Alegorias dramáticas do herói romântico (Parte 1)

Por Leonardo de Magalhaens



No contexto do Iluminismo e da ascensão burguesa ao poder, um movimento artístico – não apenas literário – se destacou na Europa – principalmente Alemanha, França e Inglaterra – antes de influenciar as colônias americanas. Trata-se do movimento romântico.

Advindo do chamado Século das Luzes, o sentimento romântico contrapõe-se à contenção lírica do Classicismo com a idealização do poeta original a expressar de forma original um sentimento pessoal. É o início do hodierno culto ao Indivíduo, que passa a expressar sua consciência íntima e estética na obra que recebe enfim uma assinatura (e não apenas tenta se adequar a uma tradição e/ou convenção poética).

Abordarei a obra de dois poetas que acompanharam a minha juventude – Lord Byron e Álvares de Azevedo. E, num segundo plano, tecerei comparações com outros literatos – Milton, Wordsworth, Coleridge, Keats, Shelley, Goethe, Schiller, Victor Hugo, dentre outros. (Antes destes temos os pré-românticos, que seriam Thomas Parnell, Thomas Gray, Edward Young, dentre outros do século 18, os chamados “Graveyard poets”, poetas que tematizam os cemitérios, local também de interesse dos ultrarromânticos).

É um assunto vasto, repito, e o foco em dois poetas se justifica pela minha preferência dentre tantos. Não leio apenas os dois poetas resenhados, mas eles se situam no 'centro canônico' do meu paideuma (como diria o poeta Ezra Pound).

Segundo Ezra Pound, paideuma é "a ordenação do conhecimento de modo que o próximo homem (ou geração) possa achar, o mais rapidamente possível, a parte viva dele e gastar um mínimo de tempo com itens obsoletos". Ou seja, a seleção de um cânone a nortear e justificar a leitura.

Na época do romance burguês, de Walter Scott, Dickens e Victor Hugo, o poeta romântico Lord Byron tece narrativas em versos; seus longos poemas narrativos, que arrebatam os leitores pela forma, pelo lirismo e pelas aventuras de um emblemático herói byroniano. Algo de autobiografia, digno de celebridades e algo de idealização de cenários e dramas.

Os poemas narrativos são o destaque na bibliografia do bardo romântico (e também na obra de seu influenciado Álvares de Azevedo, poeta brasileiro), com os extensos “Childe Harold's Pilgrimage” e “Don Juan” – um no início da carreira, outro ao final, deixado incompleto, devido a morte precoce do poeta – , bem como contos em versos, geralmente com temáticas orientais – “The Giaour”, “The Bride of Abydos”, “The Corsair” e “Lara”, além de dramas em versos – com destaque para “Sardanapalus”, “Manfred” e “Cain” – que englobam um ciclo de exaltação e melancolia, aventura e desventura.

Lord Byron tem algo de clássico assim como Baudelaire (ou o brasileiro Gregório de Matos, do século 17), mas tratou o classicismo com retoques peculiares, devido a sua própria biografia – aqui o autor apodera-se do estilo tradicional para a criação da própria obra. As vidas de Byron e Baudelaire (e Gregório de Matos) se aproxima pela ânsia sensualista, a vida de pecados, o gosto pelo luxo e pela luxúria.

Lord Byron nas ruínas gregas. Piccio

O herói byroniano é aquele de um poeta solitário, inimigo da tirania (e assim amigo da liberdade), um jovem belo e igualmente misterioso, com um passado não revelado. Assim é a análise de Barbosa em Byron no Brasil: traduções (Ática, 1974). As obras de Byron que melhor desenvolvem o mito byroniano são Childe Harold's Pilgrimage, um longo poema lírico-descritivo, e os contos metrificados: “The Giaour”, “The Bride of Abydos”, “The Corsair”, “Lara”, “The Siege of Corinth”, “Parisina”, “Mazeppa”. Essas são as mais representativas: mas inúmeras outras se ligam a elas pelo espírito e intenção: Manfred, os dramas históricos, os dramas bíblicos, e a sua obra lírica em geral.

