Mário de Andrade


Mário de Andrade. Foto: Jorge de Castro

Eu sou um escritor difícil 
Que a muita gente enquisila,
Porém essa culpa é fácil 
De se acabar de uma vez:
E só tirar a cortina
Que entra luz nesta escuridez.

Os versos estão no livro A costela do Grão Cão, obra de Mário de Andrade que só veio a lume, apesar de escrito entre 1924 e 1940, em 1941. Eles reforçam duas coisas: uma, o escritor tinha consciência sobre o que durante toda uma vida, e depois dela, sempre o acusaram – o hermetismo de sua obra; outra, estamos diante de um dos nomes mais irreverentes da literatura brasileira. As duas constatações são produzidas como definidoras de um contexto cultural do qual o paulista foi um dos grandes incentivadores: o modernismo cuja chegada é geralmente atribuído a realização da Semana de Arte Moderna de 1992.

Noutras palavras é possível dizer que a figura de Mário de Andrade se confunde com aquilo que o movimento preconizava. Antonio Candido relembra-o ao lado de Oswald de Andrade como criaturas dada a irreverência desde os modos de se vestir, acentuado pelas roupas de um colorido extravagante. Não tardaria ser chamado de um louco qualquer, dado a modismos, conotação, tanto tempo depois desconstruída, porque esse louco tinha uma compreensão multiforme sobre o que era o Brasil de seu tempo e o que sonhava para a arte nacional adquirir de vez era um estatuto que a caracterizasse como genuinamente brasileira e não cópia daquilo que se produzia na Europa.

É evidente que, nesse processo, o vanguardismo europeu, todo pautado na destituição da tradição terá contribuído e muito para uma soltura do espírito criativo dos do grupo de Mário de Andrade. Criação, formação educacional a muito distante dos números vergonhosos da educação brasileira e dedicação a um projeto que não foi executado a duas mãos (Mário esteve em contato com gente de todo o país e do mundo numa época em que a única forma de comunicação ainda era a correspondência) fizeram do nome Mário de Andrade figura indelével para a cena cultural do país com reflexos visíveis até hoje. Afinal, o que é significa a pluralidade de escritas e o acurado exercício estilístico de poetas e prosadores na contemporaneidade do Brasil se não certo zeitgeist do Mário de então.

O trabalho de Mário de Andrade foi cumprir um retorno às formas genuinamente literárias do nosso país advindas ainda do período quando deixamos de ser colônia e realimentar essa ideia original com novos elementos que significasse para o momento contemporâneo e, claro, para as gerações futuras; não podemos dizer que o escritor tenha sido apenas homem de seu tempo que, claro, sabemos que foi. Mas toda grande mente guarda um interesse de significar para os sucessores, afinal, ao irmanar-se com um passado, tem ele uma compreensão de que a cultura é uma continuidade assinalada por rupturas. Isto é, retornar ao projeto nascido com as primeiras formas literárias do país não é mero reforço ao que era cultivado no passado, mas reverência e ponto para recriação. Aquilo que terá sido definido como uma antropofagia – apropriar-se da cultura do outro para fazer nossa própria cultura – não se referiu apenas a um exercício interculturas, mas um exercício de comunhão com a nossa própria produção cultural.

Na Rua Aurora eu nasci
Na aurora da minha vida
E numa aurora cresci.

À rua Aurora, em São Paulo, foi de fato, onde Mário de Andrade nasceu. Era outubro de 1893. E como registra parte significativa dos traços biográficos do escritor, teve uma infância feliz; cresceu em meio a irmãos, primos, primas, tios e tias, como acentua João Luiz Lafetá num dos ensaios de A dimensão da noite, conjunto de textos compilados por Antonio Arnoni Prado. Depois da rua onde nasceu foi viver na rua Paissandu, onde passou a mocidade e, por fim na rua Lopes Chaves, lugar onde recebeu muita gente de toda parte do Brasil. A irreverência de Mário era coisa contagiante porque o fazia homem dado ao mundo, sem firulas. Não fosse isso e não teria passado pelos lugares mais improváveis do país.

Mário de Andrade no Amazonas em 1927.

