Virginia Woolf: o mergulho na consciência através da literatura

Por Neiva Dutra




Ao longo dos anos, muitos movimentos literários encontram nos nomes de seus expoentes máximos a sua melhor definição, as características que os diferenciam daqueles que os precedem. O modernismo não pode ser definido sem Virginia Woolf. A excepcionalidade de sua obra, seu rápido reconhecimento e fama a tornaram essencial a esse movimento literário, consolidando-a como uma das mais significativas cidadãs da sociedade britânica do período entre guerras. Escritora e crítica britânica, ela desenvolveu, através da técnica do monólogo interior, um estilo poético considerado uma das contribuições mais importantes à literatura moderna.

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Adele Viginia Stephen nasceu em Londres, a 25 de janeiro de 1882, filha do biógrafo e filósofo Leslie Stephen. Depois da morte do pai, em 1905, ela e os irmãos passaram a viver com a irmã no bairro de Bloomsbury. Sua casa se converteu no local de reuniões de livres-pensadores e antigos companheiros de universidade de seu irmão mais velho.

Do grupo surgido das reuniões na casa da sua irmã, conhecido como Grupo de Bloomsbury, participaram intelectuais londrinos com Leonard Woolf, com quem se casou em 1912 e, em 1917, fundou a Hogarth Press.

No ano de 1904 começou a escrever artigos e críticas para o jornal The Guardian. Sua primeira crítica foi sobre o livro The Son of Royal Langbrith, de William Dean Howells. Em 1905 passou a escrever críticas para o suplemento literário do jornal The Times, para o qual escreveu regularmente até o final da vida. Também ensinou literatura e história inglesa no Morley College, uma escola para alunos da classe trabalhadora.

Em 1908 produziu sua primeira obra literária, uma peça teatral chamada Melymbrosia, que seria a base para o primeiro livro. Seus primeiros livros, A viagem (1915), Noite e dia (1919) e O quarto de Jacob (1922), manifestam uma firme determinação de ampliar as perspectivas do romance para além do mero ato de narração.

Virginia Woolf e amigos na propriedade de Bloomsbury

Nos livros seguintes, Mrs. Dalloway (1925) e Ao farol (1927), o argumento surge da vida interior dos personagens e os efeitos psicológicos se revelam através de símbolos e metáforas. Os personagens se desenvolvem de acordo com os movimentos de suas impressões pessoais, de seus sentimentos e de seus pensamentos: um monólogo interior no qual os seres e suas circunstâncias normais surgem como extraordinárias impressões da consciência.

O livro de 1925 é, possivelmente, sua obra mais conhecida, contando com uma narrativa “circular” e “não linear” (como ela própria a descreve), que evolui em várias direções, para explorar os aspectos da personalidade da protagonista. Essa exploração se limita ao que ocorre em um dia de sua vida, quando se prepara para uma festa.

Ao farol parte de uma discussão familiar sobre realizar ou não um passeio a um farol para fazer fluir os fantasmas da família Ramsey. No livro, revela os poderes exercidos pela mãe, através de sua feminilidade, e pelo pai, pela masculinidade, e as repercussões que isso tem sobre os outros membros da família. A personagem Lily Briscoe remete à própria Virginia, pois, assim como ela, vive um doloroso conflito de sentimentos, entre a fascinação simbolizada pela fertilidade e o dever sagrado de cuidar do lar e a sua própria inclinação para a criação artística e a liberdade. É uma de suas obras mais pessoais e a própria Virginia revelou que simbolizou, para ela, “o enterro de seus pais”.

Influenciada por Marcel Proust, Virginia introduziu-se na literatura a preocupação com a ideia do tempo: os acontecimentos, em Mrs. Dalloway, por exemplo, se desenvolvem em um espaço de doze horas e o transcurso do tempo se expressa através das mudanças que se sucedem no interior dos personagens, na consciência que têm de si mesmos, dos outros e de seus mundos.

Primeira edição de Ao farol (Hogarth Press, 1927)


Além de Proust, também recebeu influência de Henri Bergson, quem, de fato, terá lhe inspirado nas suas experimentações sobre o tempo narrativo, fazendo desaparecer todos os vestígios de ação e de tramas em suas narrações, buscando captar a vida dinâmica e inacessível da consciência.

De suas outras obras, As ondas (1931) é a mais evasiva e estilizada. Já Orlando (1928), em parte inspirada em um breve caso vivido com a poetisa Vita Sackville-West, é uma fantasia histórica e também uma análise do sexo, da criatividade e da identidade.

