Enigmas sobre a morte de Federico García Lorca
Há mortes
que transcendem tanto como a vida. É o caso do assassinato de Federico García
Lorca; o poeta foi fuzilado em 1936 pela Ditadura de Franco. E ainda que fosse
encontrado seus restos mortais a data nunca deve ser esquecida pelo simples
fato de servir de prova sobre da brutalidade dos regimes ditatoriais e sobre a
falta de limites do poder.
As livrarias
espanholas receberam mais uma edição sobre o tema. Agora, Marta Osorio publica O enigma de uma morte. Crônica comentada da
correspondência entre Agustín Penón y Emilia Llanos (em tradução livre para
El enigma de una muerte. Crónica
comentada de la correspondencia entre Agustín Penón y Emilia Llanos,
editora Comares); o título é mais um adendo sobre outra edição da autora Medo, esquecimento e fantasia: crônica da
investigação de Augustín Penón sobre Federico García Lorca (Miedo, olvido y fantasía: crónica de la
investigación de Agustín Penón sobre Federico García Lorca), dois textos
indispensáveis no extenso inventário sobre as investigações acerca da morte do
poeta granadino.
Agustín
Penón, um barcelonês de nacionalidade estadunidense, chegou a Granada em 1955
com seu amigo William Layton e sua inseparável edição de Romanceiro gitano, de Lorca. Foi um dos únicos pesquisadores, dos
muitos que se dedicaram à pesquisar sobre a vida do poeta, que descobriu sobre
a relação secreta que Lorca manteve com o jornalista Juan Ramírez de Lucas. O
primeiro livro de Marta Osorio seguiu as notas que ele deixou acerca das
investigações nunca concluídas; os mesmos documentos estiveram com Ian Gibson,
outro importante nome na busca pelo desfecho sobre a morte de Lorca e quem
realizou uma edição a partir desse mesmo material visitado pela pesquisadora.
Os dois
textos são, por assim dizer, fruto de uma vontade de continuar o legado deixado
por Agustín Penón e William Layton: um baú com cartas, diários, páginas
datilografadas, fotografias e entrevistas acumulados durante sua estadia em
Granada, onde ficou por dois anos na coleta de informações sobre Lorca. O
trabalho nunca chegou a ser concluído (em parte, porque exercício de Osorio se
configura com esse papel), mas Penón nunca destruiu nenhuma parte do material
levantado e guardou tudo o que foi descobrindo nos dois anos de contínua
investigação.
Quando o
primeiro livro veio a lume, ela lembrou algumas das razões pelas quais o
investigador tenha decidido não publicar seu trabalho: não querer prejudicar as
pessoas que colaboraram com ele, as que se atreveram contar o que sabiam. De
certo modo, ainda era tempo recente para um trauma de proporções assinaladas
ainda quase oito décadas depois, sobretudo, os muitos familiares que nunca
conseguiram encontrar os restos mortais de parentes vítimas do regime de
Franco.
Depois, a
morte repentina de Penón e as circunstâncias em torno de uma viagem a Costa
Rica para visitar seus pais só ressaltaram o mistério em torno das
investigações. Era 1976 e até aquela ocasião tinha conseguido levantar muito
dinheiro como diretor de uma novela radiofônica; o apurado foi investido numa
viagem à Espanha do pós-guerra. Com os pais exilados espanhóis, havia deixado o
país natal quando adolescente; o regresso foi duas décadas depois com
passaporte estadunidense, o que lhe permitiu certa liberdade na dura Espanha
franquista. Foi nessa ocasião que decidiu se colocar frente às investigações
sobre a morte do poeta que tanto admirava. Em Granada conheceu Emilia Llanos,
uma das melhores amigas de Lorca e estabeleceu com ela uma relação muito forte.
Na edição de
agora, Marta Osorio recolhe as cartas entre os dois. A luz principal trazida
pelo texto é sobre a possibilidade de que o corpo de Lorca tenha sido levado da
cova comum onde testemunhas apontaram como o lugar onde ocorreu os tiros que
colocaram um fim na vida do poeta. Ela lembra o pesquisador numa cidade
entregue ao medo, onde o “nome de Federico estava proibido”; possivelmente, a
amiga de Lorca tenha sido ainda uma das poucas que desafiou a imposição da
ditadura franquista e viu, na presença de Penón, uma possibilidade de que o crime
fosse esclarecido. Se ela conseguiu estar, na surdina, mobilizando a ação do
barcelonês, ele terá visto que monstro era grande demais para cutucar com vara
curta.
