Alegorias dramáticas do herói romântico (Parte 3)
Por Leonardo de Magalhaens
© Eugènie Delacroix. O prisioneiro de Chillon |
O lado menos sombrio – ou o mais idealista ou satírico – do poeta romântico
Com o
amadurecimento do Poeta – de byroniano a anti-byroniano – enquanto arquiteto e
demolidor da imagem romântica do herói, destaca-se as obras em que se evidenciam a pregação da Liberdade (como é o caso de Chillon) ou a visão satírica das
aventuras de um romantizado Don Juan, aquele mesmo das tantas narrativas
ibéricas (vide o Don Juan, de Molière e o Don Juan Tenório, de José Zorrilla)
Da mesma época de Manfred temos o belo poema “O Prisioneiro de Chillon”
(1816), a tratar da ânsia de liberdade e da necessária luta contra as tiranias.
O poema abre com um belíssimo soneto, que traduzo,
Eternal Spirit of the chainless Mind!
Brightest in
dungeons, Liberty! thou art,
For there
thy habitation is the heart -
The heart
which love of thee alone can bind;
And when thy
sons to fetters are consign'd -
To fetters,
and the damp vault's dayless gloom,
Their
country conquers with their martyrdom,
And
Freedom's fame finds wings on every wind.
Chillon! thy
prison is a holy place,
And thy sad
floor an altar - for 'twas trod,
Until his
very steps have left a trace
Worn, as if
thy cold pavement were a sod,
By
Bonnivard! - May none those marks efface!
For they
appeal from tyranny to God.
(“Eterno espírito da desacorrentada mente! / Brilhante na prisão, Liberdade! Tu
és, / Pois lá tua habitação é o coração - / O coração cujo amor de ti só pode
unir; / E quando teus filhos aos grilhões entregues – Aos grilhões, e à úmida
cela em trevas, / A pátria deles conquista com o martírio deles, / E a fama da
Liberdade usa asas no vento. / Chillon! Tua prisão é um lugar sagrado, / E teu
triste chão um altar; pois pisado, / Até cada passo ter deixado uma marca /
Gasta, como se teu frio piso fosse grama, /Por Bonnivard! - Ninguém deve apagar
estas marcas / Pois elas clamam da tirania até Deus.”)
Esclarecemos: o protagonista é inspirado em François de Bonnivard, um patriota
suíço, de Genebra, lutou, no século 16, contra o domínio da Casa de Saboia,
dinastia norte-italiana. O prisioneiro descreve a prisão, lugar sombrio, onde
vive seu destino de penitência, junto aos seus irmãos, companheiros de luta.
Antro que traz reminiscências da 'caverna de Platão', a alegoria do pensador
grego,
They chain'd us each to a column stone,
And we were
three-yet, each alone;
We could not
move a single pace,
We could not
see each other's face,
(“Eles nos acorrentaram cada um a uma coluna de pedra, / E éramos três – mas
cada um sozinho; / Não podíamos dar um simples passo, / Não podíamos ver a face
um do outro,” III)
O prisioneiro descreve o desfiladeiro ao redor da fortaleza, onde lá embaixo
golpeiam as ondas vorazes, mas o prisioneiro não teme as rochas, antes o
prisioneiro sorri ao contemplar a morte nas ravinas,
And then the very rock hath rock'd,
And I have
felt it shake, unshock'd,
Because I
could have smiled to see
The death
that would have set me free
(“E então a própria rocha teria tremido, / E eu tenho sentido tremer, não
chocado, / Pois teria eu sorriso ao ver / A morte que teria me libertado”, VI)
O prisioneiro – inspirado em François de Bonnivard – está preso junto a dois
irmãos, aos quais não pode ajudar, enquanto vê impotente a morte deles. Certos
críticos apontam aqui uma influência de Inferno de Dante, na cena em que o
Conde Ugolino sofre acorrentado junto aos filhos.
Como forma de evasão, o prisioneiro se entrega à descrição lírica da Natureza,
ao ouvir o canto de um pássaro, com algo de romântico e arcadista, que
encontramos, por exemplo, nos poemas de Wordsworth (Lyrical Ballads; Michael, Uma
Pastoral) e Keats (Ode ao Rouxinol)
A lovely bird, with azure wings,
And song
that said a thousand things,
And seemed
to say them all for me!
(“Um amável pássaro de asas azuis, / E canção que dizia mil coisas, / E parecia
dizê-la todas para mim!”, X)
Sweet bird! I could not wish for thine!
Or if it
were, in wingèd guise,
A visitant
from Paradise;
(“Suave
pássaro! Eu poderia não desejar-te! / Ou se assim fosse, em disfarce alado, /
Um visitante do Paraíso;” X)
O protagonista chora a morte dos irmãos, presos no mesmo infortúnio. Ainda em
seus devaneios, o prisioneiro é libertado, sem saber o motivo – se clemência ou
destino. Após tanto tempo de prisão, o prisioneiro havia se acostumado à
masmorra, ao escuro e ao frio, esquecera o que é a Liberdade – estava tão
alienado da esperança, tanto quanto aqueles acorrentados na caverna da alegoria
de Platão,
My very chains and I grew friends,
So much a long communion tends
To make us
what we are:-even I
Regain'd my
freedom with a sigh.
(“Ficamos amigos, eu e minhas correntes, / Assim a longa companhia tende / A
fazer-nos o que somos: -assim / Eu recuperei minha liberdade com um suspiro.”
XIV)
Ligações a esta post:
>>> Leia a primeira parte do texto, aqui
>>> E aqui, a segunda parte.
* Leonardo de Magalhaens (Leonardo Magalhães Barbosa), crítico literário, escritor, tradutor, escreve e traduz desde os 15 anos. Tem 3 volumes de poemas e 3 volumes de contos, todos inéditos, além de dedicar-se a um ciclo de romances em seus columes. Divulga sua contribuição ensaística de crítica literária, especializando-se em autores vivos, demasiadamente vivos. Belorizontino, atualmente estuda Letras na FALE/UFMG, com ênfase em literatura brasileira. Escreve aqui e aqui.
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