Octavio Paz nas mãos da censura

Octavio Paz aos 23 anos.


Os funcionários da Direção Geral de Propaganda e da Direção Geral de Cultura Popular do Ministério de Informação e Turismo que se ocupavam de revisar (leia-se censurar) tudo o que era publicado na Espanha durante a Ditadura de Franco, aguçavam os olhares, sublinhavam, riscavam e, ao fim de sua leitura, respondiam ao mesmo formulário: “Ataca ao dogma? À moral? À Igreja ou aos seus Ministérios? Ao Regime e às suas instituições? Às pessoas que colaboram ou colaboraram com o Regime? As passagens censuráveis qualificam o conteúdo da obra?”. Um dos grandes afetados por aquelas perguntas foi o escritor mexicano Octavio Paz.

Em julho de 1950, a companhia Editora e Distribuidora Hispano-americana S. A (EDHASA) solicitou a permissão para distribuir 200 exemplares de Liberdade sob palavra de Octavio Paz já publicado no México. O livro foi enviado a dois censores. O primeiro, Pedro de Lorenzo, disse em seu informe que em seis páginas havia “frases ou expressões obscenas, outras irrelevantes”. O segundo, Andrés de Lucas, apontou com letra grande: “Versos obscuros e estúpidos com algumas expressões equivocadas. Creio, sem dúvidas, que pode autorizar-se pelo escasso número de leitores que leriam estes engendros”.

Catorze informes deste estilo, sobre distintos livros do escritor mexicano e Prêmio Nobel da Literatura em 1990 vêm à luz na exposição “Octavio Paz: guerra, censura e liberdade”. A mostra pode ser dividida em duas momentos: a figura de Octavio Paz e o contexto de suas ideias e sua obra em relação com Espanha. Na exposição há, além disso, fotografias do autor mexicano durante sua estadia em terras de Cervantes em 1937, junto com alguns de seus colegas que assistiram ao Congresso de Escritores Antifascistas desse ano em Valência, como o romancista José Mancisidor, o poeta Carlos Pellicer, o músico Silvestre Revueltas ou o pintor José Chávez Morado. E uma reportagem gráfica de abril de 1982, quando Octavio Paz visitou o Ateneu de Madri.

A viagem de Octavio Paz à Espanha em finais da década de 1930 muito contribuiu para uma expansão do seu nome, para contatos futuros e para uma revisão sobre sua precoce obra. Foi na ocasião em que participou do Segundo Congresso Internacional de Escritores para a Defesa da Cultura. Para ele, evento que foi "um ato de solidariedade com alguns homens empenhados na luta mortal contra um inimigo melhor armado e sustentado pelos poderes injustos e malignos. Alguns homens abandonados por aqueles que deveriam ter sido seus aliados e defensores: as democracias do Ocidente", disse mais tarde. "O encontro foi movido por uma onda imensa de generosidade e autêntica fraternidade" — analisa Jesús Cañete, um dos comissários da exposição e diretor do Festival da Palavra da Universidade de Alcalá.

Nessa ocasião, Paz estava recém-casado com quem será a escritora Elena Garro, já havia escrito um livro de poemas, Raiz do homem e é o autor do poema "Não passarão", que foi editado cerca de 3.500 exemplares no México para apoiar, com sua venda, a Frente Popular espanhola. A ida ao congresso de 1937 permitiu ao escritor conhecer a polêmica surgida em torno do francês André Gide e seu livro Retoques a meu regresso da URSS, complemento de Regresso a URSS, ouvir a comunicação "Ponencia colectiva" apresentada por Arturo Serrano Plaja que foi "o ponto de partida para uma grande campanha em defesa da livre imaginação", segundo o próprio Paz. Depois, em Barcelona, manteve um rápido encontro com seu amigo e anarquista espanhol José Bosch, a quem havia dedicado seu poema "Elegia para um companheiro morto à frente de Aragón", que lhe manterá sabedor dos enfrentamentos entre comunistas e anarquistas. Enfim, a experiência vivida por Paz durante sua viagem a Espanha nesse ano servirá para outra tomada de rumo de sua obra poética e ensaística: a dissidência.

Um fotógrafo da Agência Alberto e Segóvia fez uma imagem de Octavio Paz e sua chegada à Europa naquela ocasião (acima). Nesta fotografia pode-se ver o rosto do jovem poeta (tinha então 23 anos) que, sem posar frente à câmera, transmite ao espectador sua preocupação pelas graves circunstâncias que atravessa o povo espanhol — analisa Cañete.

