Conselhos de Roberto Bolaño sobre a arte de escrever contos



No Brasil, o escritor chileno será sempre lembrado pelos grandes romances Os detetives selvagens e 2666. Mas, como a grande maioria de seus contemporâneos ou de outros romancistas, Bolaño também escreveu poemas – aliás, era como poeta que ele se via enquanto escritor – e contos. Se pelos grandes romances ele se tornou uma febre entre vários grupos de leitores, é preciso dizer que muito antes a construção do gosto leitor pela sua obra vem da maneira como trata uma série de temas coerentes com a existência humana.

A multiartista Patti Smith, fã e leitora confessa de nomes da chamada Geração Beat, é uma desse grupo de aficcionados pela obra de Bolaño; numa entrevista em 2010 disse que 2666 “é a primeira obra mestra do século XXI e que ler a obra do escritor chileno era naquela ocasião “uma revelação”. Para muitos, Bolaño foi uma descoberta tardia; para outros não. Mas, o culto pela sua obra, pode-se dizer, foi algo que nasceu ainda quando o escritor estava vivo e se consolidou depois de sua morte precoce (tinha 50 anos).

De modo que é possível afirmar, sem medo de errar, que é hoje um dos nomes mais importantes da literatura latino-americana; basta citar, no caso do Brasil, a maneira como sua obra tem sido lida, divulgada e estudada. É verdade que ainda falta muita coisa ser traduzida, como sua obra poética e ensaística, mas é quase certo não tardar demasiadamente o fechamento dessa lacuna.

Relações entre escritor e público leitor à parte, é para lembrar que Bolaño não se fez da noite para o dia – como todo grande artista – e tinha para si alguns truques ou estratégias de escrita que existe este texto. Num livro editado postumamente com o título de Entre parêntesis está compilado uma série de notas, introduções para outras obras e alguns ensaios que publicou em diversos meios; nele, o leitor encontra um texto no qual nos brinda com uma lista de “conselhos sobre a arte de escrever contos”. E é este texto, que no original se apresenta como um único parágrafo, que apresentamos a seguir.

Notem na persistência do escritor ao citar referências sobre obras e autores em compreender que não se faz um escritor sem antes se fazer um exímio leitor ou sem se aproximar dos já reconhecidos grandes (nesse caso) contistas.

Como já tenho quarenta e cinco anos, vou dar alguns conselhos sobre a arte de escrever contos:

1. Nunca se aproxime das histórias de uma em uma. Se alguém se aproxima muito dos contos um por um, honestamente, pode estar escrevendo o mesmo conto até o dia de sua morte.

2. O melhor é escrever contos de três em três ou de cinco em cinco. Se você se vê com energia suficiente, escreva de nove em nove ou de quinze em quinze.

3. Cuidado: a tentação de escrever de dois em dois é tão perigosa como dedicar-se a escrever de um em um, e além disso, carrega em seu interior um jogo mais pegajoso dos espelhos amantes: uma dupla imagem que produz melancolia.

4. É preciso ler Quiroga, ler Felisberto Hernández, há que ler Borges. Há que ler Rulfo e Monterroso. Um contista que tenha pouco apreço por sua obra não lerá jamais Cela e Umbral. Lerá Cortázar e Bioy Casares, mas de modo algum Cela e Umbral.

5. Repito uma vez mais se por acaso não tiver sido claro: Cela e Umbral nem em pintura.

6. Um contista deve ser valente. É triste reconhece-lo, mas é assim.

7. Os contistas só podem se vangloriar se houver lido Petrus Borel. De fato, é notório que muitos contistas tentam imitar Petrus Borel. Grande erro: deveriam imitar Petrus Borel no modo de vestir-se! Mas a verdade é que de Petrus Borel apenas sabem nada! Nem de Gautier, nem de Nerval!

8. Cheguemos a um acordo. Leiam Petrus Borel, vistam-se como Petrus Borel, mas leiam também Jules Renar e Marcel Schwob, sobretudo, leiam Marcel Shwob e depois deste passem a ler Alfonso Reyes e daí então Borges.

9. A verdade da verdade é que com Edgar Allan Poe todos teríamos contistas de sobra.

10. Pensem no ponto número nove. Pensem e reflitam. Ainda têm tempo. É preciso pensar no nove. Se possível: de joelhos.

11. Livros e autores altamente recomendáveis: Sobre o sublime, de Seudo Longino; os sonetos do miserável e valente Philip Sidney cuja biografia foi escrita por Lord Brooke; A antologia de Spoon River, de Edgar Lee Masters; Suicidas exemplares, de Enrique Vila-Matas e Enquanto elas dormem, de Javier Marías.

12. Leiam estes livros e leiam também Tchekhov, Raymond Carver, um deles é o melhor contista que este século nos deu. 


Comentários

Alexandre Kovacs disse…
Muito bom! Somente ler os nomes dos autores de referência já é um prazer.

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