A Ilíada, a guerra de todos nós

Por Guillermo Altares

"A apoteose de Homero", de Jean Auguste Dominique, 1827

O deus Zeus idealizou uma estratégia para ajudar aos troianos: enviar um falso sonho de vitória ao líder grego Agamenon, que além de tudo acabava de ter um combate com o herói Aquiles. Não há nada tão destrutivo, tão letal, como a confiança cega em seu próprio triunfo, a crença absoluta na vitória. Essa é uma das muitas histórias universais contidas na Ilíada. Nunca saberemos com segurança quando e como foi composta – os especialistas preferem o verbo “compor” a “escrever” porque não está claro o papel que a escrita teve na sua criação. Sobre seu autor, Homero, que a tradição descreve como um poeta cego, existem mais dúvidas que certezas. Contudo, por aí segue sua obra, ancorada mais do que nunca na memória viva de nossa cultura.

Como escreveu Gore Vidal em suas memórias: “Como as diferentes camadas de Troia, onde em algum lugar profundo estão essas cidades amontoadas sobre outras cidades, alguém espera encontrar-se com Aquiles e seu amado Pátroclo e com toda essa força com a qual começou nosso mundo”.

Agora que a Grécia vive entregue aos sonhos de vitória, Homero está presente nas livrarias com um par de novidades. Nos últimos tempos tem sido publicado uma quantidade variável de edições (ver apêndice no fim do texto). “Como todos os livros que chamamos de clássicos, na Ilíada e na Odisseia encontramos o reflexo de nossa própria experiência. Nestas obras não apenas lemos de forma literal as histórias que estão contadas: lemos também o texto transformado em metáforas de histórias que são nossas, em símbolos de nossos temores e desejos”, explica Alberto Mengel em “O legado de Homero”.

Adam Nicolson, um dos especialistas na obra de Homero, concorda que a atenção desabrochada na atualidade pela literatura do grego talvez coincida com “o que estamos vivendo”, “um período violento e difícil de nossa própria história”. “A Ilíada nos conta o que ocorre à gente quando enfrenta uma realidade brutal. Num mundo caótico, muito inseguro, Homero nos proporciona alguns fundamentos profundos, é uma fonte de conhecimento. Para mim, a grande virtude de sua visão é que nos lembra que este é o mundo real, o lugar onde tudo acontece, diferente da tradição cristã, onde a força da vida parece estar do outro lado. O que Homero vem nos dizer é que não se pode deixar a felicidade para mais tarde e isso é muito importante na nossa formação se se passa à nossa mente”.

A força da Ilíada, é tão grande que algumas das passagens mais famosas da epopeia, como o calcanhar de Aquiles ou o Cavalo de Troia sequer aparecem em suas páginas; mas pertencem a outras versões do relato daquele conflito, como a Eneida, de Virgílio, a releitura romana do mito. Em seus 15 693 versos, este poema épico relata um episódio de apenas duas semanas ao longo da tomada de Troia, tomada por enfrentamentos diferentes entre soldados de guerra gregos e troianos. Transcorre no ano de um conflito que se prolongará ainda mais, e o que é relatado vem sob forma de dezenas de poemas e histórias que circularam de pai para filhos.

Homero não oculta que os soldados gregos estão desejando voltar para casa. Um regresso que, como demonstram as desventuras de Ulisses na Odisseia, não será nada fácil. Com os deuses intervindo constantemente a favor de um ou de outro grupo, o centro da narração se encontra no enfrentamento entre os heróis, o grego Aquiles e o troiano, depois deste último ter matado em combate Pátroclo, o grande amido do grego. A narrativa acaba com um dos momentos mais emotivos da literatura universal, quando Príamo, o pai de Heitor, viaja até o acampamento grego para convencer Aquiles de que entregue o cadáver de seu filho.

“Uma das coisas mais emocionantes de Homero é que é capaz de captar um sentimento novo da humanidade que estava surgindo neste momento: a compaixão pelo derrotado”, lembra Óscar Martínez. “Nunca trata os troianos como inimigos, mas como seres humanos. Isso ocorre no encontro entre Aquiles e Príamo. Na Odisseia se lê a palavra nostalgia pela primeira vez quando Ulisses na ilha de Calipso diz que sente a dor do regresso. Como não vai falar de nostalgia um poema que nos descreve a história de um povo que havia tido de dispersar por todo o Mediterrâneo?

