“O herói do nosso tempo”: texto emblemático nos 200 anos de nascimento de Mikhail Liérmontov
Por Alfredo Monte
Mikhail Liérmontov |
Preâmbulo
“E ele, rebelde,
busca a tempestade
Como se na
tempestade houvesse paz...”
(trecho de “O
veleiro”, trad. Paulo Bezerra)
Nos seus trinta
anos (1825-55) como czar da Rússia, Nicolai I instaurou o terror e a opressão,
sem desdenhar de artimanhas para se livrar dos contestadores: assim, Mikhail
Liérmontov — sucessor de Puchkín como grande poeta nacional e feroz adversário
do regime, por isso mesmo exilado no Cáucaso a partir de 1837 — morreu num
suspeitíssimo duelo aos 27 anos: tirou-se proveito de seu gosto por provocações
e brincadeiras para forjar um incidente que lhe seria fatal. E, assim, sua breve
existência se deu entre datas que se refletem cabalisticamente: 1814-41.
Houve tempo para
deixar uma obra que não só apresenta um título emblemático como também
mostrou-se seminal para a tradição romanesca russa: Grigóri Alieksândrovitch
Pietchórin, o “herói do nosso tempo”, terá seus avatares em Dostoievski, Tolstoi,
Turgueniev e até mesmo no mais tardio Tchekhov, só para citar quatro mestres.
O palco das
paradoxais aventuras de Pietchórin é o Cáucaso, espécie de ímã para a
imaginação russa, no que apresenta de território invadido, desafio e fronteira
entre civilização e barbárie (basta lembrar que a derradeira obra-prima de
Tolstoi transcorre nesse cenário: Khadji Murát)1. Uma paisagem de
cordilheiras escarpadas e perigosas, mimetizando o sobrenome e o caráter do
personagem: como nos ensina Paulo Bezerra, na introdução de sua tradução de O herói do nosso tempo2,
Pietchórin vem de “pietchóri”: “cadeia de penhascos” (ou seja, um terreno
acidentado e inóspito, conquanto possa ter sua beleza). E talvez um dos poemas
de Liérmontov, “O rochedo”, multiplique essa simbologia, como podemos aventar a
partir da seguinte estrofe (em tradução de Guilherme Zani): “Há um rastro de
umidade na dobra/ Do velho rochedo. Isolado/ Pensa profundamente, parado./E
silente no deserto chora”.
I
“Da tempestade da
vida fiquei apenas com algumas ideias — e nenhum sentimento. Faz muito tempo
que não vivo com o coração, mas com a cabeça. Peso e analiso minhas próprias
paixões e atos com rigorosa curiosidade, mas com isenção. Há em mim dois seres:
um vive no pleno sentido da palavra, outro pensa e julga-o; o primeiro talvez
se despeça para sempre de você e do mundo daqui a uma hora, enquanto o
segundo... o segundo...”
O herói do nosso tempo é dividido em
duas partes, e o protagonista só assumirá o relato (através do seu diário) após
duas histórias (“Bela” e “Maksim Maksímitch”) em que episódios da sua vida são
contados por meio da interposição de narradores: há um primeiro, que atravessa
o Cáucaso e ganha como companheiro na acidentada viagem o velho militar Maksim
Maksímitch. É este que lhe confidencia como, durante sua convivência com
Pietchórin numa distante guarnição, sempre ameaçada por ataques dos “bandidos”
tchetchenos, o jovem oficial levou a cabo o rapto de uma donzela, Bela, em
troca do fabuloso cavalo de um célebre malfeitor rebelde, Kázbitch.
Conseguindo vencer
a relutância da moça, que acaba se apaixonando por ele, logo em seguida
Pietchórin, entediado, se desinteressa dela (que terá um triste fim, devido à
vingança de Kázbitch). O que importou para ele foi o perigo, a emoção da
aventura, do rapto, do logro do tchetcheno, mas essa euforia passou
rapidamente.