Dissemos sobre a educação privilegiada, mas Mário não era filho de gente rica; quando muito de uma família pequena burguesa daquelas que se fizeram pelo seu próprio esforço. Foi mais um aprendiz porque não contou com os privilégios de certa elite paulista, muitos deles seus amigos, que estudaram em escolas importantes e viajaram muito para fora do país. As viagens pelo Brasil, por exemplo, terão sido conseguidas graças a ajuda da quantidade de amigos que fez país afora – não foi um homem que tenha tido a sorte de um Oswald de Andrade, por exemplo. E, o itinerário pelo Brasil ficou restrito a três incursões: uma às cidades históricas de Minas Gerais em 1924; outra ao Amazonas, em 1927; e uma ao Nordeste entre os anos de 1928 e 1929. Foram, entretanto, suficientes, como disse Lafetá, a possibilitar a pesquisa livresca (o escritor foi um acurado leitor) e da realidade do país, integração fundamental à composição de obras como Macunaíma, Clã do jabuti e outras e, claro, para construção da extensa riqueza vocabular na escrita dessas obras e na composição de seu hermetismo poético.

Pelo trabalho ativo com a linguagem não terão faltado acusações de construir uma obra apartada das grandes questões sociais – o que não é verdade. É fato que os modernistas terão  preferido um maior fechamento de sua obra, mas depois da Revolução de 1930 todos começaram a interessar-se por questões além da estética literária. Mário de Andrade avançou com outras alternativas de homem engajado socialmente.

Eduardo Jardim quem publicou uma importante biografia do escritor em 2015 (Eu sou trezentos – vida e obra de Mário de Andrade) lembra que em 1935, Mário foi chamado para assumir o Departamento de Cultura de São Paulo, projeto pelo qual dedicou todo seu empenho no interesse de expandir a cultura e dar um novo ritmo à parada vida cultural da cidade paulista. O interesse de Mário nessa ocasião era difundir cultura erudita para as camadas sociais das mais diversas. Criou projetos como as exposições no Viaduto do Chá, as bibliotecas ambulantes. Isso foi durante quatro anos. Mas, com a chegada de Getúlio Vargas ao poder e a implementação do Estado Novo fizeram as iniciativas ser abortadas e outros planos seus engavetados. Essa situação teria levado o modernista a um período de frustração. Esta fase da vida parece ter sido uma das mais pesadas para o escritor, não apenas por um sonho de pura dedicação fora cortado, mas porque apagavam-se as chances de ver outro perfil do brasileiro médio. Incluir não era palavra de ordem do regime dominante e o reflexo de tudo isso não apenas paira como uma sombra negra do passado, mas justifica-se nos índices ainda alarmantes de acesso ao patrimônio simbólico da parte do brasileiro.

Mário de Andrade em 1916.

A situação política o fez sair de São Paulo e ir para o Rio de Janeiro, onde foi ser professor de Estética na Universidade do Distrito Federal, numa época, claro, que a capital carioca era a capital do país. Nessa ocasião também trabalhou no Ministério da Educação e foi um dos mentores do plano de criação de uma Enciclopédia Brasileira. É nesse período que Mário volta a dedicar-se à crítica sobre literatura e cultura para os jornais, algo que havia sido há algum tempo abandonado. Inadaptado ao Rio, voltou para São Paulo, para de lá, não sair mais; apostou então seus esforços no Serviço do Patrimônio Histórico que ajudou a criar. E retornou à sua obra. É quando escreve a famosa conferência “O movimento modernista”, na qual faz um balanço crítico sobre sua geração.

João Luiz Lafetá concorda que a obra de Mário de Andrade pode ser lida a partir, então, de duas características principais: a primeira, nascida da irreverência, pela diversidade. Não escreveu apenas crítica literária, poesia, romance e ensaio – para citar os gêneros sobre os quais citamos até agora. Produziu um extenso trabalho de compilação sobre a cultura e folclore brasileiros, dedicou-se e muito à música (Bandeira o disse que era um ser não nascido para a literatura; fez o Conservatório Dramático e Musical em São Paulo, foi aí professor de piano, história da música e estética musical). A segunda pelo exercício de engajamento, fato que não deve, portanto, ser depreciado de sua literatura.