Freely, especialista sobre o Império Otomano, autor de livros de viagens e professor da Universidade de Bgazici, em Istambul, trata de buscar em seu livro o que há por trás da Ilíada e da Odisseia, o que a arqueologia e a história podem acrescentar sobre o nosso conhecimento de Homero, mas também a obsessão de muitos estudiosos por encontrar restos que nos levem até esse mundo de heróis e deuses. Homero canta desde o século VIII antes de Cristo uns acontecimentos que transcorreram no século XIII embora, como explicar Óscar, “sua musa é a da épica, não a da história”. Sem dúvidas, se reflete acerca de um momento crucial do mundo grego: seu renascimento depois da Idade do Ouro quando, por motivos que se desconhecem, a civilização micênica ruiu em apenas duas décadas e a cultura helênica desapareceu durante quatro séculos até que ressurgiu para converter-se no começo de todo nosso mundo. Em certa medida, Homero simboliza a vitória da poesia e da literatura sobre o desastre a decadência.

As várias edições e traduções mais recentes da obra de Homero no Brasil

Por Pedro Fernandes

As editoras, felizmente, têm atentado para a interdependência entre a Ilíada e a Odisseia e não se furtada ao trabalho de, ao editar uma editar a outra obra. São várias as traduções no mercado brasileiro – diríamos, sem medo de errar, que estamos muito bem servido delas. Ainda que nos falte uma tradição de estudos críticos sobre as duas obras. Há também muitas adaptações, mas aqui apontamos apenas as traduções e aquelas edições que melhor representam a monumentalidade literária de Homero. As três mais conhecidas são as de Odorico Mendes, Carlos Alberto Nunes e Donaldo Schuller, embora Haroldo de Campos também ficou lembrado pela transcriação de a Ilíada.

Os dois volumes de Haroldo de Campos são encontrados pela Benvirá. Já a tradução de Odorico Mendes foi publicada pela Ateliê Editorial em parceria com a Editora da Universidade de Campinas. É uma edição luxuosa, em capa dura, com notas do escritor Sálvio Nienkötter e ilustrações da Henrique Xavier. Publicada em 2008, não temos notícia se as editoras farão uma edição de a Odisseia.

A tradução de Carlos Alberto Nunes para a Ilíada e a Odisseia pode ser encontrada pelo leitor em duas editoras com projetos gráficos diferentes: na Hedra e na Nova Fronteira. Entre um e outra, a última tem melhor acabamento. Quem também se aventurou entre um e outro poema de Homero foi Donaldo Schüler; as duas traduções foram publicadas pelas L&PM Editores.

Há quem prefira as duas obras não como poema, mas como prosa. Esses sempre recorrem à edição preparada pela Penguin / Companhia das Letras com tradução do português Frederico Lourenço. O volume da Ilíada tem o prefácio do tradutor, mais um apêndice (sempre rico das edições) de Peter Jones, quem também escreve as notas para o texto mais uma introdução da década de 1950 preparada por E. V. Rieu. Da Odisseia, introdução e notas de Bernard Knox. Assim, o leitor tem um contato com a leitura anglo-saxônica sobre o texto grego.

Os leitores têm ainda ao alcance a edição bilíngue preparada por Trajano Vieira de a Odisseia, publicada pela sempre recomendável Editora 34. Sabe-se que em qualquer curva, a casa há de publicar também a Ilíada. Muito recentemente ela trouxe-nos a tradução de Carlos Alberto Nunes para a Eneida, de Virgílio. Sobre a ideia do recomendável, ela vale para a Cosac Naify que publicou também uma nova tradução, esta feita por Christian Werner e transformada numa edição de luxo das que a editora é mestra em fazer; e para breve publica um volume com a Ilíada.

Ligações a esta post:


* A primeira parte do texto é a tradução livre para “La Ilíada, la guerra de todos nosotros”, publicado no caderno Babelia, do jornal El País.

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