Childe Harold, e os chamados tales, que narram histórias de amor, vingança e morte em ambientes exóticos – “The Giaour”, “The Bride of Abydos”, “The Corsair” e “Lara” – foram em seu tempo verdadeiros Best-Sellers, e, como escritor de Best-Sellers, Byron escrevia para seu público. Desde que alcançara a popularidade literária com a publicação dos dois primeiros cantos de Childe Harold's Pilgrimage, sabia que seria lido, e ia então ao encontro do gosto de seus leitores, oferecendo-lhes exatamente o que queriam. Através desses poemas, Byron foi compondo e desenvolvendo a imagem do herói byroniano, caracterização máxima de herói romântico, um ser demoníaco e fatal, de aspecto sombrio e misterioso, sob cujas feições belas e pálidas se escondem paixões violentas, sentimentos terríveis e indefinidos. De linhagem nobre, ele é orgulhoso, arrogante, rebelde, indomável, e seu passado encerra alguma ação maligna ou crime misterioso. É, portanto, um homem solitário, torturado pelo remorso. Sente que nada tem em comum com seus semelhantes – é diferente, superior. Esses, por sua vez, temem-no, e o evitam.” (p. 17-18)

Segundo a autora algumas das características das obras se evidenciam, tais como, retórica e lirismo, digressão e narrativa, descrição e ação, mas com imagens óbvias e rimas forçadas, até uma sintaxe torcida do inglês.

A autora estuda os tradutores brasileiros do Lord inglês e faz comparações das várias traduções. Segundo ela, os tradutores queriam ser mais retóricos e mórbidos que o Byron original – ou então traduziam o inglês com uma leitura influenciada de Álvares de Azevedo. Ou seja, muitos tradutores deram um toque alvaresiano aos poemas traduzidos, com exageros funéreos, sendo mais sombrios que o original, mais para o irônico.

Os tradutores mais conhecidos são o próprio Álvares de Azevedo, Castro Alves (que traduziu “Darkness” e “A Cup formed from a Skull”), Fagundes Varela (traduziu trechos de “Childe Harold”)

Esta diferença entre o Byron original e o Byron traduzido leva a uma análise da diferença entre os aspectos estéticos e temáticos do próprio Byron – que pode ser byroniano e anti-byroniano, quando ironiza a si-mesmo.

“O outro Byron, o não-byroniano, é ao mesmo tempo, sob um aspecto negativo, o autor das sátiras à maneira de Pope em dísticos heroicos que tentam, inutilmente, evocar o estilo elegante e compacto do modelo; [...]

É um Byron inteligente, perspicaz, engraçado, irreverente. É o anti-Byron, e o Don Juan é essencialmente o anti-Childe, o anti-Conrad, o anti-Lara. É a negação do byronismo pelo próprio Byron, o Cervantes de seu próprio mito.” (p. 18/19)

Diferença que Álvares de Azevedo comenta em seu Lira dos Vinte Anos, quando faz a transição de Ariel para Caliban (segundo veremos numa ocasião mais adiante), pois percebe-se igualmente ambíguo, o jovem lírico e o poeta satírico, o tímido e o desiludido, o amoroso e o trágico. Assim apresenta-se enquanto voz poética dividida – numa síndrome de Médico e Monstro.

Um dos aspectos não-datados de Byron são justamente os olhares metalinguísticos sobre si-mesmo, sobre o fazer Poesia. É um aspecto autoral que se avoluma ao longo da obra. Os dois primeiros Cantos de Childe Harold ainda seguem um romantismo classicista (se podemos dizer assim...), mas os Cantos III e IV – escritos mais tardiamente – são bem diversos dos primeiros. Mostram um amadurecimento da própria consciência autoral debruçada sobre a obra.