Aqui temos um
primeiro autorretrato do “herói do nosso tempo”:
“... tenho a alma
corrompida pela sociedade, a imaginação intranquila, o coração insaciável; nada
me basta: eu me acostumo à tristeza com a mesma facilidade com que me acostumo
ao prazer, e minha vida vai ficando dia a dia mais vazia; resta-me um recurso:
viajar. Tão logo seja possível, viajarei; apenas não será para a Europa, Deus
me livre! Irei à América, à Arábia, à Índia — talvez eu morra no caminho, em
algum lugar!”
No segundo relato,
o narrador conhece pessoalmente Pietchórin, testemunhando a frieza com que ele
trata o velho companheiro de guarnição, o qual ficara todo animado com a
possibilidade de reencontrá-lo, ao ponto de esquecer pela primeira vez na vida,
suas “obrigações”3. Por conta da desilusão de Maksim Maksímitch
(narrada com uma destreza psicológica digna de Proust; e assombrosa quando
lembramos da idade em que morreu Liérmontov), o narrador se depara com um
inusitado presente: os papéis pessoais de Piétchorin, que comporão o restante
do volume.
Em “Taman”4,
o leitor conhecerá os eventos da passagem do herói por essa “detestável” cidade
costeira e como o feitio do seu caráter faz com que ele tenda a desbaratar
situações que já vêm de longa data (no caso, pessoas humildes envolvidas com
contrabando), por desfastio, por capricho (mas, como ele afirma, “que tenho eu
a ver com as alegrias ou as desgraças humanas, eu, um oficial errante, e ainda
por cima andando com salvo-conduto oficial”). E assim se encerra a primeira
parte, que esboça um retrato negativo.
Na segunda, formada
por dois textos, “A princesinha Mary” (de longe, o mais longo) e “O fatalista”,
ainda encontraremos o mesmo homem caprichoso, volúvel, byroniano, tomado por um
don-juanismo crônico com relação à vida (“nada me basta”, não esqueçamos), mas
por alguma razão, mais humano e simpático para o leitor (menos quando mata seu
cavalo de exaustão, num de seus momentos maníacos, quando se empolga
efemeramente).
“A princesinha Mary” se passa na estação de
águas de Piatigorsk, um oásis de mundanismo em meio ao tumultuoso Cáucaso (como
alerta o médico Werner a Pietchórin, com relação a um comprometimento amoroso
que pode significar casamento forçado: “O ar das estações de águas é
perigosíssimo; quantos jovens maravilhosos, dignos de um melhor destino, vi
saírem daqui direitinho para o altar...”). Ali, além de reencontrar uma antiga
amante (casada), nosso herói se envolve num triângulo amoroso com a princesinha
do título e outro jovem, Gruchnítski, “interessante” por usar um capote (as moças da
sociedade pensam que ele é um oficial degradado) e que se revela em toda a sua
personalidade “cacete” ao se graduar como oficial. Vemos, então, o velho
fetiche pelo traje que marca a narrativa russa, desde Gógol, com efeitos
cômico-patéticos:
“Meia-hora antes do
baile, Gruchnítski apareceu em minha casa com todo o brilho de seu uniforme de
infantaria. Do terceiro botão pendia uma corrente de bronze com um monóculo de
lentes duplas; as dragonas de tamanho descomunal apontavam para cima como as
asas de Cupido; as botas rangiam; a mão esquerda segurava as luvas de pelica
marrons e o quepe, a direita desfazia a cada instante o topete crespo em
pequenos caracóis; seu rosto traduzia presunção e ao mesmo tempo certa
insegurança; seu aspecto solene e seu
andar sobranceiro me fariam dar gargalhadas se isso estivesse de acordo com as
minhas intenções...”
Curiosamente, esse
ser ridículo será alvo de uma surda rivalidade por parte do narrador, que
resolve conquistar a princesinha, através de uma atitude estudadamente distante
e indiferente. E por que, uma vez que ele não pretende se casar ou se envolver
seriamente, e aquela sociedadezinha provinciana o entendia mortalmente (além de
considerar o outro pretendente visivelmente inferior a ele mesmo)?:
“Tenho uma paixão
natural por contradizer; toda a minha vida não passou de uma cadeia de
contradições tristes e desastrosas com o coração e a razão. A presença de um
entusiasta deixa-me dominado por um frio gélido e fico a pensar que ligações
constantes com um fleumático melancólico me transformariam em sonhador e
apaixonado. Confesso ainda que, naquele instante, uma sensação desagradável
porém conhecida correu pelo meu coração: era a sensação da inveja, e digo
corajosamente inveja porque tenho o hábito de confessar tudo a mim mesmo. É
difícil haver um jovem que, após encontrar uma mulher bonita que lhe prende a
indolente atenção e de repente a vê dando preferência a outro, que tampouco
conhece e ainda por cima na sua presença, é difícil, repito, é difícil
encontrar um jovem (naturalmente da alta
sociedade e acostumada a dar asas ao seu amor-próprio) que, num caso desses,
não experimente uma desagradável surpresa.”
