Saul Bellow



Saul Bellow nasceu num bairro pobre de Montreal, Canadá, em 1915, no interior de uma família de origem russa e ascendência judia. Em sua adolescência a família se mudou para Chicago, a Chicago dos anos trinta, brutal e pobre. Seu pai vendia maçãs pelas ruas. Depois desses começos um tanto pícaros, de menino da rua, estudou na Universidade de Chicago; cresceu lendo Shakespeare, os clássicos da literatura russa do século XIX e o antigo testamento. Foi então que conheceu outros escritores de sua geração; nomes como Nelson Algren. Homem turbulento, viveu sua vida passando por tudo. Uma primeira época como trotskista, outra com os poetas em Greenwich Village, outros períodos na Europa.

Embora tenha vivido em Nova York, Paris e por pouco tempo em Madri, a maior parte da vida foi em Chicago, cidade que deu uma visão sobre o homem e sua luta por se manter numa vida digna, principalmente durante os graves anos da Grande Depressão. “Não posso superar o que vejo. Igual ao historiador, que está limitado pelo período sobre o qual escreve, eu estou limitado pela situação em que vivo”, disse certa vez. Também sempre dizia, ironicamente que sua visão de mundo era a de homem que não tinha país. Em sua casa se falava iídiche, um dialeto adotado pelos judeus da Europa Central e Oriental. “Vejo esta América com os olhos de um eterno turista. Sou e não sou daqui. Por isso meus olhos guardam todo desequilíbrio deste país”.

Bellow se opôs sempre ao romance de tese e ao tipo de romancista que distancia da vida. Expressou esses pontos de vista num ensaio sobre Henry James e contradizendo Gustave Flaubert; o escritor fez justamente o oposto desses escritores ao fazer de si próprio o protagonista de todos os seus romances transmutado no típico herói confuso, em guerra constante com a sociedade, armado de sua própria inteligência, metade vítima, metade aventureiro, assombrado perpetuamente pelo paradoxo dessas mesmas aventuras suas.

O leitor atento perceberá, na obra de Bellow, influências de Dostoiévski, Conrad, Stendhal, e, principalmente do romance picaresco espanhol. Em O legado de Humboldt e outras narrativas, usou a Espanha como cenário ideal para seu herói desequilibrado, que, preso em suas próprias contradições, tropeça com um país não menos em igual estado. Toma da Espanha também a ideia do pícaro judeu, um homem especialmente religioso que se vê obrigado a viver isolado de uma sociedade tragicômica, cheia de contradições e paradoxos.



Seu primeiro livro, Por um fio, seguido de A vítima é já uma antecipada visão paranoica do mundo. Depois deles, Bellow inaugura uma face muito mais alegre e rica. Por esses caminhos, vão As aventuras de Augie March, uma espécie de viagem rabelesiana pela América, e Henderson o rei da chuva, talvez seu livro mais louco, onde constrói uma África puramente imaginária. A estes seguiram Herzog e O legado de Humboldt. E isso é só uma pequena parte de sua extensa produção literária.

Mesclado com esta enorme quantidade de romances cheios de vida, de narração, diálogos e personagens loucos, há outro Bellow que aparece de vez em quando: é o Bellow melancólico de onde vem o melhor do seu trabalho, como Agarre a vida, um livro amargo sobre velhos esquecidos de Nova York e suas mortes solitárias. A Bellow sempre lhe preocupou profundamente a morte. É a cara de um romancista que se lamenta sempre: “Por que meu pai tinha que vender maçãs na rua, por que razão viveu e por que razão morreu?”

Vemos assim aspectos distintos de Bellow – esse Bellow quase maníaco depressivo: por um lado o autor-protagonista, perpetuamente devorando a vida (comidas, mulheres, roupas, ideias), e por outro, essa versão sombria da pobreza, o exílio e sua preocupação pela humilhação do homem, por um trabalho em circunstâncias que não fazem nenhum bem a ninguém. Esta dupla visão reflete a identidade de um autor, que casado cinco vezes, assimilado todas ideias do século XIX e XX, e depois de cada extravagância volta à sua própria cidade, Chicago, naquele ambiente, deambulando por bares de índios bêbados, persegue seus dementes amigos da rua, como se verificasse a peste da superficialidade de Nova York, Paris ou Londres.