Mário de Andrade no ano em que publica Há uma gota de sangue em cada poema


Desde o primeiro livro de poesia Mário é um interventor. Há uma gota de sangue em cada poema, o título de estreia, é marcado pelos acontecimentos da Primeira Guerra Mundial, “mostra um poeta social sensível às carnificinas dos campos de batalha e disposto a combater pela paz”, lembra Lafetá. Os versos publicados em 1917 sob o pseudônimo de Mário Sobral, exibem a dupla funcionalidade do poeta que seria acentuada mais tarde. Trata-se de um livro pouco lembrado. Manuel Bandeira achou os textos ruins, mas de “ruim esquisito” e constatou que já havia aí “uma evidente procura de formas novas e novos elementos de expressão”.

Mas, antes de Macunaíma, o livro que terá projetado Mário de Andrade foi Pauliceia desvairada. A obra foi escrita em 1920; nesse mesmo ano, Oswald de Andrade fundou a revista Papel e tinta e em novembro publicou um artigo intitulado “O meu poeta futurista”, onde transcrevia alguns poemas da obra de Mário. Mas o livro só foi publicado dois anos mais tarde. De linguagem retórica, com exagero de sinal ética, o título é, ao olhar de Lafetá uma “realização formal insuficiente, incapaz de conter e de expressar de modo eficaz a emoção que tomava o poeta”. Mas, Pauliceia fez sucesso. Nada tinha de futurista, lembraria mais tarde Manuel Bandeira, e o que se encontra na obra está definido no “Prefácio interessantíssimo” escrito pelo próprio autor como “desvairismo”. 

“Quando sinto a impulsão lírica”, explicava Mário, “escrevo, sem pensar, tudo o que meu inconsciente grita. Penso depois: não só para corrigir, como para justificar o que escrevi. Acredito que o lirismo, nascido do subconsciente, acrisolado num pensamento claro ou confuso, cria frases que são versos inteiros, sem prejuízo de medir tantas sílabas, com acentuação determinada. Arte que, somada a Lirismo, dá Poesia, não consiste em prejudicar a doida carreira do estado lírico para avisá-lo das pedras e cercas de arame do caminho: deixe que para tropece, caia e se fira. Arte é mondar mais tarde o poema de repetições fastientas, de sentimentalidades românticas, de pormenores inúteis ou inexpressivos. Que Arte porém não seja limpar versos de exageros coloridos”. E citava duas imagens pescadas na tradição clássica: uma de Shakespeare, “O vento senta no ombro das tuas velas!”; a outra de Homero, “A terra mugia debaixo dos pés dos homens e dos cavalos”. Para dizer que ali nada havia de novo. Manuel Bandeira definiu Paulicéia desvairada como “um desabafo de abafado: um poeta cantando, chorando, rindo, berrando. Sobretudo berrando. Berrando em sátiras duras contra o que ele chamava o “cauteloso pouco-a-pouco” da burguesia satisfeita.

Mário de Andrade com Cândido Portinari

Com Pauliceia desvairada Mário de Andrade tornou-se o “papa do Modernismo” porque, satisfeito com o sucesso do livro, abraçou a causa e foi um combatente estético – nos jornais e nas revistas. Do desvairismo do livro de 1922, dois anos depois publica O losango cáqui. O princípio era o mesmo da obra anterior. “São impressões de um mês de exercícios militares. São, na veste arlequinal, o losango da cor do uniforme. Não se trata de verdadeiros poemas, senão de anotações líricas desses dias em que o Poeta, ‘defensor interino do Brasil’, se inebriou de ‘manhã e de improvisos’”, lembra o amigo Manuel Bandeira.

Depois, em 1927 e 1930, respectivamente, aparecem Clã do jabuti e Remate de males, livros que trazem um Mário de Andrade com feição mais ou menos definida. São desses títulos, poemas como “O poeta come amendoim”, “Carnaval carioca”, “Noturno em Belo Horizonte” e outros inspirados nas tradições do folclore brasileiro; ocorre aqui o desvinculamento do que Antonio Candido definiu como marca do primeiro momento do Modernismo no Brasil: um apagamento do traço vindo das vanguardas artísticas europeias para se centrar naquilo que o país poderia oferecer de melhor ao poeta. É claro que desde O losango cáqui que essa dedicação à cultura nacional já era manifestada.

