"Carla Lescaut" e a narrativa potiguar no inicio do século XXI
Por Thiago Gonzaga
“Seja qual
for o caminho que eu escolher,
um
poeta/romancista já passou por ele antes de mim”.
Sigmund
Freud
Na já famosa
obra Literatura em perigo, o filósofo e linguista búlgaro radicado
em Paris, Tzvetan Todorov, defende que, o texto literário tem muito a dizer
sobre o ser humano, principalmente porque se permite incursionar para além do
censurável, revelando assim o indivíduo, o particular, entre outras coisas.
Esta é umas das capacidades de incursão que o escritor realiza, adotando o
ponto de vista do outro e tentando desvendar os mistérios íntimos do ser
humano.
Ora,
analisemos, apesar de a literatura não ter o compromisso de retratar a
realidade, ela é desenhada a partir da verossimilhança, favorecendo a apreensão
e compreensão de certo tempo, de um espaço, dos acontecimentos construídos e
reconstruídos. Por conseguinte, levará o leitor a refletir, e modificar, a sua
leitura de mundo e, de alguma forma, analisar a sua própria postura diante da
vida.
Tomemos cada
um desses elementos, mencionando, como exemplo, o novo romance do escritor
Cefas Carvalho, Carla Lescaut, (Há alguma semelhança com Manon Lescaut?
Leia e desvende). O livro demonstra a capacidade do autor de enlaçar o leitor
numa atmosfera em que parecem se misturar realidade e ficção, com momentos de
perturbações, ásperos diálogos, discussões. Tudo, porém, numa leitura fácil e,
por que não dizer, agradável. Escrito em linguagem ágil, introduz o leitor
diretamente no centro da ação romanesca, que gira sempre em torno das duas
personagens principais. Ao longo do texto, a narrativa desenvolve-se por
diversos ambientes, bares, praias, lojas, lugares fictícios, e suscita
problemas, conflitos internos dos personagens: saudade, amor, dúvidas,
insegurança na tomada de decisões....
Toda a trama
acontece na cidade de Natal, no inicio dos anos 1990, e o foco da narrativa fica
em torno de um jovem, que trabalha com mídia, em uma agência de publicidade,
chamado Vitor Guedes. Ele namora Blanca, mas se apaixona por Carla,
depois de conhecê-la num barzinho, numa tarde de maio.
Uma das
passagens engraçadas do livro é quando Vitor vai a uma loja comprar um vestido
de presente para Blanca, e encontra com Carla. A cena é quase hilária, digna de
comédia.
Carla faz o
papel de uma femme fatale, enquanto Vitor, o de um rapaz aparentemente
bobo, inseguro diante de um “mulherão”. A entrada de Carla na vida de Vitor,
muda toda a rotina do jovem. Tal estória pode até parecer clichê, mas, ao
contrário do que pode se pensar, ficou muito bem contada, bem escrita; basta dizer que a descrição sugestiva de todos os relatos e cenas cria imagens na nossa
mente como se estivéssemos vendo a uma novela da TV. No final uma grande
reviravolta, que não irei detalhar para não quebrar o suspense.
A
ambientação em lugares frequentemente visitados por jovens, brigas, noites de
amor, tudo nessa obra, acontece de modo a gerar uma expectativa no
leitor, sobre coisas que podem acontecer, produzindo em alguns momentos
emoções que vão da agonia ao riso. O narrador, consegue desmascarar o real e
captar o inefável, criando um universo significativo na vida dos personagens, e
fazendo-nos identificar com eles.
Classificaria Carlas Lescaut como novela; claro, que isso de gênero não importa muito, mas,
nessa obra, não há uma grande variedade de temas, e a narrativa é centrada,
sobretudo nessas duas personagens principais, como disse. O foco não é bem a história e sim o
casal. Uma personagem ou outra que aparece, cumpre apenas uma função
coadjuvante. Não se trata, pois, do que chamaríamos de romance, afinal este é mais
complexo, contém uma abundância maior de personagens e, normalmente,
múltiplas tramas paralelas. Mas, o que importa, é que o livro de Cefas –
grande vencedor do Projeto Rota Batida da Coleção Mossoroense – é um livro que
vale a penar ler.
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