Uma poesia que fala de poesia e poetas. Uma poesia influenciada pela poesia, aquela resultante de um excesso de leituras digeridas (e não-digeridas). Uma leitura do mundo antes de vivenciá-lo (se Byron pode viver a vida adulta e em vários países, Álvares de Azevedo, em comparação, aqui no Brasil, morreu jovem e sem sair de sua terra, daí as experiências de Byron integrarem à obra poética, ao contrário de Álvares, mais vivida no plano imaginário, do possível...)

O máximo da sátira (e auto-sátira) é visível na obra “Beppo”, escrita na Itália, na mesma época que “Don Juan”. Em “Beppo”, podemos encontrar um autor metalinguístico, visível nas digressões do eu lírico que funciona como narrador (este é um 'poema narrativo'), dado a meditações e ironias sobre o 'fazer poesia' e o papel do poeta.

O eu lírico declara seu amor pela Itália – uma Itália idealizada em contraponto a Inglaterra hipócrita – enquanto critica o tradicionalismo britânico. O poeta adora uma sublime arte italiana – assim também as belas italianas – mais pelas diferenças com relação às estéticas inglesas.

“I love the language, that soft bastard latin,
Which melts like kisses from a female mouth”
(XLIV)

“England! With all thy faults I love thee still!
I said at Calais, and have not forgot it;”
(XLVII)

“This is the case in England, at least was
During the dynasty of Dandies, now [...]”
(LX)

(“Eu adoro o idioma, este suave latim bastardo, / Que derrete igual ao beijo de uma mulher”, XLIV; “Inglaterra! Com todas as tuas faltas, ainda te amo! / Disse isso em Calais, e não esqueci;”, XLVII; “Era o caso da Inglaterra, ao menos era / assim durante a dinastia dos Dândis, agora [...]”, LX)

Enquanto auto-exilado o Poeta adota sentimentalmente a nova Pátria. (Encontramos algo semelhante no narrador de “The Marble Faun” – O Fauno de Mármore – do norte-americano Nathaniel Hawthorne, segundo veremos)

O eu lírico, enquanto narrador, perde-se em digressões, perde o 'fio da meada', a deixar a estória 'fora de prumo',

“To turn, – and to return; -the Devil take it!
This story slips for ever through my fingers,
Because, just as the stanza likes to make it;”
(LXIII)

(“Ir e voltar! O diabo o leve! / Este relato vaza entre os meus dedos, / Pois, é assim mesmo que a estrofe faz;” LXIII)

Esta característica de digressão e meditação está presente deste os primeiros cantos de Childe Harold, mas se acentuando nos Cantos finais, escritos na maturidade poética. Assim, alguns críticos apresentam uma leitura em duas partes – o primeiro Childe (Cantos I e II), escrito em 1812, e o segundo Childe (Cantos III e IV), escritos em 1816 e 1817/18.

No primeiro Childe temos o jovem nobre (“Childe” refere-se justamente ao nobre ainda sem título, não é ainda “Lord”) que, igual a todo aristocrata inglês, vai dar um passeio pelo Continente – ou seja, a Europa – para 'educar-se', conhecer o mundo além das Ilhas Britânicas. Em suas perambulações, como todo bom nobre inglês, o protagonista entra em contato com a vida, uma vida que não reserva visões românticas – pois o idílio é mais idealizado do que vivido.

Assim, o jovem Harold passa pela península ibérica, Portugal e Espanha, na época do domínio napoleônico. Apresenta a cultura hispânica com suas resistências e seu lado lúdico-trágico, como as lutas de touros (que, um século depois, serão temas de obras de outro anglo-saxão, o norte-americano Hemingway).

