Sete novas peças sobre a vida de Pablo Neruda

Por Winston Manrique Sabogal

Matilde Urrutia e Pablo Neruda. Ela revelou os afetos maternos do poeta.


Pablo Neruda acreditava que Carlos Morla Lynch, maior responsável da embaixada chilena em Madri como encarregado de alguns negócios, não havia ajudado ao poeta Miguel Hernández a sair da Espanha durante a Guerra Civil, em 1939. O escritor estaria em várias prisões, de Sevilha, Madri, Valência e Ocaña e morreria no Reformatório para Adultos de Alicante, em 28 de março de 1942. Mas Morla tentou, sim, ajudar Hernández, segundo uma carta inédita do poeta. Esta é só uma das várias revelações trazidas pelo historiador Mario Amorós na biografia publicada em novembro nos países de língua espanhola, Neruda: o príncipe dos poetas (tradução livre para Neruda: el príncipe de los poetas).

1. Hernández e a guerra

A carta descoberta por Amorós mostra que o Prêmio Nobel de Literatura chileno estava equivocado. Morla Lynch primeiro escreveu a Hernández: “Não lhe aconselho solicitar passaporte a estas alturas, servindo no exército, e lhe dou o asilo para quando necessitar”. Amorós disse que Hernández não quis exilar-se porque considerava o ato uma deserção. Assim é que nos primeiros dias de março de 1939, o poeta com a ajuda de uma carta deste diplomata, obteve o passaporte, “mas depois do golpe de Estado contra o Governo da República, em 5 de março, desistiu de ir buscá-lo na Direção Geral de Segurança, em Puerta del Sol de Madri, onde dezenas de militantes comunistas estavam presos”. No dia 30 de abril, depois de cruzar a fronteira portuguesa, o poeta foi detido em Moura. Em junho, já na prisão madrilena, enviou ao diplomata chileno Germán Vergara Donoso a seguinte carta desconhecida até agora, e revelada por Amorós em sua biografia: “Senhor Embaixador: nosso amigo em comum Carlos Morla me ofereceu sua ajuda para voltar ao seu país no final de fevereiro deste mesmo ano. Impossibilitado de aceitá-la desde então, me atrevo a requerê-la a você, já que me encontro bem necessitado dela. Ao mesmo tempo, rogo que envie no malote diplomático a carta em anexo para nosso genial poeta e amigo Pablo Neruda, quem fará quanto estiver dentro das possibilidades e as dificuldades. (...) Eu lhe rogo, amigo meu, veja você também...” Esta carta, diz o biógrafo, confirma que Neruda “foi injusto com Morla Lynch em várias atuações ao longo de sua vida. Também em suas memórias”.

2. Da infância ao Nobel

O menino tímido, de ar triste e melancólico batizado como Ricardo Eliécer Neftalí Reys Basoalto terminou por chamar-se Pablo Neruda. Foi um poeta caudaloso que se desdobrava por diversos campos temáticos fertilizando tudo ao seu redor. Se converteu num dos escritores-chave do século XX que transcendeu sua presença literária, até transformar-se numa esperança social e política para o Chile e para a América Latina. Embora, talvez, sua popularidade transcenda graças a seus versos de amor que não deixam de unir casais e ser refúgio de separados como o seu livro de poemas Vinte poemas de amor e uma canção desesperada (1924). Em 619 páginas, Amorós reconstrói a existência de um menino que nasceu no dia 12 de julho de 1904 e setenta dias depois fica órfão de mãe, que desde cedo começa a memorizar poemas que logo escreve num caderno, que percorre meio mundo, até que em dezembro de 1971 viaja a Estocolmo para receber o Prêmio Nobel de Literatura. Um reconhecimento por obras como Residência na terra, Espanha no coração, Canto geral, Os versos do capitão, As uvas e o vento, Memorial da Ilha Negra.

3. As mães

Pouco soube de sua mãe. Pouco escreveu abertamente sobre ela. Um sentimento latente guardado para si e que foi revelado por Matilde Urrutia, a terceira e última companheira de Neruda, ao incluir no livro póstumo O rio invisível o poema “Lua”:

Quando eu nasci a minha mãe morria 

com uma santidade de alma em pena. 
Seu corpo era translúcido. Ela tinha 
sob sua carne um luminar de estrelas. 
Morreu. Mas eu nasci. 
                                  Por isso levo

um invisível rio em minhas veias, 

um invencível canto de crepúsculo 
que me estimula o riso e mo congela. 
Ela ajuntou a vida que nascia 
o estéril ramalhar de vida enferma. 
A palidez das mãos de moribunda 
amarelou em mim a lua cheia.

