Duas play-list a partir da obra de Karl Ove Knausgård
Provavelmente
a relação entre literatura e outras artes, apesar de ser um fenômeno pouco
observado pela crítica ou mesmo nos trabalhos de maior fôlego acadêmico, nunca
foi contemporânea. Isso inclui a proximidade entre a literatura e música.
Geralmente os
grandes músicos são, por certa exigência do ato criador, intensos leitores; e
muitos buscaram nos livros apoios para suas composições ou mesmo, quando
estiveram interessados em se organizar grupos musicais, foram beber na fonte da
arte de todas as artes.
Agora,
contemporaneamente (por modo de falar, mas também não é novidade), há uma
quantidade sem fim de obras literárias que fazem o trajeto contrário. Isto é,
vão ao grande manancial de ritmos e trazem para o interior da narrativa uma
quantidade significativa de títulos. E, antes de citar, o caso Karl Ove Knausgård,
vou citar algumas obras lidas nos últimos três anos em que, vez ou outra, topei
com peças musicais, obrigando-me a, um curioso como eu, correr às pressas nas
ferramentas da web buscar ouvir a
música citada.
O que
concluo sobre esse gesto, além da integração da obra a outros suportes
artísticos e, claro, uma revisão do modo natural de leitura pelo fato da interrupção
para a pesquisa e audição da música, é que esse elemento acaba por participar
de maneira decisiva na construção de uma atmosfera da narrativa.
Isso
significa dizer que, a música, produtora de uma quantidade inclassificável de sensações
torna-se em determinante para tornar a ação presentificada pela narrativa em vivência
(ou convivência) às ações do leitor durante o tempo de leitura da obra.
Além das sensações,
a música é igualmente responsável por transmitir uma referência mais precisa sobre
as representações propostas pelo texto literário, sobretudo as que povoam o
espírito da personagem ou ainda uma referencialização acerca do tempo evocado
pela narrativa.
Dos autores mais
recentes lembramos dos solos de violino em As
intermitências da morte, de José Saramago, romance que renova a expectativa
da arte como redentora da vida – algo, aliás, que o leitor mais atento
perceberá noutras peças do escritor português, como em Manual de pintura e caligrafia, O
Evangelho segundo Jesus Cristo, Ensaio sobre a cegueira (que não a música,
mas as artes plásticas revelam essa dimensão) ou em Memorial do convento. Neste
romance é célebre o episódio em que Blimunda, a personagem principal cai doente
depois do extenso esforço na busca por vontades humanas para colocar em ação a
passarola, máquina voadora que construída às escondidas junto com Bartolomeu e
Baltazar. É a música para cravo que faz ressuscitar, por assim dizer, a
personagem; no mesmo instante areja a densa atmosfera barroca ou torna esse
tempo carregado mais leve como se abrisse uma janela pela qual pudéssemos espreitar
a constatação de que a Idade Média não foi somente o tempo de trevas.
Em Dentro de ti ver o mar, de Inês Pedrosa,
é o som sensual e melancólico do fado português que embala muitas das cenas. Se
no texto de Saramago, a música que se ouve é apenas a instrumental, a mesma que
embala o escritor durante os momentos de escrita, por exemplo, no romance de
Inês prevalece a letra, o que melhor defende a ideia de que o fado é feito para
ser ouvido.
É o fado que
oferece a estrutura para que António Lobo Antunes construa a narrativa de Fado alexandrino. Além de ser a música um dos elementos que mais
figuram como epígrafes de seus romances ou atuem também como peças
participativas do enredo narrativo; é claro, nesse ínterim, seu gosto por Paul
Simon, mas outras figuras atuam no desenvolvimento da narração: Jacques Brel, Gal
Costa, Bob Dylan, entre outros. E, claro, não é possível esquecer o excelente A morte de Carlos Gardel, sobre um dos
maiores cantores de tango de sempre (obra que até recebeu uma adaptação para o
cinema em 2011).
De um modo
mais indireto a música encontra lugar (pela presença constante do Kurt Cobain)
em A maçã envenenada, do brasileiro Michel
Laub; em Mil rosas roubadas, de Silviano
Santiago; em O irmão alemão, de Chico
Buarque.
Mas, em
nenhuma das obras citadas, se constitui peças tão significativas como na obra
do norueguês Karl Ove Knausgård; ao menos nos livros até então publicados no
Brasil da série Minha luta e, mais
vivamente em A morte do pai, o
primeiro título, e A ilha da infância,
o terceiro. E, nesse caso específico
a música desenvolve entre o leitor e o texto uma extensa teia de afetos com as situações
evocadas, vivificam todo o itinerário de memórias, e findam por nos tornar mais
próximos dos acontecimentos e, o principal, a restabelecer um elo com o tempo
histórico a qual se refere.
Sem mais alongar, listamos abaixo, algumas das peças que mais me marcaram no itinerário
dessa leitura. São duas play-list que, olhando dessa distância, reúne peças
raras e caras de pelo menos três décadas de rock, dos anos 1960 aos anos 1990; são constantes as referências a Beatles, David Bowie, Queen, The Clash, Deep Purple, The Police, The Cure, Iggy Pop, Led Zeppelin, Pink Floyd, Elvis Presley, para citar alguns dos mais conhecidos. Na
segunda play-list, por exemplo, chama atenção o ritmo das peças, que vão das
mais aceleradas (feitas para a dança), às mais melancólicas, produtos de um gosto
em construção e permeado da inquietude dos sentimentos diversos que são
evocados pela narrativa.
De A morte
do pai
De A ilha da infância
Para a preparação das duas listas, levamos em consideração apenas os títulos de canções citadas por Karl Ove nos dois romances; o escritor faz uma série de referências a álbuns de alguns dos grupos citados, as quais não consideramos na elaboração dessas listas. Os títulos estão organizados aleatoriamente e não pela sequência em que se apresentam nos dois romances nem por uma ordem de preferência.
Ligações a esta post:
>>> Antes, em junho, uma play-list com peças inspiradas em outras literárias que não as citadas aqui
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