Segundo Eduardo Ruiz Bautista, pesquisador da Universidade de Alcalá, os censores franquistas se caracterizavam por seu “servilismo desmedido, excesso de zelo, qualidades de literatos frustrados e a bruta ignorância e competência leitora que exibiam em muitos de seus juízos e prejuízos”. Quando em 1955 revisam a antologia Sementes para um hino, escrito por Paz um antes, Jesús Garcés sublinhou em seu informe que se tratavam de “poesias de um poeta estadunidense, criacionista sem um argumento generalista. Depois da obra criadora o poeta faz umas traduções de dois poetas Marvell e Gerardo Nerval. Nada a declarar. Autorize-se salvo superior parecer”.

Observações da censura à obra de Octavio Paz


Conta Jesús Cañete que “a censura via Octavio Paz como alguém perigoso por ter assistido ao Congresso Antifascistas de Valência. Talvez porque essa experiência marcou para sempre o autor de O labirinto da solidão, tanto em sua obra poética como ensaística. Chama a atenção que quando a censura não podia evitar a publicação de algum livro, fazia tudo o que fosse possível para demorá-la. Em 17 de abril de 1973, o Círculo de Leitores solicitou autorização para reeditar Signos em rotação e outros ensaios, que já havia sido publicado pela Alianza em 1971. Nesta ocasião o leitor censor voltou a taxar as referências que havia à Virgem no texto dedicado à obra de Marcel Duchamp (“A noiva desnudada por seus solteiros”). A editora protestou argumentando que o livro já havia sido editado anteriormente e que deter a impressão causava danos econômicos. Então, o censor não pode impedir sua impressão, mas fez o possível para atrasá-la. O livro não se publicou até um ano e meio mais tarde. Isto é, só veio a lume em setembro de 1974”.

Em 1971, a editora Seix Barral decidiu publicar Las peras del Olmo, um compêndio de ensaios do Prêmio Cervantes em 1981. A censura pediu que fosse retirado o texto “Aniversário espanhol”. E assim foi feito em sua primeira edição. A censura, sem dúvidas, não se conformaria com sabotar com os livros de Paz. Em 1975, impediu a livre circulação da revista Plural; na época o editor Pere Ginferrer organizou um protesto público. Um ano depois, quando o ditador já havia morrido, a censura seguia vigiando os livros de Paz. “Volta, antologia editada pela Seix Barral, é poesia surrealista. Não gostei. Mas desde o ponto de vista jurídico-administrativo, nada que assinalar”, diz o informe fechado naquele ano.

Este tratamento a que foi submetida a obra de Octavio Paz na Espanha de Franco despertou um amplo interesse entre os pesquisadores sobre a vida e a obra do escritor. “Conhecer esses documentos é no mínimo algo curioso”, diz o filósofo Fernando Savater, “e são uma boa anedota para somar-se à toda informação que já temos sobre Octavio. São interessantes, também, porque demonstram a mentalidade desses inquisidores contemporâneos que eram os censores franquistas, cujos critérios literários deixavam muito a desejar. Sei bem, porque me tocou viver a censura em tudo o escrevi até aos 28 ou 30 anos, a idade que eu tinha quanto morreu Franco”.

Para Chus Visor, editor da Visor Libros, “os cortes que foram feitos na maioria dos livros que passaram pela censura franquista foram pouco importantes para sua publicação. Do contrário, os autores teriam negado publicar. O que era feito era apenas mudar algumas palavras por eufemismos. E isso dividia, o autor e editor, mas ambos eram conscientes do contexto em que vivia e até quando podiam suportá-lo”. O feito de agora é tornar público aquilo que foi feito à arte e aos escritores durante um período que é nocivo para o desenvolvimento de toda e qualquer nação: a ditadura.


Ligações a esta post:
>>> No Tumblr do Letras reunimos uma galeria de imagens sobre a censura a Octavio Paz.


* Texto escrito a partir de “Octavio Paz en manos de la censura franquista”, de Victor Núñez Jaime publicado no El País e “Octavio Paz: guerra, censura y libertad. Documentos en el Archivo General de la Administración (AGA)”, de Jesús Cañete Ochoa.

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