A estreia como romancista se dá em 1927, com a publicação de Amar, verbo intransitivo, uma obra que “exibe uma técnica narrativa moderna, analisando as motivações das personagens e mostrando a impossibilidade de conhecê-las inteiramente. Sua inspiração vem de Freud e da psicanálise, mas a descrição da vida burguesa em São Paulo e tonalidade geral do relato nada têm de cópia de modelos estrangeiros”, assinala João Luiz Lafetá.

No ano seguinte apresenta Macunaíma, tornado desde sempre o clássico indispensável ao leitor da literatura brasileira. O livro nasceu de um transe. Estava na chácara do tio Pio e a partir de uma ideia que lhe veio ao acaso, ficou seis dias numa rede “entre cigarros e cigarras” e escreveu a obra. É claro, que todo o ano de 1926, quando escreveu o romance a que chamou de rapsódia, foi dedicado à revisão do livro. A denominação "rapsódia", diz Lafetá “alude à construção do livro, que é composto, como a forma musical que tem esse nome, pela justaposição de trechos de procedência variada, que entretanto ganham grande unidade no conjunto da composição. Tomando como fio condutor a personagem Macunaíma, herói de um ciclo mitológico da Amazônia, Mário faz uma colagem dos mais diversos fragmentos, combinando as lendas dos índios com as anedotas da história brasileira, a vida cotidiana nas cidades do Sul, com os costumes do Nordeste etc. A geografia e o tempo do romance são totalmente subvertidos, de modo que seu ‘herói sem nenhum caráter’, pode, num mesmo capítulo, estar na cidade macota de São Paulo, viajar o mítico rio Uraricoera, encontrar o minhocão Oibê, assombração, e fugir dele disparado, correndo pro Sergipe, pela Bahia, por Campinas e por Santo Antônio do Mato Grosso, encontrando personagens reais ou lendárias da história do país”.


Mário de Andrade e Câmara Cascudo, no Rio Grande do Norte. 

De tudo cabe em Macunaíma. Carlos Augusto Calil, curador da mostra “A morada do coração perdido”, cita as viagens de Mário pelo país e sua pesquisa sobre folclore e costumes como influenciadores da obra, mas há a leitura de obras de cunho diverso que serviram ao escritor no processo de bricolagem da escrita, como De Roraima ao Orinoco, uma peça científica escrita pelo etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg que relatava a história do mito indígena da Venezuela com o mesmo nome da obra; estão aí fragmentos de Capistrano de Abreu, Couto de Magalhães... Eduardo Jardim lembra que Mário de Andrade admitiu ter “plagiado” muita coisa nesse processo de criação. “Resolvi escrever porque fiquei desesperado de comoção lírica, quando percebi que Macunaíma era um herói sem nenhum caráter nem moral nem psicológico, achei isso enormemente comovente nem sei por quê”.

A crítica (inclusive a de conceituados ao redor do mundo) insiste em apontar uma possível resposta para essa dúvida de Mário de Andrade. Sensível à história de formação do povo brasileiro, o herói sem nenhum caráter incorpora o que há de mais genuíno do nativo, sobretudo por sua expressividade. Há ainda, conforme relata André Botelho em De olho em Mário de Andrade, a viagem empreendida pelo avô materno e pelo pai através dos rios Vermelho, Araguaia e Tocantins, chegando até o Pará, evento que certamente teria marcado muito as narrativas familiares no ambiente em que cresceu o escritor. “Este não apenas faria, anos mais tarde, seu Macunaíma percorrer caminhos e viver situações semelhantes às relatadas pelo avô no livro que publicou sobre a viagem — Apontamentos de viagem de São Paulo à capital de Goiás, desta à do Pará, pelos rios Araguaia e Tocantins e do Pará à Corte: Considerações administrativas e políticas —, como ainda parodiou o título desse livro no relato da viagem que fez à Amazônia em 1927, chamado O turista aprendiz: viagens pelo Amazonas até o Peru, pelo Madeira até a Bolívia por Marajó até dizer chega!"

Macunaíma no cinema. A obra recebeu aplausos de Veneza aos Estados Unidos.

