Relato de um náufrago, a história extraordinária de um homem comum
Por José Ovejero
Mudar o estilo de uma narração altera seu significado. Mudar o estilo é
contar uma nova história. Quando o jovem jornalista Gabriel García Márquez
escreveu pela primeira vez esta narrativa em 20 textos publicados como folhetim-reportagem
diariamente no jornal El Espectador,
quase todos os colombianos acreditavam conhecer os feitos.
A ditadura de Rojas Pinilla havia criado e difundido o sucesso de um
conto épico: o destroier naufragado em alto mar tomado pela tempestade; dramático.
Os oito homens que caem na água e desaparecem; heroico. O marinheiro capaz de
sobreviver numa balsa depois de passar 10 dias sem comer nem beber. Música militar,
fanfarras, loas à pátria. O protagonista Luis Alejandro Velasco havia repetido
essa versão em numerosas entrevistas.
A história que conta García Márquez, embora com feitos parecidos, é
outra: o destroier afunda não pela força das circunstâncias mas porque a carga
que leva de contrabando está mal distribuída. E os sobreviventes são salvos
mais pela casualidade que por sua vontade de fazê-lo. O tom intimista e
coloquial transforma a narração assim como as novas informações. Nesse tom não se
pode contar algo que exalte o orgulho nacional.
É sabido que, quanto mais ferozes são os ditadores mais necessitados estão
de uma épica patriótica através da qual possa ocultar sua violência. E Rojas
Pinilla não achou de bom tom que ridicularizassem a versão oficial. E o escritor
foi aconselhado pelas autoridades a abandonar o país; logo depois o jornal foi
fechado.
Assim, o êxito da nova versão do
naufrágio deveu-se em parte a, na forma e no tom, deixar em descoberto as
mentiras do regime. Mas se hoje segue interessando-nos, embora desconheçamos o contexto
político, é mais por razões relacionadas com o estilo e com a habilidade
narrativa.
Vargas Llosa escreveu que o mais difícil era descrever os dias quase idênticos
e vazios de Velasco em alto mar “sem incorrer em repetições ou cair na truculência”.
García Márquez consegue mediante uma personagem que narra em primeira pessoa
com naturalidade e também com certa ingenuidade o que se sucedeu, passando do
banal ao trágico como quem sabe a linha que os separa é na maioria das vezes indistinguível,
que na vida esses rótulos não têm sentido.
Sem dúvidas, por trás dessa naturalidade há uma cuidadosa composição:
os sucessos que rompem a monotonia estão perfeitamente dosificados, também os
momentos esperança e de desalento. A lentidão se converte em ritmo. Mas o que
dá autêntica força ao livro é seu peculiar uso do suspense.
Um cronista conta histórias cujo final o público frequentemente já conhece,
e por ele deve ser capaz de criar interesse e tensão não ocultando o desenlace,
mas através dos detalhes que levam a ele. Por isso o narrador deste conto
anuncia com frequência o que vai acontecer antes de contá-lo. Aí está a semente
de um estilo e daquele romance começa dizendo “No dia em que iam matá-lo...” Mas isso
é já, literalmente, outra história.
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