Esse imbróglio
sentimental (atrelado a outro, seu caso adúltero, que é retomado) o levará a experimentar emoções que
o desgostam (entre elas, a inclinação inequívoca pela princesinha, como um
Valmont, de As relações perigosas, que se deixasse enfeitiçar por Mme. de
Tourvel, apesar de sua perversidade5) e até o arrastará a atos
extremos, como um duelo com Gruchnítski (o qual vai perdendo o pé na comicidade
e revelando-se quase um vilão6). E diante da possibilidade de morrer
na contenda, Pietchórin faz uma reflexão prenhe de contradições (crença numa
sorte pessoal, num destino, aliada à sua sensação de fastio, seu “spleen”
byroniano):
“Mas nós vamos
tirar a sorte!... E então... então... e se a sorte pender para o lado dele? E
se minha estrela finalmente me trair?... Não seria nada do outro mundo: ela
passou tanto tempo servindo aos meus caprichos... No céu não há mais constância
que na terra.
Bem! Se é para
morrer, que venha a morte! O mundo não vai sofrer grande perda, e além disso eu
mesmo já estou bastante enjoado. Sou como o homem que boceja no baile e só não
vai embora porque sua carruagem ainda não chegou. Mas a carruagem está à espera
— adeus!
Memorizo todo o meu
passado e involuntariamente me pergunto: para que vivi? Com que fim nasci?...
Mas devo haver algum fim e alguma alta missão, porque sinto em mim forças
imensuráveis; mas não descobri essa missão de me entreguei à tentação de
paixões ingratas e vazias. Do crisol
dessas paixões saí duro e frio como o fero, mas perdi para sempre o ardor das
aspirações nobres, a mais genuína flor da vida (...) Meu amor não trouxe
felicidade a ninguém, porque nada sacrifiquei por aqueles a quem amava; eu
amava por mim mesmo, para meu próprio prazer, apenas satisfazia uma estranha
necessidade do coração, devorando avidamente os sentimentos, a ternura, as
alegrias e tristezas das pessoas amadas — e nunca pude saciar-me. Era como
alguém que, atormentado pela fome, adormece exausto e sonha com manjares finos
e vinhos espumantes; devora extasiado os dons etéreos da imaginação e
experimenta uma sensação de alívio... Entretanto, mal acorda, o sonho se
dissipa, restando-lhe uma fome redobrada e o desespero!”.7
Essa questão da
“sorte” — como um destino especial — em relação às aleatoriedades da vida, será
retomada no relato final, “O Fatalista”, que humaniza ainda mais a figura de
Pietchórin e faz o leitor lamentar o prosador que a literatura perdeu de forma
tão abrupta.
II
“Sinto em mim essa avidez insaciável que
devora tudo o que encontra no seu caminho; olho para os sofrimentos e alegrias
dos demais somente naquilo que me diz respeito, como para um alimento que
sustenta as minhas energias espirituais. Eu mesmo não sou mais capaz de fazer
loucuras sob o impacto da paixão. Minha ambição foi esmagada pelas
circunstâncias, mas se manifestou sob outro aspecto, pois a ambição nada mais é
que sede de poder, e o meu primeiro prazer é subordinar à minha vontade tudo o
que me rodeia; despertar por si sentimentos de amor, fidelidade e pavor não
será o primeiro sinal e o maior triunfo do poder? Servir de motivo para os
sentimentos e alegrias de alguém sem ter para tanto qualquer direito real não
será o sustento mais doce do nosso orgulho? E o que é a felicidade? Um orgulho
satisfeito? Se eu me considerasse melhor, mais poderoso que todos no mundo,
seria feliz; se todos me amassem, eu
encontraria para mim fontes infindas de amor.”