Em seguida, o jovem inglês adentra as ruínas gregas em Atenas, onde deslumbra o que sobrou da glória da cultura clássica. Não hesita em denunciar um nobre inglês que atuou junto ao governo turco – então a potência hegemônica na região – para conseguir acesso aos monumentos helênicos. O de triste fama, Lord Elgin, o pior saqueador, insensível espoliador das relíquias gregas, aqueles monumentos que os godos e os turcos e o Tempo tinham poupado e tinham que ser um inglês a surrupiar tudo! Ó pobre England! (Realmente, isso sabemos bem, a Britannia navegou pelos sete mares a saquear relíquias e tesouros para armazenar em seu pomposo British Museum...)

Estes versos, onde o jovem nobre encontra-se diante do ideal e o vivido, estão intimamente unidos às vivências do Autor, quando de suas viagens pelos Continente, em visitas a Portugal, Espanha, Itália, Albânia, Grécia, Turquia. Enquanto os Cantos III e IV foram escritos no auto-exílio, quando o poeta abandonou definitivamente sua vida na Inglaterra. No Canto III temos mais auto-referência, onde o narrador (o eu lírico) fala enquanto Autor, e não mantem o foco em Childe Harold (isto é, o autor passa a ocupar o foco antes dado ao Protagonista).

O autor aborda o passado nebuloso – antes parte do 'mistério' que envolvia o jovem nobre - “desde os meus jovens dias de paixão – alegria ou dor,” ("Since my young days of passion – joy, or pain," IV), onde o autor não se confunde com a 'voz' de Harold. Quem é o Autor? Nada além de um criador de personagens, ou um artista da linguagem. Enquanto o protagonista, Harold, é ainda aquele que sofre por idealizar – e depois precisar encarar a 'realidade', 'a vida em si mesma'. Desse modo, Harold continua deslocado, auto-exilado ('self-exiled') e solitário. “O auto-exilado Harold perambula ainda”, segue adiante, cada vez mais longe de casa, rumo a aventuras só existentes em sua própria mente. (“Self-exiled Harold wanders forth again, / With nought of hope left, but with less of gloom;”(XVI)

A narrativa não é menos sobre a viagem 'dentro de si mesmo' do que a viagem no Mediterrâneo, nos Alpes, nos mares revoltos, nos campos de batalha. Por que não aceitamos o mundo tal como é? Por que existem tais 'descontentes', tais 'flutuantes'?

O poeta diante do campo de batalha lembra o belo e o horrível. “Thou fatal Waterloo!”. Temos a beleza no desfile das tropas e, em seguida, o horror dos cadáveres desmembrados no conflito. (Imagens que encontramos em Cartuxa de Parma de Stendhal e Os Miseráveis de Victor Hugo, onde a glória militar é um 'verniz' sobre a crueldade da guerra)

Não sabemos se o poeta foi realmente até Waterloo. Byron viajou para o continente europeu em abril de 1816, quase um ano após a terrível batalha, onde Napoleão assistiu a derrota de suas tropas. Certamente terrível este embate entre as tropas francesas, inglesas e prussianas! Mas Byron sequer poderia imaginar o horror da Guerra Civil norte-americana, ou as Grandes Guerras Mundiais do século 20!

Para fugir desses cataclismas humanos, o poeta busca consolo numa idealização da Natureza, da vida bucólica – certamente influenciado por classicistas e arcadistas – presentes nos versos de Worsdworth e Keats, onde sempre a Natureza é um tesouro de mistérios e o homem pastoral é bom. É aquele 'bom selvagem' de Rousseau em plena forma. (O mesmo encontraremos na segunda metade de O Fauno de Mármore, The Marble Faun, de N. Hawthorne, cujo cenário é a vida campestre no norte da Itália.)

Está idealização da Natureza também surge no final de “O Prisioneiro de Chillon” (veremos a seguir), em comparação com os poemas bucólicos (as 'baladas líricas') de Wordsworth e as odes de Keats,

Are not the mountains, waves, and skies a part
Of me and of my soul, as I of them?