Sempre deu sua assinatura aos movimentos para libertação de presos e sempre sublinhava essas ocasiões com uma frase típica de Bellow: “Ah, os franceses... os franceses nunca poderão ir a nenhum lugar com os espanhóis. Têm o mal costume de metê-los em campos de concentração”. Outro de seus lamentos costumeiros era: “E tinha eu que haver caído entre os teóricos...” O paradoxo é que seus heróis, embora se queixem de suas ideias, estão obcecados por elas. Nunca deixam de pensar, e pese seus ataques à teoria, este é o romancista estadunidense em que mais encontram ideias. Seus romances são autênticas discussões obsessivas sobre todos os problemas ideológicos dos últimos dois séculos.

A verdadeira tensão de seu trabalho é a que se desprende da energia de Bellow contra Bellow, da luta de sua narrativa explosiva e a habilidade para construir suas personagens, seu estilo pessoal que mescla ideias eruditas e uma expressão plenamente popular, o argot estadunidense da rua. Um coquetel que seus amigos chamaram bellowesco.

Um exemplo típico desse delirante mundo despistado de Bellow está em O legado de Humboldt, no momento em que seu organizado herói se encontra consigo próprio, em Madri, cuidando do filho de sua amante enquanto ela, noutra cidade, deseja um homem com mais dinheiro. Aí encontramos sua típica salada de personagens. O homem da máfia que queria ser intelectual, o amigo poeta que morre louco e deixa uma fortuna num filme que 25 anos depois chegará a ser comercial, advogados que roubam o protagonista e o introduzem em novas aventuras amorosas e, no final, a personagem torna-se a um só tempo agressor e vítima. No desfecho do romance o protagonista assiste ao enterro de seu amigo poeta.

Assim, Bellow criou alguns dos anti-heróis mais memoráveis da literatura contemporânea. Como Augie March, o jovem imigrante judeu, filho de uma mulher quase cega, que tenta prosperar e encontrar a si mesmo na convulsa Chicago da Grande Depressão. Os diferentes empregos que March desempenha em rápida sucessão (vendedor, marinheiro, ladrão ou cuidador de cachorros) servem a Bellow para retratar uma sociedade e uma personagem que busca algo mais que o “sonho americano”.



Moses E. Herzog, paradigma do urbanista neurótico, é outro dos anti-heróis mais célebres de Bellow. Fracassado como professor, escritor, marido e pai, Herzog se dedica a escrever longas cartas a Nietzsche ou a Heidegger enquanto flerta com o suicídio no corrosivo romance que seu próprio nome dá título ao livro.

Eugene Henderson, o milionário infeliz que tenta sair da típica crise de meia-idade pelo expeditivo caminho de ir viver numa tribo africana, é talvez o mais louco de suas personagens. No polo oposto se encontra o protagonista de A vítima, Asa Leventhal, um judeu nova-iorquino comum que vai desafazendo numa espiral de medo e paranoia depois de encontrar-se com um gentio, Kirby Allbee, que o acusa de levá-lo a perder seu emprego de há três anos.

Bellow construiu uma galeria de personagens excêntricas, inteligentes e sagazes, mas desencantadas com a vida; elas certamente são as fizeram o escritor um dos maiores expoentes de um extirpe brilhante da literatura estadunidense, na mesma linha onde se encontram outros autores sempre recomendáveis como Isaac Bashevis Singer, Prêmio Nobel de Literatura em 1978, Henry Roth, Philip Roth e Joseph Heller.

Em 1976, o escritor ganhou Prêmio Nobel de Literatura por sua “compreensão humana e sua análise sutil da cultura contemporânea”; no mesmo ano recebeu o Pulitzer. Várias vezes disse que se não tivesse chegado a ser romancista seria escritor de piadas; admirava o trabalho de humoristas como Fred Allen, Groucho Marx e Sid Caesar. E, mesmo depois do maior galardão, ainda se dedicou à literatura e escreveu textos da mesma envergadura dos até então produzidos como A atual e Ravelstein, romance baseado na vida de seu amigo Allan Bllom.

Para Philip Roth, Saul Bellow compõe com William Faulkner a coluna vertebral da literatura estadunidense do século XX. Os dois, afirmou quando da morte de Bellow em 2005 são o Melville, Hawthorne e Twain do século passado.

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