Ainda permanece a
questão crucial: por que esse don juan autocentrado e árido (e sempre
contraditório) deveria ser considerado “o herói do nosso tempo”? Na passagem
acima encontramos a chave política que permite entrever o projeto de
Liérmontov: “Minha ambição foi esmagada pelas circunstâncias” (leia-se, os
arbítrios de Nicolai I). Toda uma geração sofreu esse impacto de um regime
repressivo. E, pelo avesso, Pietchórin simboliza a sociedade do seu tempo, e
ele se torna um pequeno Nicolai, com sua sede de poder: “o meu primeiro prazer
é subordinar à minha vontade tudo o que me rodeia”. Ou seja, quanto mais
afastado da Corte, ali no distante Cáucaso, quanto mais enredado nas intrigas
de uma microcosmo social ínfimo, quanto mais colado ao seu egoísmo, ao seu
orgulho, à sua autossabotagem (como um Fernando Pessoa avant la lettre), mais
ele descortina a paisagem social inóspita sob o autoritário czar, ainda que
tenha oferecido para o público — colhendo descontentamento — “uma fábula sem a
moral da história no final” (mas talvez a moral da fábula seja a reação do
próprio Nicolai após a leitura: “Livros como este pervertem a moral e exacerbam
o caráter... As pessoas já são propensas demais à hipocondria ou à misantropia,
então para que estimular tais tendências com semelhantes escritos? Trata-se de
um talento deplorável, que revela a mente deformada do autor”. Caso clássico de
rejeição ao reflexo do espelho).
“Descobrimos em nós a única substância
verdadeira: eis porque tivemos de cavar abismos intransponíveis entre conhecer
e fazer, entre alma e estrutura, entre eu e mundo, e permitir que, na outra
margem do abismo, toda a substancialidade se dissipasse em reflexão; eis porque
nossa essência teve de converter-se, para nós, em postulado e cavar um abismo
tanto mais profundo e ameaçador entre nós e nós mesmos”, escreveu Lukács (e
poderiam ser reflexões do diário de Pietchórin) no seu clássico A teoria do romance (1920), no qual caracteriza o herói problemático do “romantismo da
desilusão”, aquele que esbarra no sem-sentido de um mundo burguês todo reificado,
já que a costura épica que fazia necessária e possível a ação heroica foi
esgarçada até romper-se: “Afortunados os tempos para os quais o céu
estrelado é o mapa dos caminhos transitáveis e a serem transitados, e cujos
rumos a luz das estrelas ilumina”, inicia o grande pensador húngaro o seu
ensaio.
Pietchórin, o herói
do nosso tempo, tem a perfeita consciência disso, numa passagem de “O
fatalista”:
“Voltei para casa
pelas ruas desertas. A lua, cheia e vermelha como o clarão de um incêndio,
começava a aparecer por trás da linha denteada dos telhados; as estrelas
brilhavam plácidas no firmamento azul-escuro, e achei engraçado quando me
lembrei de que, outrora, homens muito sábios imaginavam que os astros celestes
influíam nas nossas insignificantes disputas por um pedaço de terra ou certos
direitos imaginários!... Pois sim! Esses lampiões que eles supunham acesos
apenas para iluminar-lhes os combates e triunfos brilham sempre com o mesmo
esplendor, ao passo que as suas paixões e esperanças há muito se extinguiram
junto com eles, como uma fagulha acesa na orla de um bosque pisada por um
andarilho despreocupado. Mas, por outro lado, que força de vontade lhes dava a
certeza de que todo o céu, com seus incontáveis habitantes, os contemplava com
simpatia, silenciosa, é verdade, porém invariável!... E nós, seus mesquinhos
descendentes, que vagamos pela terra sem convicções nem orgulho, sem prazer nem
pavor, salvo aquele medo involuntário que nos oprime o coração quando pensamos
no fim inevitável, já não somos capazes de grandes sacrifícios nem pelo bem da
humanidade nem pela nossa própria felicidade, porque a sabemos impossível, e
passamos indiferentes de uma dúvida a outra como os nossos antepassados se
lançavam de um equívoco a outro, sem termos, como eles, nem esperança nem
aquele prazer indefinido porém verdadeiro que a alma encontra em qualquer luta
contra os homens ou contra o destino.
