Traduções inéditas que se destacaram em 2015

Por Alfredo Monte



Como sempre digo, não dá para ler tudo, nem gostar de tudo. Por isso, faço uma lista de destaques entre traduções de livros ainda inéditos (apesar das várias versões diretas de obras anteriormente traduzidas do francês ou do inglês, não as levei em conta) por aqui, dentro do meu recorte pessoal, limitado, de leituras:

Livro do Ano

Submissão, de Michel Houellebecq (Alfaguara): os impasses do Ocidente diante do islamismo assombram o romance moderno desde sua fundação, com Dom Quixote. Não é surpreendente, então, que embasem a mais perturbadora obra do gênero (inclusive devido aos acontecimentos na França) desta década. Leia notas aqui.

Destacaram-se também — e de antemão pedindo desculpas pelos comentários genéricos:

O rosto de um outro, de Kobo Abe (Cosac Naify): o rosto associado à noção de identidade dando ensejo a mais uma fábula-pesadelo do originalíssimo autor japonês (do clássico Mulher das dunas) — indicado apenas para leitores fortes;

Três vezes ao amanhecer, de Alessandro Baricco (Alfaguara): desdobramento extraordinário do livro anterior (Mr.Gwyn) do grande escritor italiano, concretizando o conceito de “quadros escritos”. Comentei sobre aqui;

Mal-entendido em Moscou, de Simone de Beauvoir (Record): o furor reacionário desencadeado pela inclusão da pensadora francesa no Exame Nacional do Ensino Médio aumentou o interesse por esse texto “deixado na gaveta” e no qual se imiscuem as tensões e dissensões com Jean-Paul Sartre, companheiro de toda a vida;

Textos para nada, de Samuel Beckett (Cosac Naify): no 13º. e último dessas experiências de derrisão com a prosa narrativa, lemos: “Enfraquece ainda, a velha e fraca voz, que não soube me fazer, sumindo para dizer que vai embora...”;

A dificuldade de ser, de Jean Cocteau (Autêntica): textos de cunho biográfico de uma força descomunal, produzidos durante uma grave enfermidade, por um dos maiores personagens da cultura do século 20;

O véu erguido, de George Eliot (Grua): a autora genial de romances imensos (Middlemarch), exercitando-se, em 1859, na arte da novela, roçando o sobrenatural numa alegoria sobre o medo do futuro e o autoengano;

Remissão da pena / Flores da ruína / Primavera de cão, de Patrick Modiano (Record): a leitura conjunta desses romances do Prêmio Nobel 2014 lança luz sobre o seu projeto obsessivo e reiterativo: narradores que tentam evocar algo de permanente, que remanesça (“flores da ruína”), em meio a uma memória fuliginosa e dissolvente. Há notas sobre o primeiro título aqui, o segundo e o terceiro;

Rosa cândida, de Audur Ava Ólafsdóttir (Alfaguara): romance sobre a imprevisibilidade que abre ao leitor brasileiro uma fresta para a ficção praticada na Islândia;

Quando o Imperador era divino, de Julie Otsuka (Grua):  já em seu primeiro romance, a autora de O Buda no sótão expunha cirurgicamente o apartheid vivido por famílias japonesas nos EUA;

Os largados, de Michele Serra (Alfaguara): brilhante reflexão ficcional sobre a arte de ser pai na pós-modernidade, diante dos nossos adolescentes hiperconscientes de si mesmos e seus aplicativos;

Sonhos em tempo de Guerra, de Ngũgĩ Wa Thiong’o (Biblioteca Azul): belíssimo e ao mesmo tempo desolador volume de memórias do escritor queniano, sempre cotado como um dos favoritos para o Nobel, e cujo romance Um grão de trigo foi também traduzido este ano (pela Alfaguara —  notas aqui);

Absolutamente nada e outras histórias, de Robert Walser (Editora 34): excepcional seleção de inclassificáveis 41 textos curtos do admirável prosador suíço: “Ir à cidade, eu fui, e queria, sim, comprar algo de belo e de bom para mim e para você; boa vontade não me faltou, estudei, estudei, mas a escolha era difícil e a cabeça estava em outro lugar, por isso não consegui, por isso não comprei absolutamente nada.  Hoje, vamos ter de nos contentar com absolutamente nada, não é mesmo? Absolutamente nada é o que há de mais rápido para preparar e, de todo modo, não causa indigestão...”;

O sol e o peixe, de Virginia Woolf (Autêntica): a autora de algumas das maiores obras-primas da literatura, também era uma arguta ensaísta e cronista, como atestam as nove preciosas amostras aqui reunidas;

As rãs, de Mo Yan (Companhia das Letras): um pouco prolixo, mas importante romance do Nobel 2012 sobre a interferência da esfera pública numa ilusória “vida pessoal” (no caso, a política governamental chinesa do filho único). Leia notas aqui.


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