas. Digamos que fiz porque me veio o desejo e se esta não lhe
parece uma boa razão, então é porque não entende sobre literatura”.
Doutor
Honoris Causa em diversas universidades e ganhador de inumeráveis prêmios como
o Príncipe de Astúrias em 2000. Sim, a ironia e a sabedoria de Umberto Eco
farão muita falta ao escasso tempo de hoje.
Ligações a esta post:
>>> Nove livros indispensáveis para conhecer o pensamento e a obra de Umberto Eco
>>> No Youtube, vídeo com participação de Umberto Eco como ator em A noite, de M. Antonioni
>>> Umberto Eco em imagens raríssimas
>>> Umberto Eco e amigos
>>> As mentiras de O nome da rosa
>>> Notas sobre Número zero
* Este texto só existe graças a Ángel Gómez Fuentes quem escreveu um perfil sobre Umberto Eco para o jornal ABC e grande parte do que aqui se lê é uma tradução direta dele.
Ligações a esta post:
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* Este texto só existe graças a Ángel Gómez Fuentes quem escreveu um perfil sobre Umberto Eco para o jornal ABC e grande parte do que aqui se lê é uma tradução direta dele.
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