Arthur Miller, contra vento e maré (e algumas obras fundamentais)
Por Marcos Ordóñez
Quando Arthur Miller estreou “A morte de um caixeiro-viajante”
(1949), uma de suas obras mais populares, pulverizou, de um só golpe, os
lugares comuns do teatro estadunidense: que a tragédia estava reservada aos
heróis e que o realismo crítico havia morte no final dos anos 1930 (e, de
passagem, que qualquer peça com a palavra morte
no título era veneno para a bilheteria). Se “Todos eram meus filhos” (1947),
sua primeira peça, havia nascido à sombra de Ibsen, com a segunda, Miller
entrou de cheio na tradição nacional
de Eugene O’Neill, Thornton Wilder, Clifford Odets e o teatro iídiche.
“A morte de um caixeiro-viajante”, dirigida por Elia
Kazan e protagonizada por Lee J. Cobb e Mildred Dunnock, obteve êxito sem
precedentes: ganhou o Pulitzer, o Tony para Melhor Autor e o troféu do Círculo
de Críticos de Nova York. Ao acabar sua primeira temporada havia arrecadado
1,250 milhões de dólares e permaneceu dois anos seguidos em cartaz com 742
encenações. O triunfo levava consigo uma condenação: todas as suas peças
posteriores iam sofrer a inevitável comparação com aquela largada triunfante.
“As bruxas de Salém” (1953), alegoria da caça às
bruxas do senador McCarthy, lhe valeu o Tony de Melhor Obra, mas obteve mais
críticas hostis e não chegou a duas centenas de apresentações, embora recuperou
o fôlego na produção europeia protagonizada por Ives Montand e Simone Signoret.
Algo parecido aconteceu com “Um panorama visto da ponte”, talvez sua obra mais
poderosa.
Em 1955, estreou sua versão em um ano, em programa
duplo com “A lembrança de duas segundas-feiras”, elegíaca evocação de sua
adolescência durante a Grande Depressão, e teve menos espectadores que “As
bruxas de Salém”. No ano seguinte, já em versão de dois atos, “Um panorama
visto da ponte” foi melhor recebida em Londres, às ordens de Peter Brook, com
uma grande interpretação de Anthony Quayle.
Em 1957, Miller se negou a dar nomes ante o Comitê de
McCarthy, ao contrário de seus dois melhores amigos, Elia Kazan e Lee J. Cobb,
artífices de seu primeiro êxito. Passou então à lista negra, embora sua causa
tenha sido ganha no tribunal de apelações um ano depois. A imprensa
estadunidense da época forjou dois clichês que coloram como designativos: para
uns, era “o perigoso comunista” e para outros “o marido de Marilyn”, com quem
havia se casado em 1957 e se divorciaria em 1960.
Para Marilyn escreveu o esplêndido e desolado roteiro Os desajustados (1961), o filme de John
Huston. E ela está, de igual maneira, no
centro de “Depois da queda” (1964), sua obra mais pessoal (e também mais
desequilibrada), quase um “Miller oito e meio”, onde tentou abordar em clave
psicanalítica sua tormentosa relação matrimonial, sua trajetória como autor e a
culpa do Holocausto. A função foi pessimamente recebida pelos críticos que o
acusaram de querer ajustar contas com a atriz e aproveitar-se de sua trágica
morte.
Recém-casado com a fotógrafa Inge Morath, Miller
visita o campo de extermínio de Mauthausen enquanto cobria os julgamentos aos
nazistas em Frankfurt para o New York
Herald Tribune, experiência da qual surgirá Incidente em Vichy (1964), uma nova obra em um ato de apresentação
fugaz (32 apresentações) pela Broadway e que em Londres contaria com um ator de
excelência: Sir. Alec Guinness.