Por isso, irmão, está tão triste o campo 

atrás dessas 
vidraças transparentes... 
... Esta lua amarela em minha vida 
faz com que eu seja um abrolhar da morte...


Sem dúvidas, os primeiros versos que se conservam datam de junho de 1915 e estão dedicados à sua madrasta por quem teve um carinho especial, no poema “A Mamadre”

A mamadre vem aí,
com tamancos de madeira. À noite
soprou o vento do Pólo, romperam-se
os telhados e caíram
os muros e as pontes,
uivou a noite toda com seus pumas,
e agora, na manhã
de sol gelado, chega
a mamadre, dona
Trinidad Marverde,
doce como a tímida frescura
do sol nessas regiões de tempestade,
lampadazinha
pequena, se apagando,
incendiando-se,
para que todos vejam o caminho.

Ó doce mamadre
– nunca pude dizer
madrasta –

agora
a minha boca treme ao te definir,
porque apenas
conheci o entendimento

Entre julho de 1917 e setembro de 1923, recorda Amorós, o poeta publicou 13 poemas, crônicas e artigos no La Mañana. “Além disso, entre 1918 e 1920 escreveu vários poemas em três cadernos escolares que sua irmã Laura guardou até o final de seus dias”.


Pablo Neruda ainda como Ricardo 


4. O pseudônimo

Muito já se escreveu sobre por que passou a se chamar Pablo Neruda. Amorós recupera as diferentes versões que oferecidas pelo próprio poeta ao longo de sua vida e a de vários pesquisadores. Com diferentes variações e ecos, a linha comum de todos é que como seu pai não via com  bons olhos que se dedicasse à poesia, um dia que devia enviar um poema a um jornal teve que improvisar um pseudônimo. O poeta disse que o nome saiu de um conto que havia lido do autor tcheco Jan Neruda e o nome pelo mais popular. Sem dúvidas, tudo indica que surgiu dos nomes dos violinistas Pablo Sarasate e Wilma Norman-Neruda, que havia visto numa partitura, além de lê-los citados com grande admiração por Sherlock Holmes, de Arthur Conan Doyle, leitura da época.  

5. Espanha e Lorca

Mario Amorós recorda que Pablo Neruda “em agosto de 1933 foi designado como cônsul adjunto em Buenos Aires e começou a desfrutar, da mão de Federico García Lorca, uma das etapas mais luminosas de sua existência.

Em maio de 1934, cumpriu seu velho sonho de instalar-se em Espanha, onde seria recebido de braços abertos pela Geração de 27. Espanha entrou definitivamente em sua vida. García Lorca foi o poeta que mais Neruda mais teve estima, escreve Amorós. E os dois viveram muitas anedotas. Por exemplo: “Em 1958 relatam que foram convidados a dar uma conferência num povoado espanhol, mas na estação de trem ninguém os recebeu. Os anfitriões disseram que haviam ido, mas não os reconheceram porque esperavam que fossem vestidos como poetas. Lorca, com sua alegria andaluz, lhe disse: ‘É que somos da poesia secreta’. O assassinato do poeta ocorreu em 1936 marcariam o fogo da vida e a poesia de Neruda”.

6. Anos de União Soviética

Neruda, afirma Amorós, foi um dos grandes intelectuais do século XX que esteve vinculado ao movimento comunista internacional e foi defensor da antiga União Soviética. Em 1949 realizou sua primeira viagem àquele país. No final dos anos sessenta foi eleito candidato pelo Partido Comunista do Chile, mas em 30 de setembro de 1969 renunciou em favor de Salvador Allende.

7. Neruda assassinado?

A primeira revelação que se fez desta nova imersão na vida de Pablo Neruda foi um informe sobre a causa de sua morte em 23 de setembro de 1973. Mario Amorós revelou um documento oficial do Ministério do Interior chileno que reconhece, pela primeira vez, a possibilidade de que o poeta tenha sido assassinado pela ditadura.

Nota:
O poema “Lua” aqui copiado é tradução de Rolando Roque da Silva da edição de  O Rio Invisível - Poesia e prosa de juventude (Difel, 1982); o poema “A Mamadre” é tradução de José Eduardo Degrazia da edição de Memorial de Isla Negra (L&PM Editores, 2007).

Ligações a esta post:

* Este texto é uma versão livre para "Neruda, el niño melancólico que consiguió el Nobel" publicado em El País.


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