E. L. Doctorow
E. L.
Doctorow (Egdar Lwarence) nasceu em Nova York, no histórico distrito do Bronx,
em 6 de janeiro de 1931; filho de um casal modesto, mas culto, de imigrantes
judeus russos – um vendedor de instrumentos musicais e uma dona de casa aficionada
por piano. É um escritor que ocupa desde sempre um lugar singular na literatura
estadunidense da segunda metade do século XX. Sua obra aparece como um verso
solto na exata hora de ocupar um lugar específico e encontrou, entre nomes
muito poderosos, diga-se: Saul Bellow, Philip Roth, John Updike e outros.
Sua escrita
se caracteriza por um formalismo realista
ao lado do novo jornalismo estadunidense;
trata-se de uma espécie de interação pela qual o jornalismo aceita a
subjetividade e a narrativa incorpora elementos da realidade na ficção. Mas, no
caso de Doctorow há, além disso, uma terceira presença: a de certos aspectos da
literatura convencionada pós-moderna, como o uso do coloquialismo ou mistura de
estilos. À vista disso, qualquer um poderá pensar que sua escrita é retalhada,
uma espécie de patchwork literário. Quando,
de fato, não é bem assim. O escritor tem por hábito o manejo com inolvidável habilidade
de um variado repertório de recursos, isto é, sua escrita cumpre uma tendência muito
forte de experimentalismo, o que sempre deu a heterogeneidade de sua obra.
Sua singularidade,
aliás, não foi a de juntar-se no estilo e na forma a esses lugares já habitados
pelos nomes com os quais faz par, mas ter se alimentado da tradição literária
de seu país e ter buscado uma via fora dessas duas correntes sem que sua obra
seja abalada por isso – porque soube imiscuir onde poderia faltar outra
possibilidade literária, uma característica dada apenas aos grandes escritores.
É certo que publicar entre tanto talento sem pertencer a nenhum grupo e alcançar
sozinho (podemos assim dizer) é um feito que parece ser maior do que o daqueles
que se necessitam agrupar-se e-ou etiquetar sua produção literária.
A obra de E.
L. Doctorow é marcada pela capacidade de abarcar assuntos dos mais variados na
história e tempo de seu país; a verdade é que era um homem comprometido com
valores substanciais como os Direitos Humanos, a justiça, a realidade social,
mas, de modo algum foi um escritor de combate nem um escritor de testemunho ou
didático. Em seus romances podem-se encontrar reflexões, ação, compaixão e
lucidez bem dosados, mas sem reduzir-se ao estereótipo da literatura de intervenção
ou mesmo panfletária. Como bem tem designado a crítica, sua obra sempre se
mostrou produto de um trabalho estritamente literário até o ponto em que os
variados enfoques da história, por exemplo, seu grande material, serem sempre
acompanhados de um estilo específico que melhor representasse cada um deles. Um aspecto que poderá despertar no
leitor desavisado a sensação de dispersão, mas nunca de incoerência.
E. L. Doctorow com seu livro Ragtime, na década de 1980 |
Da sua
bibliografia destacam-se várias obras excepcionais sobre as quais está assente
sua consolidada fama. Ragtime, seu
romance de 1975 foi o que o consagrou; em 1981 serviu ao tcheco Milos Forman para
o filme de mesmo título. Título, aliás que faz menção a uma expressão musical
dos Estados Unidos no início do século XX e é com essa estrutura de ritmo
sincopado e de contratempo do rag que Doctorow descreve a vida de uma família
cujos membros são designados como Papai, Mamãe, Meninazinha, Irmão Mais Novo de
Mamãe e Vovô. O autor movimenta personagens históricas, intercalando o
cotidiano da família com figuras e acontecimentos marcantes – o mágico Houdini,
a rotina do arquimilionário J. P. Morgan, o genial inventor Henry Ford, as
lutas da anarquista Emma Goldman, o poder da imprensa, o nascimento do cinema,
as greves trabalhistas. O que interliga essa diversidade de temas é a fuga
silenciosa do Irmão Mais Novo de Mamãe que expõe ainda a riqueza e a miséria de
um país em formação. O grande lugar da
história nessa obra é a de 1900 e da Primeira Guerra Mundial olhadas de uma
Nova York que se tenta despertar por ser o centro do mundo.
Outro título
fundamental, certamente, é Billy Bathgate;
situada no Bronx miserável da década de 1930, em plena Grande Depressão, a
narrativa de um garoto de 15 anos cujo sonho é o de entrar para a gangue do
famoso Dutch Schultz, um bandido que é a glória do bairro. É pela capacidade de
malabarista que ele se torna aprendiz no bando; esse ponto é a chave que
Doctorow utiliza para compor a história da passagem de um menino da infância à
idade adulta, através do mundo do crime e da corrupção. É o próprio Billy que
narra suas aventuras e o encanto que nutre pela vida de bandoleiro. Em sua
capacidade de saltar de um gênero para o outro ou de um tema para outro num
mesmo romance, o escritor estadunidense compõe uma narrativa magistral que é um
retrato da época dos famosos gangsteres em meio a um estilo que logo nos faz lembrar
a escrita de Hammett ou Chandler. Tudo parece alcançar um elevado grau de
realismo, porque passamos a ver o mundo através da memória de jovem que é
testemunha privilegiada sobre um mundo cruel onde o dinheiro é meio de todos os
interesses.
A cidade de Deus (título que no Brasil
saiu com a tosca tradução Deus: um
fracasso amoroso) é, talvez, o seu mais inventivo: uma enorme cruz que
pertence a Igreja de São Timóteo aparece um dia sobre uma sinagoga. É um título
que toca em temas da conturbada relação entre cristãos e judeus com questões sobre
a existência ou não de Deus, os problemas da fé e novamente a história, das perquirições
entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. E este, possivelmente também seu livro
mais inclinado ao pensamento filosófico porque é um romance cuja linha
principal é a busca de Deus como representação da busca de sentido no mundo.
E. L. Doctorow em Paris, anos 1990. |
O livro de Daniel nos leva aos tempos da
Guerra Fria, ao centro do Caso Rosenberg e da atuação dos grupos de esquerda
nos Estados Unidos. Semelhante a Ragtime,
tudo é visto através de uma família, aqui, a tragédia de três gerações de uma
família judia e comunista nos Estados Unidos. A grande marcha que recria a operação militar do general
Sherman na Guerra de Sucessão; O Lago, novamente a Grande Depressão; Homer e Langley sobre um caso que
comoveu Nova York de dois irmãos ricos, solteiros e misantropos que foram
encontrados mortos em seu apartamento e sob uma obsessiva coleção de revistas. E, assim, Doctorow faz uma cobertura
excepcional dos principais lugares da história de seu país e toca em situações caras
não apenas aos Estados Unidos mas à progressiva complexidade história do homem.
Ganhador de
todos os prêmios mais importantes de seu país, desde o National Book Award ao
Pen/Faulkner, Doctorow era, nos últimos anos, um dos favoritos ao Prêmio Nobel
de Literatura. “Nem o conto nem o romance têm regras. E se as tem estão aí para
serem quebradas”, disse certa vez. E o foi um dos que mais se beneficiou desse
pensamento para a composição de uma obra singular. O escritor morreu no dia 21
de julho de 2015.
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