E obra fez amplo sucesso. A adaptação para o cinema por Joaquim de Pedro Andrade em 1969 chamou atenção da crítica no Festival de Veneza, recebeu elogios do The New York Times como um “artefato gloriosamente do seu tempo” com comparações a Fellini e John Waters. Foi para o teatro em 1978. Peça no embate contra os anos negros da Ditadura Militar. Não foi apenas a linguagem que chamou atenção dos leitores, Macunaíma poderia ter causado uma celeuma maior se tivesse sido, empolgado pelos elogios de Manuel Bandeira, editado com algumas das cenas que o próprio censurou porque considerava pornográfico.

Mas, muito de Mário ainda viria. A década de 1930 é considerada pela crítica como o ponto de maturidade do escritor. Foi nesse ano que voltou à poesia com Remate de males, onde realiza um balanço sobre sua produção poética do Modernismo. “Poemas da amiga” e “Poemas da negra” são definidos por Lafetá como textos feitos para serem lidos em silêncio. O poeta abandona o jeito espevitado modernista com o nacionalismo pitoresco e mergulha em si para sondar sua intimidade.

Depois, cada vez mais exigente com o trabalho da escrita, levará treze anos para publicar um novo livro; já então fazia um balanço sobre sua poesia. Pensou no projeto de organização integral de sua poesia num só volume que chamou de Poesias. É quando aparecem o inédito citado na abertura deste texto e Livro azul. Este um livro-contraponto que acentua essa marca do poeta reflexivo, de tom esmaecido e silencioso de Remate de males. “É a literatura da intimidade, composta numa linguagem abrandada e doce, como se desejasse penetrar no interior das coisas”, lembra Lafetá.

Mas é também o poeta de intervenção, revoltado com a miséria e a exploração do capital. Os poemas desse tom, como se um regresso ao início da carreira foram escritos durante o período ditatorial e reunidos em duas edições que o poeta não ousou publicar e saíram postumamente, em 1946, Lira paulistana e O carro da miséria. “Aí a linguagem se torna contundente, a intimidade é exibida pelo avesso, a doçura desaparece, e fica apenas o grito doído de protesto contra as injustiças sociais. Em O carro da miséria, procura deliberadamente um estilo dilacerado  que vai da paródia ao grotesco, deformando palavras e utilizando termos chulos, no intuito de exprimir desespero e nojo. Em “A meditação sobre o Tietê”, longo poema que fecha a Lira paulistana, escrito em poucos dias antes de sua morte, ele repassa de maneira impressionante lutas e amores, amarguras e esperanças, como se fosse de fato um testamento poético que, ao mesmo tempo, se apresentasse como um testemunho político de oposição”, acentua Lafetá.

Por falar em livros póstumos, em 2015 a bibliografia do escritor brasileiro recebe mais um título. Durante boa parte da vida, Mário de Andrade esteve dedicado a escrever Café, um "romance de 800 páginas cheias de psicologia e intensa vida", como afirma numa das cartas ao amigo Manuel Bandeira em julho de 1929. Mas, a ideia tomou outro curso e o texto acabou tornando-se matéria para uma ópera coral, finalizada em 1942; seu interesse era confiar a partitura musical de seu experimento dramático a Francisco Mignone, o que também não aconteceu porque Mário morreu em 1945.

É esse inédito que é finalmente publicado. Trata-se de um texto marcado pela inspiração nas mais diversas matrizes poéticas e musicais da cultura popular brasileira e um esboço crítico sobre a decadência da economia cafeeira na São Paulo de depois da Crise de 1929. Novamente o leitor encontra um Mário engajado por retratar a deterioração das relações de trabalho num momento em que os barões do café, os "Donos da Vida", cedem à contingência da reordenação econômica mundial, o que os leva a queimar quase toda produção de café para obter lucro sobre o que restar.

E há outras faces de Mário de Andrade: o contista (Os contos de Belazarte, 1934; o póstumo Contos novos, 1974); o crítico literário, sobre o qual mencionamos quando dissemos de seu exercício no gênero na imprensa carioca (Aspectos da literatura, 1943; O empalhador de passarinhos, 1944); o ensaísta (O banquete, 1978); o cronista (Os filhos de Candinha, 1943).

Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta,
As sensações renascem de si mesmas sem repouso,
Ôh espelhos, ôh Pireneus! Ôh caiçaras!
Se um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!

Aí está um poema cujo verso é síntese para a diversidade de Mário de Andrade. Por qual deles você quer começar a conhecer? Abaixo deixamos um catálogo com os poemas selecionados por Manuel Bandeira.



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