(“Não são as montanhas, ondas, e céus, uma parte / De mim e de minha alma, como eu delas?” LXXV)

Esta presença da Natureza é tão sensível no romantismo quanto no Arcadismo. Mas com uma diferença: o poeta romântico não é tão 'impessoal', pois a forma de ver o 'natural' passa a ser coberto pelo 'sentimental'. Mas também encontramos a Natureza hostil, força incontrolável que ameaça o eu-lírico (assim o exemplo em “Manfred”, segundo veremos),

The sky is changed!--and such a change! O night,
And storm, and darkness, ye are wondrous strong,
Yet lovely in your strength, as is the light
Of a dark eye in woman! Far along,
From peak to peak, the rattling crags among,
Leaps the live thunder! [...]

(“O céu transmuta-se! - e que mudança! Ó noite, / E tormenta, e trevas, são força assombrosa, / Já amável em tua força, igual a luz / De um olho escuro de mulher! Longe ao longo, / De pico a pico meio a rochedos trêmulos, / Retumba o trovão vivaz! [...] XCII)

Sky, mountains, river, winds, lake, lightnings! ye,
With night, and clouds, and thunder, and a soul
To make these felt and feeling, well may be
Things that have made me watchful; the far roll
Of your departing voices, is the knoll
Of what in me is sleepless, – if I rest.

(“Céu, montes, rios, ventos, lagos, raios! Vós, / Com a noite, e nuvens, e trovão, e alma / A fazer este sentir e sentimento, devem ser / Coisas que fazem-me atento; o ressoar / De tuas vozes em fuga, é o auge / Do que em mim é insone, - se eu repouso. [...] XCVI)

Esta posição do homem diante da Natureza á mais uma fuga da 'civilização', da 'cultura', que é rejeitada pelo poeta misantropo, que prefere viver entre faunos e ninfas na inocência silvestre. O homem na Natureza foi tema de vários pintores românticos, entre eles o inglês Turner e o alemão Gaspar Friedrich.

O poeta misantropo? Sim, em muitos aspectos o ser em desacordo com a vida social hipócrita e mesquinha,

I have not loved the world, nor the world me;
I have not flattered its rank breath, nor bowed
To its idolatries a patient knee, -
Nor coined my cheek to smiles, nor cried aloud
In worship of an echo; [...]

(“Não tenho amado o mundo, nem o mundo a mim; / Não tenho bajulado posição, nem reverenciado / Suas idolatrias ao ajoelhar paciente, / Nem distribuído sorrisos, nem louvado no culto d'um eco;” [...] CXIII)

I have not loved the world, nor the world me, -
But let us part fair foes;

(“Não tenho amado o mundo, nem o mundo a mim, / Mas deixe-nos afastar os inimigos;” [...] CXIV)

O Canto IV de Childe Harold foi escrito e publicado em 1817/18, quando o poeta vivia em Veneza, no norte da Itália (ainda não era uma 'nação', mais a se assemelhar a uma 'colcha de retalhos'...), a lembrar seu passado que o exilara da Inglaterra, a pátria distante, amada e rejeitada.

O próprio poeta lembra o 'intervalo de oito anos' entre os primeiros Cantos e o derradeiro, na conclusão das peregrinações do jovem Harold. Assim muito do narrado é vivenciado – ou uma idealização de fatos vividos – mais que os Cantos I e II, onde 'destila' as influências de leituras – que são comparadas com o 'mundo real'.

Assim há todo um 'olhar de turista' – pois os cenários incluem Espanha, Grécia, Itália, Albânia, Turquia, com destaque para as cidades de Atenas, Veneza, Roma, Constantinopla/Istambul – a derramar-se em descrições, ora exaltadas, ora irônicas, sobre outras culturas, povos, civilizações – a sentir todo o peso da História.

A thousand years their cloudy wings expand
Around me, and a dying glory smiles
O'er the far times [...]

