O jogo da imitação, de Morten Tyldum
Fabuloso. Termo
utilizado aqui não com o sentido de fantasioso, mas de grandioso e belo. Termo que
abrevia uma opinião sobre um título que integra outras produções do gênero:
seja A teoria de tudo, Uma mente brilhante, Capote, Milk, Piaf – um hino ao amor, O discurso do rei... É evidente que,
o grande pecado cometido na elaboração da narrativa é a obviedade com que é construída:
um jogo previsível, como já admitiu outras figuras da crítica. Entretanto isso
é fato muito aceite, se pensarmos quem são os produtores e para qual público o
filme é destinado. A obviedade que rouba a cena é também a responsável pela construção
bem acabada da obra. E, claro, fantasiar demais quando se lida com cinebiografias
seria um problema um tanto grave. Mais ainda quando o filme aposta na ideia do fato real como se dissesse com isso um maior realismo da obra.
A narrativa de O jogo da imitação se beneficia de uma série de outros elementos que levam o telespectador
ao gosto imediato pelo filme: nutre-se do efeito cada vez mais comum do ‘baseado
numa história real’, se mostra como uma história de superação e conquista, lida
com a ideia de injustiça e está situada num dos contextos mais comoventes da
história da humanidade, a Segunda Guerra Mundial que, é apenas, figura ou amálgama
ao conjunto de narrações que sustentam o filme. Isso não é uma bula do sucesso,
mas é quase uma garantia de sua plena aceitabilidade pelo grande público.
No centro de
atenção, o matemático Alan Turing cuja interpretação coube a Benedict
Cumberbatch; o ator dedicou-se, ao que parece, profundamente à construção da
personagem e conseguiu sobrepor a rixa que normalmente teríamos da figura do gênio
(nenhuma, ao que consta dada à simpatia popular) pelo encantamento com seu modo
de ser e a obsessão em dedicar-se ao projeto de uma vida: fugir da repetição
das teorias e das fórmulas para tornar real uma máquina capaz de competir com
outra e possibilitar o desfecho antecipado da guerra. É esse o motivo definidor da tradução brasileira; afinal, o que Turing e companhia (ao menos no filme) incorporam é a imagem dos jovens nerds, protegidos numa bolha distante do confronto, com a obrigação de criação de um método que supere uma invenção que permitia aos nazistas o avanço, cada vez mais rápido, de suas tropas sobre os Aliados. A invenção de Turing, baseada na máquina alemã, uma imitação, não
apenas teria apressado o fim do conflito, como colocaria o mundo noutro patamar
de competição, a tecnológica. Basta dizer que, o protótipo criado pelo
britânico foi um dos precursores do atual computador.
Além do
mérito de atuação, certamente a melhor até o presente de Benedict, e fenômeno que
não intervém na obviedade da narrativa, é preciso dizer que, concorre
plenamente com esta, a própria elaboração do narrado: Morten Tyldum não aproveita
do tempo que tem para contar a história que tem de contar para ludibriar ou
maçar o telespectador. Conhece a plena medida de poder reunir numa unidade de
sentido todos aqueles elementos responsáveis pelo carisma do filme. Que não são poucos. É muito comum em situações dessa natureza o
prolongamento desnecessário em alguns dos temas ou uma panorâmica sobre outros e o resultado é um castelo de cartas mal armado.
E a título
de não se debandar para nenhuma das duas posições, a opção é feita por dar
corpo ao um longo depoimento do próprio Alan, quando este encontra-se prestes a
ir para a prisão acusado de sodomia. Aqui, não nos cansa uma voz em off a dizer o tempo todo sua vida; só temos certeza
absoluta de em que posição está o narrador da história já muito próximo do
desfecho do filme. Ou seja, não há nada de inovador no processo de construção da
narrativa, mas o diretor tem pleno controle em não abusar de determinados
mecanismos que poderiam deixar ruir toda a unidade do filme.
Mesmo sem se
arriscar na forma e na estética e mesmo acusado de sua obviedade, O jogo da imitação inaugura na filmografia
sobre Alan Turing outra determinante fundamental para compreensão do homem que
foi: a já citada questão da homossexualidade. Reiterar sua biografia por esse ângulo
assume um novo tour de force num
contexto onde se alinhavam toda uma série de embates pela perseguição às
minorias.
Não é o caso de compreender que Turing foi quem foi pelo fato de ser
gay, tampouco ressaltar o gênero como determinante daquilo que mudaria, mais adiante, o curso de uma civilização. Não. É o caso de tornar público um elemento dos mais escamoteados de sua
biografia. Vindo de onde veio, de uma sociedade medíocre o suficiente para entregá-lo
de bandeja à morte, fato que quiseram maquiar com um mea culpa fora de forma dado em 2013 pela Coroa Britânica, o modo como
tema se desenvolve, acaba por ser um tapa com luva de pelica na cara do
preconceito.
De certo modo, o ângulo escolhido para dar vida à personagem, foge
da estereotipia de se deter apenas no feito para compreender o nome além da invenção.
Um gênio, afinal, não é alguém acima de todos, semideus ou imortal; é também um
humano como a gente comum e padece dos mesmos dramas que dão forma às demais existências.
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