Praia do futuro, de Karim Aïnouz
Por Pedro Fernandes
Há muito que já não faz mais sentido a expressão: o cinema brasileiro não presta. Talvez o que nos falte é justamente descobrir as boas investidas no gênero, afinal, os grandes conglomerados cinematográficos estão muito presos ao tipo comercial, aquele que tem cobertura pela grande mídia e que às vezes a única aposta feita é a de tentar arrancar à força um riso do espectador com a falsa ideia de ser uma peça de humor. Aquilo que circula no grande circuito é, de fato, muito ruim, com raras exceções.
Aïnouz é
nascido em Fortaleza e tem no currículo produções fabulosas como Madame Satã (2002), O céu de Suely (2006) e agora Praia
do futuro (2014), uma narrativa que se desenvolve entre Brasil e Alemanha. Nos
dois últimos títulos, o cineasta aposta na história simples, sem efeitos
mirabolantes; aposta na força da forma de contar e do registro fotográfico. E consegue. Logo, alcança a essência
da arte cinematográfica.
O filme que
teve estreia no Festival de Berlim acompanha o desenvolvimento da vida de três homens
a partir de acontecimentos que – por decisão sua ou não – conduzem a outro
destino inesperado. Poderia mesmo ler como um retorno ao tema da relação entre o homem e o
seu futuro. E caberia nessa observação a pergunta: é o destino que nos controla
ou somos nós que controlamos o futuro.
Ao
dedicar-se a história desses três homens, o cineasta não privilegia uma
história em lugar da outra, embora faça do imbróglio para seu desenvolvimento,
elemento fundamental. Sim, há para tudo, um ponto de partida. E é custoso
equilibrar esse ponto com as outras vertentes que aparecem ao longo da construção
da narrativa. Assim, é da impossibilidade de Donato, um guarda-vidas, de salvar
da morte por afogamento um turista alemão, que acontecerá o encontro com o
Konrad. Este é o imbróglio em questão.
A convivência
de Donato com as buscas pelo corpo do companheiro de Konrad e o envolvimento com a
situação o conduz violentamente a ocupar o lugar da perda. Ao se fazer amigo do
alemão, Donato vive a possibilidade de, num período de férias, viajar pela
primeira vez a Europa e dessa viagem se permitir a um rumo nunca antes pensado pela personagem. A aproximação então ainda mais consolidada leva-o a
decidir por ficar fora do Brasil. Por coragem de apostar um novo recomeço ou
por medo e covardia de não conseguir ser quem de fato é no lugar onde nasceu e
viveu até a idade adulta?
Entre Donato
e Korand está Ayrton, irmão mais novo do guarda-vidas. E essa personagem é a responsável
por introduzir na narrativa essa interrogação, claro, num mesmo instante em que
atravessa uma correnteza de perdas que o levará investir toda esperança na
busca por Donato. Nesse instante é preciso sublinhar a força, o despojamento e
a sensibilidade com que Wagner Moura e Jesuíta Barbosa encarnam a narrativa. O
talento dos dois recria a forma da intriga entre irmãos – um dos temas caros à
cena narrativa desde Abel e Caim, aqui, com um desfecho não-trágico, embora, a
todo momento não escape do espectador essa possibilidade.
É necessário
sublinhar ainda a fotografia; a forma como a Praia do Futuro e a Alemanha, os
dois cenários onde se desenvolve a narrativa, são dispostos de maneira antagônica,
mas que não se excluem. Enquanto um é regido por uma liberdade sem fim e o
outro por uma atmosfera de emparedamento, os dois cenários se confundem pela
mesma maneira de trazer para o espectador uma aterradora imagem de perigo
iminente. Em simultâneo, são cenários marcados pela ideia de fuga e de
abandono, de perda e recomeço.
Mais que a
possibilidade de se reinventar, Praia do
futuro, mergulha numa bela, intensa, arrebatadora história de amor. A cena
em que as personagens de Wagner Moura e Clemens Schick, isolados de toda a
sorte de burburinhos do mundo, dançam apaixonadamente e cantam como se no chuveiro
“Aline”, do francês Christophe é um dos pontos altos do filme e dessa história
de amor. São quase dois minutos que respondem pelas caracterizações que esta
notas uma vez esboçaram: aí está a beleza, a leveza e a sensibilidade com que
Aïnouz trata a narrativa.
E não é para isso que existe o cinema? Seduzir-nos
pelas pequenas coisas que logo ganham uma dimensão sem limites?
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