Muitas ideias
semelhantes ainda me passavam pela mente; eu não as retinha porque não gosto de
me deter em nenhuma espécie de pensamento abstrato. Afinal, que se ganha com
isso?... Na minha primeira juventude fui um sonhador: gostava de acalentar
imagens ora lúgubres, ora radiantes que me pintava a imaginação irrequieta e
ávida. Mas que me restou de tudo isso? Apenas o cansaço, como depois de um
combate noturno contra fantasmas, e ainda uma recordação vaga e cheia de
lamentações. Nesta luta inútil gastei o
ardor da alma e a constância da vontade, indispensável a uma vida real.
Mergulhei nessa vida após tê-la vivido na imaginação, e senti tédio e nojo como quem lê a imitação barata
de uma obra que há muito se conhece.”
Notas
1 Lemos
no livro de Liérmontov: “Sem querer, fiquei impressionado com a capacidade do
homem russo de se adaptar aos costumes dos povos entre os quais lhe ocorre
viver; não sei se essa qualidade de sua inteligência é censurável ou elogiável;
o fato é que ela mostra a sua incrível
flexibilidade e a existência daquele evidente bom senso que perdoa o mal
em todos os lugares onde o considera necessário ou acha impossível extirpá-lo.”
2 Publicada
em 1988 pela Guanabara e em 1999 pela Martins Fontes (que, deslealdade muito
comum entre as nossas editoras, não faz nenhuma referência à edição anterior).
O texto original, Герой нашего времени, foi publicado em 1840.
Nunca se poderá
enaltecer suficientemente a importância crucial de Paulo Bezerra para um
conhecimento maior (e direto) da literatura russa no Brasil. Não posso,
entretanto, deixar de fazer um reparo quanto a um vezo que acabou se tornando
incomodamente recorrente (e que torna árdua a leitura de suas traduções dos romances dostoievskianos publicadas pela 34, por exemplo): a inflação de notas
de rodapé. Será que é muito importante para o leitor saber, por exemplo, na
própria página em que aparece o nome, e criando um ruído na fruição da bela
tradução, que Ekaterinogrado é a “aldeia cossaca de Ekateronográdskaia, no
norte do Cáucaso. Transformou-se posteriormente na cidade de Ekaterinodar, hoje
Krasnodar”!!!??? Um glossário no final do volume, para os curiosos, seria muito
menos intrusivo.
3 O
próprio Pietchórin confessa: “Não tenho aptidão para amizades. Entre dois
amigos, um sempre é escrevo do outro, embora (...) nenhum dos dois o reconheça;
ser escravo é coisa que não consigo, e mandar, neste caso, é um trabalho
enfadonho porque além de tudo ainda é preciso enganar; além do mais tenho um
criado e dinheiro!”
É preciso dizer que
existe um componente inegável de subalternidade na amizade de Maksim Maksímitch
com relação ao colega mais jovem.
4 Incluído,
em tradução de Aurora Fornoni Bernardini, na Nova antologia do conto russo/1772-1998 (Ed. 34, 2011).
5 Não
esqueçamos que Pietchórin é movido pelo don-juanismo, pela necessidade de
combater o tédio pela multiplicidade de experiências, pelo seu aspecto
quantitativo, inclusive com relação às mulheres.
6 Um
aspecto vaudevillesco também se insinua no relato: há inúmeras cenas em que
Pietchórin surpreende conversas a seu respeito, postado de uma forma que
permanece oculto (é assim que ele descobre as tramas do antagonista contra
ele). Assim, apesar de seus aspectos realistas e “modernos”, O herói do nosso tempo paga seu tributo ao folhetim romântico.
As maquinações
perversas em torno do duelo ganha um aspecto dolorosamente irônico, quando se
sabe como foi o fim de Liérmontov.
7 Nosso
herói é profundamente hamletiano, como se vê.
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