Os contos completos de Liev Tolstói

Por Pedro Fernandes




A editora Cosac Naify destacou-se no mercado editorial brasileiro por ambiciosos projetos de edição. É fato que sua existência entre nós talvez se deva à formação de profissionais qualificados nos vários setores da cadeia do livro e com outra maneira de enxergar este objeto, ainda que, os leitores estejamos presos entre condições paupérrimas: somos poucos e extensa a miséria financeira oprime ampla maioria o consumo de obras como as publicadas pela casa de Charles Cosac.
 
Três anos depois do belíssimo projeto que trouxe ao Brasil, pela primeira vez, uma tradução direta do russo de Guerra e paz, obra-prima da literatura russa, a casa anunciou em seu site a chegada de outro grande feito: os contos completos de Liev Tolstói. A proeza é graças ao mesmo Rubens Figueiredo, quem, muito antes do monumental romance publicado em 2012, já se destacara entre os nomes de uma geração de exímios tradutores de literatura russa. O projeto de agora levou pouco mais de três anos de dedicação.
 
À qualidade da tradução soma-se, como é caso aqui, o trabalho editorial e a apresentação das mais de duas mil páginas que reúnem quase três centenas de textos que Tolstói engendrou ao longo de seis décadas dedicadas à literatura. Do mesmo autor, é preciso sublinhar, a mesma casa editorial publicou outras das obras-primas, como Pais e filhos, Anna Kariênina e Ressurreição — feitos também de Figueiredo.
 
No projeto editorial apresentado agora, de Flávia Castanheira, ficou de fora certos preciosismos; Guerra e paz, por exemplo, mereceu uma tiragem em que os dois volumes do romance possuíam capa em tecido e estavam acomodados em caixa plástico. Agora, a edição é franciscana. Os três volumes em capa flexível aparecem acomodados numa caixa de papelão simples. Se a justificativa para o primeiro elemento tem a ver com o conforto e a flexibilidade de manuseio do livro, no segundo deixa a desejar. Caixas mais rígidas garantem melhor integridade para os livros — se for este o seu principal propósito.
 
Cada volume traz impresso nas capas e reproduz em seu interior fotografias em cores de Serguei Mikháilovitch Prokúdin-Gorskii. E quem foi este? Um cientista e pioneiro da técnica com imagens coloridas obtidas a partir da superposição de três chapas de vidro, capturando a mesma imagem em exposição de filtros distintos. O próprio Tolstói foi um dos fotografados por Prokúdin-Gorskii e a imagem que ilustra esta matéria é o único exemplo dos até agora conhecidos.




A relação entre os dois artistas não é apenas esta e o motivo da escolha das fotografias neste projeto é óbvia:  Prokúdin-Gorskii fez com fotografias o que Tolstói fez com palavras, os dois capturaram de maneira inovadora a vida do povo russo no âmbito das suas grandes transformações; o período em que o escritor compôs sua obra, em 1850 e os primeiros anos do século XX, é excepcional na história da Rússia. 
 
Da obra de Tolstói, é o próprio Rubens Figueiredo, no texto de apresentação dos Contos completos, quem assim observa: “A vida do povo russo e as relações sociais e históricas que o constituíam são o tema dos contos de Tolstói, mas também determinam sua forma. No conjunto, seus contos soam como uma voz que se encontra sob uma pressão terrível, mas que resiste e exprime, em numerosas variantes, um mesmo núcleo de questionamentos e chamados à consciência.”
 
E, para uma visão panorâmica, mas também completa desse projeto criativo com a ficção breve, a contística é ordenada cronologicamente: no Volume 1, estão os textos mais centrados nas experiências da juventude, como a participação de Tolstói na Guerra da Crimeia e a vida libertina; no Volume 2, aqueles concebidos quando Tolstói ingressa na ideia de educar as crianças em sua propriedade rural de Iásnaia Poliana — é o escritor mais próximo das inovações formais, como se nota nos textos curtíssimos escritos com ou a partir das histórias contadas pelos seus alunos; e no Volume 3 encontramos os textos da maturidade e velhice, quando o seu autor se mostra mobilizado para a mística religiosa.
 
Aos amantes da boa leitura, encontramos pela frente 2080 páginas que mostram os altos e baixos da obra de um dos nomes significativos para a literatura russa do século XX.


Comentários

AS MAIS LIDAS DA SEMANA

A poesia de Antonio Cicero

Boletim Letras 360º #610

Boletim Letras 360º #601

Seis poemas de Rabindranath Tagore

16 + 2 romances de formação que devemos ler

Mortes de intelectual