Os 10+ de 2014
Por Pedro Fernandes
As dificuldades foram muitas para deixar essa lista pronta; entre as
razões está o caso de 2014 ter sido vivido como o mais intenso dos anos; não é para menos quando no âmbito de suas responsabilidades pessoais a vida faz um giro de 360º. Mas,
aqui tenho vindo ano a ano, quase como uma promessa, para dizer aquilo que tem
sido matéria de destaque nas duas principais frentes de produção artística que, na medida do possível, tenho acompanhado: a literatura e o cinema.
Recordo novamente sobre o instante de expansão porque passa o blog desde 2013, conforme tenho documentado aqui. 2014 marcou a chegada de Alfredo
Monte que está ao meu lado, e de Pedro Belo Clara, Rafael Kafka, Cesar Kiraly,
Thiago Gonzaga dedicando-se a sempre fazer do Letras um rico espaço sobre Literatura. Que em 2015 outros nomes possam ser incorporados para manter sempre ativo um espaço que se destaca entre os melhores do gênero no Brasil.
Registro feito, passo a ocasião, portanto, em que providencio dizer sobre os livros
e os filmes que marcaram esse ano. E sempre irei reiterar que a lista é
resultada de uma opinião e de uma motivação pessoal que não tem nenhum mérito satisfazer o gosto
alheio, nem quer ser ranking comercial ou dizer aquilo que foi as melhores publicações ou estreias. É apenas um balanço pessoal. Depois de cada motivo o leitor pode acessar as notas que circularam por aqui sobre o título em questão; ao menos em relação àqueles que tiveram comentário no Letras.
OS LIVROS
1. A desumanização, de Valter
Hugo Mãe: o título mais recente do escritor português cujo destaque tem se
ampliado obra a obra. Aqui, no Letras a leitura desse romance assinala certo
compromisso assumido com os leitores – claro, motivado pelo fascínio que essa
obra tem exercido sobre mim – em ler na íntegra as publicações de Mãe no
Brasil. Tem notas aqui.
2. Ódio, amizade, namoro, amor,
casamento, de Alice Munro: a primeira contista a receber um Prêmio Nobel de
Literatura é um epíteto que levará todo curioso pela escrita a ler alguma coisa de sua obra. Munro não era uma desconhecida no Brasil. Eu era quem desconhecia
sua obra. Outro ingrediente, acima da premiação máxima, está no veio temático
mais forte de sua literatura – a ação das mulheres, tema que tem servido de
reparo para estudos como o que redigi em torno da prosa de outro Prêmio Nobel
em Retratos para a construção do feminino
na prosa de José Saramago. Há notas publicadas aqui.
3. A cabeça do santo, de
Socorro Acioli: foi o caso de uma descoberta ao acaso. A obra chegou-me, por
engano, a minha caixa dos Correios. Vejam só. O pedido era sobre o novo romance
da Ana Miranda, outra cearense de minha predileção, e quando vejo estava
encantado com a prosa de Socorro. Tenho alguma fé na sua literatura. Reafirmo
numa ocasião em que o Brasil necessita, com urgência, de vozes mais
convincentes. As primeiras notas sobre a obra tem o pioneirismo deste blog como reconheceu a própria Socorro num Twitter enviado ao @Letrasinverso estão aqui.
4. Romance com pessoas, de
José Luiz Passos: a indicação veio por Alfredo Monte. Ele foi quem redigiu
um texto sobre a obra que foi reeditada por esses meses. Ainda
estou pelo caminho com a leitura porque fiz interrupções para outras
não-sei-quantas obras que me pediram maior urgência. Mas, até onde já parei,
tem valido a recomendação, a ponto de colocá-lo naquela lista dos nomes que
ponho fé, como fiz para Socorro. As notas de Alfredo podem ser lidas aqui.
