Haruki Murakami
Certamente o Japão não terá tido contemporaneamente um romancista tão
popular quanto Haruki Murakami. A ponto de, nos últimos anos ter sido sempre o
primeiro nome a encabeçar a lista de favoritos ao Prêmio Nobel de Literatura.
Nem mesmo quem leu uma só linha do escritor, sempre que nascem as especulações para
o maior galardão de uma carreira literária, indica à estampa seu nome.
Entre os da crítica, somam-se dois grupos: um que diz sê-lo autor de uma
literatura fácil, uma espécie de Paulo Coelho com o dogma de realismo
maravilhoso, e nada mais; outro que diz sê-lo o melhor da literatura oriental.
Embates à parte, talvez, sim, a carreira sua tenha algum elemento extraliterário
que o leve a apoteose.
Sua obra está traduzida para mais de quarenta idiomas. E Murakami é ainda um escritor relativamente jovem — ele nasceu em Kyoto, no Japão, em
janeiro de 1949. E não é um escritor recluso, apesar das resistências para dar entrevistas. Faz a linha da pop fiction, se pensarmos que está em
quase toda parte, mesmo detestando a fama, o que decerto é uma forma de reforço à sua rotina militar que leva
desde quando deixou de ser gerente de uma casa noturna de jazz: acordar às
quatro horas da manhã, trabalhar cinco a seis horas diárias, e percorrer alguns
quilômetros de corrida.
Haruki Murakami na Grécia em 1984 |
Cresceu em Kobe e se graduou na Universidade Waseda, em Tóquio. Depois
foi para os Estados Unidos, onde viveu por quatro anos e trabalhou como
professor em Princeton. Retornou ao país natal em 1995. Da mais de uma dezena
de livros publicados, já recebeu prêmios importantes, como o Yomiuri — que
já foi concedido a autores como Yukio Mishima, Kenzaburo Oe e Kobo Abe —,
o Franz Kafka Prize e o Prêmio Internacional Catalunha — concedido a nomes
como o presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter.
Desde a publicação de Hear the Wind
Swing, seu primeiro romance e Norwegian
Wood, título que lhe deu o reconhecimento da crítica mundial, Haruki
Murakami tem apostado em alguns ingredientes responsáveis pela manutenção de
sua popularidade literária.
Por exemplo, a combinação entre realidade e ficção. Há muitos lugares
onde se passam narrativas de suas obras que existem do modo como são aí
mencionados: hotéis, restaurantes, ruas, lojas de discos, estas últimas
presentes desde o primeiro título, de 1979 e repete-se noutras passagens como
em Tokio Blues, em que a personagem
principal, Toru Watanabe, consegue seu primeiro emprego, onde (?) numa loja de
discos. Também não deixa de incluir, além dos lugares, determinadas situações pessoais
ou se autodescreve. Esse exercício é, certamente, mais um ingrediente responsável pela aproximação íntima entre
leitor e escritor.
cena do filme baseado no romance Norwegian Wood, até agora único inspirado na obra de Haruki Murakami. |
Ainda nesse rol de ficção e realidade, há outros fatores responsáveis por
aquecer o ninho de intimidade só alcançado, muitas vezes, quando o leitor se
coloca diante de um romance de cunho memorialístico ou autobiográfico, como é
caso noutro fenômeno recente a série Minha
luta do norueguês Karl Ove Knausgård. Parte do contexto das narrativas de
Murakami se desenvolve em meio de uma trilha sonora acompanhada com a transcrição da
letra da música e tudo – sim, procedimento comum desde sempre na literatura e
em outras obras da literatura contemporânea como é caso no português António Lobo
Antunes – mas que no caso específico do japonês (e isso também é comum ao
escritor de Os cus de Judas) a inserção
é de melodias que terá passado sempre pela convivência comum dos leitores. Essa
obsessão pela música a compor uma espécie de trilha sonora da narrativa é tão
comum que alguns casos assumem-se como título do romance, como “Dance, dance,
dance”, de The Dells, “Norwegian Wood”, dos Beatles, e “South of the Border,
West of the Sun”, de Nat King Cole.
Conhecido por suas tramas quase oníricas, baseadas em universos
paralelos mas com grande conhecimento do terreno, seja na atualidade ou
revisitando o passado, Murakami também é lembrado pela crueza e a exatidão com que
retrata o lado negro do ser humano; a crueldade, a pederastia, o assassinato –
motivo de dupla aquisição, ora a naturalidade com que esses temas têm participação na
sua cultura, ora o fechamento das papilas sensitivas dos indivíduos no
ocidente.
Edições de 1Q84 publicadas no Brasil em três volumes. |
Seu maior sucesso editorial se deu pela publicação 1Q84 que só no primeiro mês de aparição do romance vendeu 1,5 milhão de
cópias e atualmente já ultrapassa as mais de 5 milhões. Talvez apostando no sucesso na
terra natal, as editoras resolveram ampliar a apresentação da obra e, em grande parte, o que
é apenas um título, foi tornado um folhetim: no Brasil, por exemplo, a obra foi
publicada em três partes. Sobre esse romance a crítica o tem lido como a
revelação de uma perspectiva de mundo diversa a cada frase. Nele, o escritor consegue
alcançar a síntese de sua escrita, dizem outros – a referência pop, a filosofia,
a fantasia, tudo compondo um extenso caleidoscópio afinado com que o propõe a literatura pós-moderna.
O enigma posto no título, que substitui o que poderia ser um número como
1984 (lembrando longe o romance de George Orwell), ultrapassa para outros
limites. Os nomes dado às suas personagens, por exemplo, estão relacionados com
seus kanjis (símbolos da escrita japonesa);
no seu livro O incolor Tsukuru Tazaki e
seus anos de peregrinação o nome da protagonista significa, criar ou fazer.
Tsukuru Tazaki é descrito como um homem solitário e perseguido pelo passado, o
que o leva a uma jornada por locais distantes, numa transformação espiritual na
busca pela verdade. “Vivemos numa época dominada pela apatia generalizada e, ao
mesmo tempo, estamos rodeados de uma quantidade absurda de informação sobre os
outros. Basta alguém querer para conseguir o que se propõe. No entanto, pouco
ou nada sabemos, efetivamente, acerca das pessoas” – reflete a certa altura o
romance.
De certo, Murakami confunde-se com seus heróis de tinta e papel. Afável
e tímido como reza o biótipo japonês, o escritor se apresenta como um sujeito
atravessado não apenas por temporalidades, mas por culturas: “Nasci e cresci no
Japão, falo japonês, como comida japonesa e faço todas as coisas que fazem os
japoneses, mas gosto do jazz e da literatura ocidental, desde Dostoiévski a
Stephen King; o que é oriental e o que é ocidental?”
No Brasil, ainda são poucos os títulos de Murakami traduzidos: além de 1Q84,
Norwegian Wood e O incolor Tsukuru Tazaki, estão na lista
Kafka à beira mar, Minha querida Sputnik, Caçando
carneiros e Do que eu falo quando eu
falo de corrida.
Enquanto isso, fora do país se publica A biblioteca secreta (tradução livre do espanhol), um conto inédito
cujo tema é a perda e a solidão. Do título nós editamos a tradução das três
primeiras partes e juntamos as ilustrações dedicadas ao texto.
Ligações a esta post:
Comentários