Em 1968, estreia “O preço”, seu último sucesso: uma
personagem de comédia, o velho e vitalíssimo Gregory Solomon. No ano seguinte
sua obra é proibida na Rússia pelo apoio que, como presidente do Internacional
Pen Club, presta a escritores dissidentes. Durante esses anos, viaja com sua
companheira pelo mundo; segue colocando em cena suas peças em países como China,
Turquia, e escreve livros sobre essas experiências. Em toda parte, é recebido
como um clássico vivo, mas é cada vez mais difícil produzir em sua terra natal;
quando consegue, obtém magros resultados, como as vinte apresentações de The creation of the world and other business
(1972) no Shubert Theatre da Broadway, ou as doze, sua cota mais baixa, de The american clock (1980), em Biltmore.
Nos anos 1990, Miller volta à cena com a ambiciosa Broken Glass, na qual aborda a tomada do
poder pelos nazistas (a tristemente célebre “noite dos cristais quebrados”), e
volta a chocar com o desinteresse do público e da crítica: pouco mais de
setenta apresentações no Both Theatre. O maior triunfo dessa década, sem
dúvidas, será a publicação de suas extensas memórias, Times Bends (1987) e alguns outros prêmios de reconhecimento do
mérito, como o Príncipe de Astúrias, em 2002, e o Prêmio Jerusalém no ano
seguinte. Dois anos depois estreia no Goodman Theatre de Chicago Finishing the Picture, peça sobre sua relação
com Marilyn Monroe; quatro meses depois morreu, aos 89 anos, em Conecticut.
AS OBRAS FUNDAMENTAIS
A morte de um caixeiro-viajante
Escrita em 1949, o texto subverte a clássica história da queda trágica do herói para contar a história de Willy um vendedor de
sessenta e poucos anos que vê sua vida familiar e profissional sucumbir à
revelia de sua ilusão de grandeza. Willy crê representar o típico herói do
sonho americano, por mais que o relativo fracasso de sua vida deponha em
contrário. A ambígua relação de dependência com o filho Biff, no qual projeta o
sucesso que ele próprio gostaria de ter alcançado, é o principal conflito da
trama. Em sua estreia em 1949, a peça teve 742 apresentações e garantiu a
Miller um Pulitzer e um Tony, entre outras premiações.
As bruxas de Salém
A história é baseada em eventos verídicos que ficaram conhecidos
como os Julgamentos das Bruxas de Salém. No ano de 1692, em Massachusetts, cerca
de 150 pessoas foram processadas por bruxaria, resultando em várias execuções.
Escrita no início dos anos 1950, a peça é uma alegoria do macarthismo,
perseguição anticomunista empreendida nos Estados Unidos nesse período, e da qual o Miller
foi vítima, quando o interrogaram e condenaram por não denunciar os colegas
comunistas. O próprio Miller adaptou a peça para o cinema em 1996, em produção
estrelada por Daniel Day-Lewis e Winona Ryder.
Todos eram meus filhos
Publicada em 1947, a peça conta a história de Joe
Keller, um típico pai de família que se vê responsável pela morte de pilotos
americanos na Segunda Guerra Mundial - seu filho Larry incluído - depois de vender
peças defeituosas ao exército. Levantando questões sobre responsabilidade
social e a validade dos ideais americanos da época, a peça antecipa temas que
seriam retomados em "A morte de um caixeiro-viajante" e foi um sucesso
de público. Dirigida por Elia Kazan, um ano mais tarde ganhou adaptação para o cinema com Edward G. Robinson e Burt Lancaster como protagonistas.
Um panorama visto da ponte
Encenada pela primeira vez em 1955, gira ao redor
de uma família de imigrantes italianos que vive num bairro sob a Ponte do
Brooklyn, numa comunidade pautada pelos códigos sociais dos sicilianos. A
espiral trágica do estivador Eddie Carbone tem início quando dois parentes de
sua esposa chegam da Itália e um deles se envolve com sua afilhada Catherine.
Ligações a esta post:
* O texto é uma versão livre para "Arthur Miller, contra viento y marea", de Marcos Ordóñez, publicado no El País. As sinopses sobre as peças foram copiadas do site da Companhia das Letras, editora que publicou todos os textos citados nessas indicações num único volume, A morte do caixeiro-viajante e outras 4 peças com tradução de José Rubens Siqueira.
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