5. O irmão alemão, de Chico
Buarque: é possível que venha a redigir algum texto em que organize minhas
notas de leitura desse romance há muito prometido. A literatura de Chico
Buarque marcou-me desde Budapeste e Leite derramado, tanto que já
redigi textos mais acurados para a academia sobre a prosa romanesca de uma das personalidades mais lembradas em 2014 por sua chegada à cada dos 70 anos. O Letras fez, inclusive, um especial dedicado a ele. Quanto ao O irmão alemão, este foi, sim, uma surpresa que coloco entre os títulos
citados anteriormente. Alfredo Monte redigiu notas sobre esse romance; aqui.
6. A duração do deserto, de
Nina Rizzi: o contato com a obra poética de Nina vem de outras paragens.
Nutre-se de encontros pessoais. Lembro ter estado com a poeta a dividir uma
mesa sobre poesia. Bem, há muito o que cavoucar na poesia dela e sei do andamento
de trabalhos nesse sentido. Como mero leitor de poesia, eu apenas recordo que o
título mais recente merece estar aqui nessa lista de afetos. Notas aqui.
7. Tempestardes, de Leonardo
Chioda: assim como merece esse outro título. Chioda mostrou-se como uma das
vozes mais inventivas dos chamados novíssimos. E faz par com Nina como um dos
autores que merece atenção. Particularmente, tenho com esse livro a relação de
que nunca terei findado sua leitura, ainda que feita aos saltos e demoradamente
como se pede a boa poesia. Leia notas aqui.
8. A morte do pai, de Karl Ove Knausgård: sempre me impressiona a
capacidade que alguém tem de guardar ou esmiuçar uma situação em tantos
detalhes miúdos. Foi essa, talvez, minha primeira atração por ler autores como
Proust (desafio que ainda não passei de umas dezenas de páginas do primeiro volume
de Em busca do tempo perdido). Mas,
estive tomado pela prosa caudalosa de Karl Ove; e sei que tanto detalhismo
assim não é prodígio de uma grande memória capaz de guardar tudo o que viveu,
mas é prodígio de quem sabe recriar, a partir do vivido, situações que, narradas
em primeira pessoa e com detalhes minimamente próximos de si e tornando conhecidos em personagens dessas histórias, redige essa tessitura a
que chamamos autobiografia. Na fila está o segundo volume. Notas aqui.
9. Antologia poética, de
Murilo Mendes: a edição luxuosa com a obra foi recriada é motivo primeiro para
qualquer um ter na estante o livro; mas, é a capacidade poética, um passeio que
você pode fazer por ela, o que me motiva ter esse livro numa lista que já
privilegiou outros dois títulos de poesia. Além disso, Murilo Mendes é uma das
vozes mais significativas de nossa literatura que ganha, agora em 2014, o privilégio de voltar às estantes dos brasileiros. Comentamos sobre esse acontecimento numa matéria para o Letras.
10. Alabardas, alabardas,
espingardas, espingardas, de José Saramago: não é um romance porque o
escritor português não viveu o tempo necessário para lhe dar a forma que já
desenhara na cabeça. Mas é um conjunto de palavras indispensáveis a um mundo
cada vez mais cinzento e amarrado pelas forças de opressão e pela ganância de
mandar. Esse livro contém uma potência de sentidos só construídos por sensibilidades
como a do escritor português, alguém que nunca deixou, até o fim de seus dias,
de ansiar que encontrássemos o caminho da humanidade. As notas estão aqui e figura entre as postagens mais acessadas do ano no blog.
OS FILMES
1. O lobo de Wall Street, de
Martin Scorsese: não gostaria de encabeçar a lista dos que só lamentam a má
sorte (ou a perseguição) de Leonardo di Caprio nunca ganhar um Oscar pelo
trabalho merecido. Mas, tenho de dizer. Esse é um filme que só existe por ele. Há notas sobre o filme aqui.