Se no
primeiro volume, Osorio nos passos de Penón, que percorreu palmo a palmo a
estrada entre Alfacar e Víznar e o barranco onde os franquistas executaram
centenas de pessoas, copia informações fundamentais que desenham possíveis
localizações do corpo (a autora cita uma documentação em que Penón, sabedor da
pressão da Ditadura e com medo de que fosse confiscada, havia sido despachada para Nova York), agora, as cartas expõe
quais os planos que se desenhavam secretamente entre Penón e Llanos.
Um deles era
a vontade de comprar os terrenos que em março de 1957 haviam sido colocados à
venda. Mas, desistiram da ideia, cujo motivo foi revelado dois meses depois: os restos de
Lorca “estavam ali e já não está. Faz muito tempo, se supõe, que está em Madri
com a família. Isso me disse uma pessoa informada”. Penón insiste sobre a
fiabilidade da fonte e Llanos manteve o segredo sobre sua identidade – “uma
alta pessoa”, responde em tom sigiloso com medo de represálias. “Sim, o lugar
foi nas oliveiras, depois o mudaram de lugar”, diz.
Apesar das incertezas
demonstradas pelas cartas, a autora quer chamar atenção para o que é uma tese
importante no caso: o corpo de Lorca teria sido levado pelos franquistas a fim
de evitar que o lugar se convertesse num ponto de peregrinação dos democratas ou mesmo da
própria família. Mas, este não é um tema que chega a ser validado pelo trabalho
de Osorio, embora admita que faz certo sentido essa observação.
O crime de
Federico García Lorca acompanhou as quatro décadas da ditadura em silêncio; o
regime nunca reconheceu oficialmente que houvesse tido alguma responsabilidade sobre
o fuzilamento do poeta. Recentemente, cartas ministeriais e um informe policial
foram apresentados pela Delegacia SER, mas, os registros apenas corroboram na
documentação oficial do envolvimento das autoridades rebeldes na detenção e
morte do poeta.
A
apresentação desses documentos, só reforçam a certeza de que não havia outros
envolvidos no assassinato, e que a morte de Lorca para o regime representava
um perigo e por isso foi algo produzido para não deixar culpados. A sobrinha de
Federico García Lorca, concorda que a própria polícia reconhece aquilo que já é público: o crime contra o tio foi um crime político motivado simplesmente porque
o consideravam socialista, amigo de Fernando de los Ríos, maçom e gay.
E, de
fato, ainda que não apresente as motivações diretas, o relatório datilografado
em 9 de julho de 1965 em Granada por um policial que não se identifica não
deixa dúvidas sobre a responsabilidade política das forças armadas na detenção
e morte do poeta em 1936: “No quartel de Falange, instalado na rua São
Jerônimo, conversava com o chefe do plantão Sr. Miguel Rosales Camacho quando
se apresentaram o deputado eleito pela
CEDA, Sr. Ramón Ruiz Alonso, o Sr. Juan Trescastro, o Sr. Federico Martín Lagos
e um outro que não pude distinguir, com a ordem de detenção enviada a mando do
Governo Civil contra Federico García Lorca”. O mesmo documento relata que
forças dependentes do Governo Civil prenderam o poeta do seu esconderijo e o
levaram a Víznar, onde é “morto por um pelotão de fuzilamento” depois de “confessar”.
Antes desse arquivo vir a lume, o único
documento oficial que existia sobre a morte de Lorca era atestado de óbito
datado de 1940 conseguido de maneira clandestina por Agustín Penón nos anos
1960. O texto desmonta uma versão que circulou durante todo esse tempo
(possivelmente implantada pela polícia) de que Lorca havia sido morto em decorrência
de ferimentos causados pelo envolvimento com a guerra. Sabe-se, ao menos, que o
crime foi um ajuste de contas.
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