As ondas é considerada por muitos tanto a melhor quanto a mais difícil de suas criações literárias. Conta a vida de seis amigos, através dos pensamentos destes. A conexão entre eles não se estabelece pelo diálogo ou pelo que o narrador revela, mas através dos monólogos e alusões interiores de cada um, apresentando seu “fluxo de consciência”, ou seja, as ideias tal como aparecem na mente, rompendo com o senso lógico e a linearidade do monólogo tradicional e criando uma sensação de ondas que vêm e se afastam à medida que a obra avança. A consciência dos personagens evolui e se complica, refletindo a constante renovação da existência, retratada em um tom surpreendentemente impessoal e poético.

No romance de 1928, Virginia cria um personagem como um homem e em seguida o transforma em mulher, usando o personagem para jogar com a identidade sexual, com uma multiplicidade de discursos e de formas pretensamente antagônicas: o eu e o outro; o amor e o ódio; o masculino e o feminino; a fantasia e a realidade; o caos e a ordem; o prazer e a vingança.

Retrata a busca de Virginia por organizar-se após a humilhação sofrida por ter sido abandonada por Vita e, na realidade, converte os sentimentos da autora em uma forma de vingança, defendendo-se de sentimentos de impotência, raiva e perda. Também funde, de forma inseparável e intermitente, Virginia a Orlando/Vita, para criar um laço permanente com aquela que a seduzira e abandonara.

A originalidade do estilo e da vida de Virginia Woolf

O reconhecimento da sua originalidade por parte da crítica da época não veio com os primeiros escritos, mas só dez anos após o lançamento de seu primeiro romance. Em Mrs. Dalloway e Ao farol revela uma técnica e uma ambição experimental destacada, a ponto de introduzir imagens próprias da linguagem poética em suas obras.

Contudo, o que verdadeiramente caracterizou a obra de Virginia Woolf e a converteu em uma inigualável escritora foi a perseverança demonstrada em buscar novos rumos para o romance, afastando-se do realismo predominante na época, além de ter abandonado as convenções tradicionais do eixo narrativo e da descrição dos personagens.

Assim como a consideração mundial que sua obra adquiriu, seus ensaios foram igualmente importantes, especialmente Um quarto só para si (1929), que a consagrou como um dos símbolos do movimento feminista, eminência adquirida com o auge da crítica feminista, nos anos setenta.

A obra trata dos obstáculos e preconceitos que devem ser superados pelas mulheres escritoras. No prefácio, conta ter sido expulsa das bibliotecas universitárias pelo fato de ser mulher. Descreve as barreiras a serem superadas e conclui que para alcançar a liberdade intelectual é necessário ter independência econômica e “um quarto só para si”.

A atmosfera de guerra dos anos trinta fez com que Virginia adotasse outra atitude e outra forma de pensar, diferente do que desenvolvera até então, atribuindo uma nova ênfase aos seus valores e à sua personalidade, que se voltam à intenção de dar uma resposta às pressões dos acontecimentos políticos.

Assim, desenvolveu uma nova forma de expressão, sincronizada com a consciência social da época, em obras como Os anos (1937), escrita com uma técnica mais tradicional e que descreve várias gerações de uma família de classe média, entre 1880 e 1937. Concentrando-se na oposição entre o material e o subjetivo, a obra reflete um tom de frustração e de desespero.

Alguns ensaios dessa época também são notáveis, sobretudo em relação à condição feminina. Em Três Guinéus, publicado em 1938, busca encontrar uma possível solução para os conflitos bélicos, evocando a ideia da desigualdade de oportunidades de trabalho e de acesso ao ensino, o que impediria a formação de um mundo integrado e pacífico. Representa um protesto categórico sobre o lugar das mulheres na sociedade e na política inglesa de sua época.



A última novela, Entre os atos (1941), que foi concluída, embora não revisada, em razão de sua morte, é uma narração amarga, que simboliza as mudanças e a instabilidade que perpassam todos os momentos da vida, o quanto é difícil assimilar tudo o que é vivido e, finalmente, a inutilidade da existência.

Apesar do êxito literário, sua vida foi de instabilidade emocional. Desde jovem sofria de transtorno bipolar, que a levava a constantes crises de depressão. Após terminar o manuscrito de sua última obra, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial e a destruição de sua casa em Londres, uma dessas crises depressivas a levou ao suicídio, em 26 de março de 1941. Vestiu seu casaco, encheu os bolsos com pedras e lançou-se ao rio Ouse.

Seu corpo foi encontrado em 18 de abril e suas cinzas enterradas sob uma árvore no jardim da Monk’s House, em Rodmell, Sussex, atualmente aberta ao público e onde se pode sentir a atmosfera na qual viveu a escritora.

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