2. Álbum de família, de John Wells: não sou nenhum cinéfilo, mas dos muitos
títulos que já passaram à minha vista, não me lembro de nenhum que tenha
mimetizado tão bem a atual condição dos Estados Unidos e-ou os disparates de uma sociedade esquizofrênica. Sim, é uma aula de
história, apesar de não ser um filme histórico. Notas aqui.
3. Her, de Spike Jonze: nunca escrevi nada sobre esse filme que é mais perfeita
tradução, agora, não de uma condição de um país, mas de uma humanidade
encantada nos labirintos espelhados do universo virtual.
4. Gravidade, de Alfonso Cuarón: os prêmios do Oscar atribuídos ao filme foram todos
válidos. Contar uma história espacial é muito fácil; quando mais o cineasta tem
ao alcance toda sorte de parafernálias tecnológicas capaz de produzir os
efeitos que quiser. Agora, não abusar disso e ainda produzir, de fato, uma
história, é coisa cara para o cinema contemporâneo. Notas aqui.
5. Interestelar, de Christopher Nolan: pode ter dois filmes com uma
mesma justificativa e com formas assemelhadas numa lista? Pode. Como os títulos
de poesia assinalados na primeira parte dessa listagem, Interestelar tem de estar aqui, simplesmente, porque acresce à
capacidade de Cuarón, outras relações complexas para o cinema de ficção
científica; e mais consegue fazer sentido com as abstrações que recobra. Notas aqui.
6. Trapaça, de David O. Russell: narrativa muito bem elaborada a ponto de ter por esse
filme a impressão de se tratar de uma daquelas piruetas que só o cinema
consegue cumprir. Tal como O lobo de Wall
Street o filme revisita a história da economia estadunidense para, claro,
desfazer aquela ideia de que o modus
vivendi do capitalista rico é tão somente uma farsa, ou uma aparência cujo
sentido só pode ser compreendido pela ótica da ganância ou ainda pela revisitação
da sobreposição do verbo ter sobre o ser. Notas aqui.
7. Philomena, de Stephen Frears: alguma parte da crítica terá lido esse filme como
apenas um dramalhão barato que coloca em cena a figura da mãe à procura do
filho desaparecido. Mas não é só isso. E esse um filme que
torna visível – ou amplia o traço da visibilidade – daquilo que a hipocrisia da
Igreja esconde; crimes sobre os quais não tem disposição suficiente para
reconhecer e prefere ainda sustentar-se pelas doses cavalares da mentira. Só
por isso é um filme que trata não apenas de colocar à vista uma injustiça, mas
tem um poder político forte para servir de apelo à lucidez. Notas aqui.
8. Ninfomaníaca, de Lars Von
Trier: construído sobre uma muralha de polêmicas, pelo conteúdo que veicula,
essa é produção menos significativa, compreendo, do diretor, mas indispensável ao
telespectador que quer, ou ver como as polêmicas não se sustentam, ou ver uma
tentativa de trazer a lume os meandros reprimidos do sexo. Mas, calma, não é um
filme que anseia tocar em pudores reprimidos apenas, quer tocar num conjunto de
discursos que tornam possíveis determinados pudores. Notas aqui.
9. Doze anos de escravidão, de Steve McQueen: não é apenas uma questão de história tornar público os crimes do homem sobre o
próprio homem; é tornar visível momentos nem sempre tomados como constituintes
da história oficial. O filme é uma boa resposta ao que pode ser lido pelo ângulo de
fazer olhar para aquilo que fomos – ou que ainda somos. Rico de interpretações brilhantes,
embora a narrativa merecesse maior fôlego. Notas aqui.
10. O homem duplicado, de Denis Villeneuve: baseado num romance de
mesmo título do José Saramago, como leitor da obra do escritor português não
estaria em sã consciência deixar esse filme fora da lista, mesmo com todas as
minhas críticas ao processo de adaptação e as “subversões” inseridas pela
direção. Notas aqui.
Comentários
Beijos
Adriana