(“Mil anos abrem suas nubladas asas / Ao meu redor, e uma Glória agônica sorri / Sobre os tempos remotos, [...] I)

Os versos se nutrem da 'cor local', em aclamações diante de Veneza (“a ti, bela Veneza!”), em referências às peças de Shakespeare - que se passam nas terras italianas (a Veneza de Shylock, O Mercador de Veneza, ou Othelo; ou a Verona de Romeu e Julieta e Os Cavaleiros de Verona; ou a Pádua de A Megera Domada), em amostras de 'adoção' de uma nova pátria – que fascinava o jovem nobre tanto quanto o Bardo em suas peças.

The commonwealth of kings, the men of Rome!
And even since, and now, fair Italy!
Thou art the garden of the world, the home
Of all Art yields, and Nature can decree;

(“A comunidade dos reis, os homens de Roma! / E desde então, e agora, bela Itália, / Tu és o jardim do mundo, o lar / De todo criar Arte, e ordenar Natureza;” XXVI)

Esta adoração pela Itália idealizada, sublimada desde os 'tempos de glória', os clássicos latino – Horácio, Ovídio, Virgílio, Cícero, Sêneca -, terra dos humanistas renascentistas – Boccaccio, Dante, Petrarca, Ariosto, Da Vinci, Michelangelo, Rafael - está evidenciada também em obras de Goethe (Elegias Romanas), Shelley, Keats , Stendhal (Cartuxa de Parma), Victor Hugo, Hawthorne (Marble Faun), Hemingway (Adeus às armas),

Italia! O Italia! thou who hast
The fatal gift of beauty, which became
A funeral dower of present woes and past,
On thy sweet brow is sorrow ploughed by shame,
And annals graved in characters of flame.
(“Itália! Ó Itália! Tu tens / A fatal dádiva de beelza, que tornas / Um funéreo dote de aflições atuais e passadas, / Sobre teu cenho é mágoa lavrada por vergonha, / E arquivos gravados em caracteres de chama.” XLII)

Nem pretendemos comentar os 'deslizes' históricos do Autor – é tudo aceito pela 'licença poética' – Roma é símbolo tanto da Grandeza quanto da Decadência.

Yet, Italy! through every other land
Thy wrongs should ring, and shall, from side to side;
Mother of Arts! as once of Arms; thy hand
Was then our Guardian, and is still our guide;

(“Ainda, Itália! Por toda outra terra / Teus erros ressoariam, de um lado a outro; / Mãe das Artes, outrora das armas; tua mão / Era então nossa guardiã, e és ainda nossa guia; XLVII)

O Rome! my country! city of the soul!
The orphans of the heart must turn to thee,
Lone mother of dead empires!

(“Ó Roma, meu país! Cidade da alma! / Os órfãos do coração devem voltar-se a ti, / Mãe solitária de impérios mortos, [...]” LXXVIII)

Esta jornada na Cidade Eterna revisita as lendas da fundação de Roma, onde os dois gêmeos – Remo e Rômulo – foram amamentados pela loba. Este cenário histórico – onde aparecem vultos exumados de César, Cleópatra, dentre outros – é um imenso palco onde o eu lírico fala de si-mesmo ao falar de 'mundos' que estão fora.


Leonardo de Magalhaens (Leonardo Magalhães Barbosa), crítico literário, escritor, tradutor, escreve e traduz desde os 15 anos. Tem 3 volumes de poemas e 3 volumes de contos, todos inéditos, além de dedicar-se a um ciclo de romances em seus columes. Divulga sua contribuição ensaística de crítica literária, especializando-se em autores vivos, demasiadamente vivos. Belorizontino, atualmente estuda Letras na FALE/UFMG, com ênfase em literatura brasileira. Escreve aqui e aqui.

** A sequência de textos “Alegorias dramáticas do herói romântico” foi publicada inicialmente no blog Meu cânone ocidental.

Comentários

AS MAIS LIDAS DA SEMANA

A poesia de Antonio Cicero

Boletim Letras 360º #610

Boletim Letras 360º #601

Seis poemas de Rabindranath Tagore

Mortes de intelectual

16 + 2 romances de formação que devemos ler