Virginia Woolf, fotografias, diários e a guerra
Virginia Woolf. Foto: Man Ray |
Os que conheceram Virginia Woolf dizem que foi mulher frágil e ao mesmo
tempo forte. O semblante da escritora inglesa em muitas das fotografias
deixadas para a posteridade chegam a revelar esses caracteres: uma rara fortaleza
num mulher tão leve. A autora de Ao farol
se suicidou quando tinha 59 anos (em 1941) porque já não suportava sua própria
loucura, nem queria que os outros a suportassem. Novamente confirma-se a dupla característica
com que sua figura é muitas vezes descrita.
Viveu para escrever sua obra mas, sobretudo, para interrogar-se pelo
passado, como havia chegado ante “a parede branca” de seu silêncio. “Nada terá
realmente acontecido até que se recorde”, dizia, e a recordar dedicou uma
extensa quantidade de diários; guardou suas cartas, suas notas manuscritas e a
narrativa íntima que segue sendo lida até hoje como se uma ferida aberta,
exposta ao mundo, cada vez maior. Muitas das páginas dos diários estão ilegíveis;
foram escritas por sua escrita pausada, mas incompreensível.
Interrogou-se sobre o passado, mas foi mulher comprometida com seu
tempo (meteu-se em assuntos com Guerra Civil Espanhola, por exemplo); recusada
por editores, fundou sua própria editora e através da qual publicou sua obra e
incentivou muitos amigos a escrever ou pensar a literatura. Foi graças a Woolf
que o mundo conheceu nomes James Joyce ou T. S. Eliot. Todas essas tarefas titânicas
não foram sustentadas sozinhas. Leonard Woolf, seu companheiro, um paciente
lorde inglês, o oposto dela, susteve a ordem quando pode.
Além de tudo, Virginia Woolf foi uma das integrantes mais competentes
do grupo de Bloomsbury – gente que se reunia para discutir como integrar a
cultura britânica aos enlaces da modernidade nascente em todo mundo. Junto a
esse grupo, que nunca foi apenas um espaço para reuniões com chá e conversa
fiada, contribuiu não apenas para o debate cultural de seu tempo, mas ações
grandiosas como a homenagem a Guernica numa exposição proposta pelo amigo
Roland Penrose que teve como eixo o célebre quadro de Pablo Picasso.
Os pais de Virginia Woolf, 1893. A escritora é a jovem que aparece ao fundo. Foto: Simith College |
Há uma rara fotografia da escritora que, se não marca o caráter de
Virginia Woolf, o explica. Trata-se de um retrato casual, e nele, ao fundo,
aparece a pequena olhando seus pais que leem sentados na sala de casa. Ela é
uma figura quase desaparecida no fundo da imagem. Ao longo da vida aquela
adolescente foi atravessada por crises sucessivas na relação com eles.
Muito tempo mais tarde, em torno de 1936, chegou a Londres Sigmund
Freud; o ilustre psiquiatra, já muito enfermo para receber consultas
profissionais (tinha câncer de garganta), abriu a porta a ela e a Leonard e
conversaram graças a mediação da sua filha. Aquele foi um encontro decisivo, não
lhe salvou a vida, nem lhe aliviou a loucura, mas serviu de bálsamo às recordações,
de impulso ao seu exercício de escrita talhado pelo fluxo de consciência.
Também foi esse encontro com Freud que permitiu ela a se entender
melhor com a memória de seus pais; compreensão registrada em passagens de seus
diários em observação a fotografias deles – “Que belos eram... que singulares,
quão iluminados, quão despreocupados”. Frases essas que justificam sua
característica contrária: ela esteve habitada, dizia, pela obscuridade e pela
claridade. Freud ajudou a aliviar essas contradições que a perseguiram e a
levaram à loucura e ao desemparo.
Apesar de seu caráter esquivo (menos na escritura), participou com
outros em outras causas da época, além do movimento contra a guerra civil
espanhola; esteve à frente de grupos contra o crescimento do fascismo que
assolava a Europa de seu tempo; contra a taxação de crimes absurdos como o que
levou Oscar Wilde à condenação. A participação na frente contrária à guerra na
Espanha deu-se com maior fervor depois do ingresso e da morte de um sobrinho
seu nas chamadas Brigadas Internacionais. Woolf tratou de unir-se a outros
intelectuais ingleses contra Franco.
Numa das anotações suas produzidas diante do bombardeio sobre Getafe em
30 de outubro de 1936, conforme registrado no jornal que ela guardou consigo, “isto
é o que significa Fascismo”; esse bombardeio que acabou com a vida “de 71 crianças
na escola de Getafe...”. No livro que escrevia então, os de ensaios Três guinéus, se lê: “Enquanto ouvíamos as
vozes parece que se escuta uma criança gritando na noite, a negra noite que
agora cobre a Europa, sem palavras, só com um grito, ai, ai, ai... Mas não é um
novo grito, é um grito muito antigo”.
Virginia Woolf fotografada por Gisèle Freund. Detalhe. |
Apesar de muitas fotografias – como símbolo de seu tempo, Virginia
Woolf esteve sempre nos holofotes – precisou ser convencida, certa feita, por
Victoria Ocampo, a editora e escritora argentina, a se submeter uma sessão de
fotos com Gisèle Freund, que na época era uma das únicas a trabalha com imagem
colorida.
O contato se deu através de James Joyce. O autor de Ulysses já havia sido fotografado também
pela fotógrafa, mas Woolf já não tinha paciência para perder-se em poses ante
um fotógrafo. O contato de Ocampo foi decisivo: era o nascimento da fotografia
em cores e pousar então para fotos era um motivo de relaxamento, ela própria já
pousara com vestidos da época de sua mãe. A contribuição de Leonard (que
aceitou o pedido de Woolf em fotografar-se com ela) converteu aquela sessão
temida numa ocasião feliz que tem uma lânguida luz de uma cena familiar.
A mesma Virginia reclusa às fotos ainda pousou para a Vogue. A elegância, a tristeza viajante
por dentro dela e paralisada na sua cara lânguida e pálida. Em algumas ocasiões,
feliz como se em mil desventuras, tudo registrado nos diários; outras, perturbada.
Polos que deram forma ao mito de ser escritora
durante largo tempo.
Quanto a guerra que tanto bradou em vida, antes mesmo de quando caiu a
bomba sobre Getafe, mais tarde, tomou conta de seu país e pouco antes de seu suicídio
sua casa de Tavistock, no centro de Bloomsbury, foi partida ao meio por uma
bomba. Foi quando já havia desaparecido totalmente a vida desta mulher,
envelhecida antes do tempo, apoiada em si mesma e por seu marido, que logo
depois do suicídio dela, trouxe a lume os diários. Esses que são hoje uma guia
sobre a vida própria Virginia Woolf.
Ligações a esta post:
>>> No nosso Tumblr reunimos duas galerias de imagens de Virginia Woolf: uma com as fotografias feitas para o ensaio proposto por Gisèle Freund; outra com pinturas.
>>> Leia aqui o manuscrito com o anúncio do suicídio de Virginia Woolf.
* Texto escrito com notas a partir de "El bastón de Virginia Woolf", de Juan Cruz para El país.
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