Raridades sobre Lolita, de Vladimir Nabokov
Vladimir Nabokov realizado na paixão pelas borboletas e na escrita de um clássico. |
“Lolita, luz
de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a
ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve,
no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta. ”
A repulsa a Lolita
Este é já
eleito um dos melhores começos para um romance na Literatura Universal. E,
claro, a obra também se tornou uma das mais quistas (também odiadas) e mais conhecidas quando se
fala o nome do escritor russo de nacionalidade estadunidense Vladimir Nabokov.
Mas, isso não começou assim. O início da fama de Lolita
foi o da rejeição. Pelo menos cinco vezes.
Um dos
pareceres, de 1953, é taxativo: “É esmagadoramente nauseante, mesmo para um
freudiano iluminado. Para o público, será uma obra revoltante. Não irá vender e causará um dano incomensurável a uma cada vez mais crescente reputação do escritor [...] Eu
recomendo que ele seja enterrado sob uma pedra por pelo menos mil anos”.
Se sabemos que o livro foi publicado é porque Nabokov não ouviu os conselhos de enterrar o romance. Ruim não era, afinal a recomendação de ser enterrado soa um tanto não é um romance desse tempo. Apesar de escrito em inglês o romance não foi publicado logo nos
Estados Unidos. Claro, depois de um parecer desse e da rejeição dos
principais grupos editoriais, seria difícil o escritor romper o circuito de
perseguição à obra.
Então, Nabokov vê que o livro tinha chances fora dos Estados Unidos. Num país de mente mais aberta, talvez. A França? Sim, Lolita,
foi publicado inicialmente dois anos
depois das primeiras reprovações, em Paris. E levou mais três anos para que
chegasse finalmente às livrarias dos Estados Unidos. E ela só ocorreu porque
pouco antes de sua publicação na América, o escritor Graham
Greene concedeu uma entrevista elogiando bastante o livro.
Mesmo assim,
John Gordon do Sunday Express, por
exemplo, diante do sucesso da publicação (estima-se que só nas primeiras
semanas tenham sido vendidos mais 100 mil exemplares do romance) apelou;
classificou o romance como “o livro mais imundo” que já lera; é um livro,
disse, recheado de “pura pornografia”. Terá levado muito tempo depois de
publicado para que a crítica passasse a lê-lo com outro olhar (embora ainda
dure a imagem de Nabokov com um velho pedófilo inveterado atraído em seduzir
ninfetas). É fato que esse outro olhar, o do romance como um clássico, só veio
já próximo dos cinquenta anos depois de sua publicação e o sucesso ininterrupto nesse intervalo de tempo.
O possível nascimento do romance
Um bangalô
de estilo espanhol na Sequoia Avenue, em Palo Alto é sempre apresentado como o
lugar onde Nabokov teria escrito a primeira versão do romance. Pesquisadores
não acreditam na versão; o autor viveu aí durante a nomeação como professor em
Stanford em 1941 e já a ideia para o livro haveria sido gestada. Isto é,
possivelmente Nabokov teria iniciado aí sua escrita; e teria Humbert sido
inspirado em parte no amigo que o indicou para a universidade, Henry Lanz. São
suposições, evidentemente; toda obra de ficção se constitui de muitas
influências e não apenas num retrato
em específico sobre alguém.
Mas, não foi
Lolita a única contravenção que terá
sofrido o escritor; ele mudou-se da Rússia perseguido pelo regime e na sua
terra natal teve seus escritos taxados como antissoviético. Depois que foi
viver em Berlim com sua companheira judia, Véra, teve de se passar com o nome
de Vladimir Sirin, mas só o que sofreu foram inúmeras rejeições das editoras
inglesas sobre seus escritos. A situação de quase-miséria foi o que levou o
casal para os Estados Unidos, onde foram viver com o filho de 6 anos num
pequeno apartamento em decadência.
A nomeação
para Stanford terá sido o primeiro momento de glória do escritor. E, claro,
foi-lhe a ocasião que o fez trabalhar na construção do que, mesmo rejeitado
tantas vezes, se encaminhava para servi-lo de obra-prima de sua literatura. A
vida que levou nos Estados Unidos, então, foi de total encanto: entre a academia e a
escrita, gastou o tempo em viagens para o oeste sempre no exercício de seu maior
hobbie, a caça às borboletas. Foi
numa das viagens que conta ter encontrado a inspiração para a escrita de Lolita.
Retornar à repulsa e uma virada
Na ocasião
em que foi publicado nos Estados Unidos, também circularam, (poucas, mas
circularam) críticas positivas sobre o romance. Elizabeth Janeway, por exemplo,
escreveu para o New York Times que Lolita é uma história “classicamente
trágica, a expressão mais perfeitamente realizada de uma verdade moral sobre
a luxúria”. Humbert é um homem “possesso, tomado por uma desejo insaciável”;
“ele nunca pode parar de querer a Lolita porque ele nunca realmente a tem, tem
apenas seu corpo”; “Humbert é a representação de todo homem que, impulsionado
pelo desejo, e tanto querendo sua Lolita, não lhe ocorre que ela seja um ser
humano ou nada mais que um sonho-invenção que se faz carne, ela é a natureza
eterna e universal da paixão.”
A adaptação de Lolita para o cinema em 1997 por Adrian Lyne |
A opinião de
sessenta anos mais tarde e num contexto totalmente controverso se aproxima da
leitura da estadunidense. Azar Nafisi em Lendo
Lolita no Teerã afirma que “esta é a história de uma menina de doze anos de
idade que não tinha para onde ir. Humbert tentou transformá-la em sua fantasia,
em seu amor morto, que ele próprio havia destruído. A verdade desesperada de Lolita não é a de um estupro de uma
menina doze anos por um velho sujo, mas o confisco da vida de um indivíduo por
outro.”*
A verdade é
que Nabokov terá se orgulhado e tanto sobre a obra a ponto de reconhecê-la como
o trabalho que mais lhe agradou produzir. Tanto que, foi o primeiro roteirista de seu livro para a adaptação de Stanley Kubrick. “Eu diria que de todos os meus
livros, Lolita me deixou como se
preso diante de um agradável arrebol, talvez porque é a mais pura de todas as
histórias que escrevi, a mais abstrata e cuidadosamente planejada.” Noutra
ocasião: “Lolita é um favorito especial meu. Foi o livro mais difícil — que
tratava de um tema que era tão distante, tão remoto, da minha própria vida
emocional que ele me deu um prazer especial para usar meu talento de
combinações para torná-lo real.” Depois, num programa de TV nos Estados Unidos
chamado “EUA: a novel”, Vladimir aparece todo prosa diante das diferentes
edições estrangeiras do romance.
* Esta é uma
tradução livre para o texto em inglês. No Brasil a obra foi publicada pela
Editora Best-Seller em 2009.
Ligações a esta post:
>>> As adaptações de Lolita para o cinema.
>>> Nabokov vai para os Estados Unidos: a longa travessia.
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