Mossoró e Tibau em Versos: Antologia Poética de David de Medeiros Leite e José Edílson Segundo

Por Thiago Gonzaga




A literatura do Rio Grande do Norte esteve carente durante anos de antologias poéticas. Nossa história literária comprova que poucos livros foram publicados com esta característica, destacando-se as antologias de Ezequiel e Rômulo Wanderley. Todavia, elas se sobressaem mais pela condição de registro histórico do que pela qualidade literária. No final dos anos noventa vieram as antologias de Assis Brasil e Constância Lima Duarte e Diva Cunha com um panorama do que se tinha publicado no estado até então. Essas foram antologias com um rigor mais critico.  Veio também uma antologia temática – Poesia Viva de Natal – organizada por Manoel Onofre Jr.

No inicio do século XXI, junto com  um número expressivo de editoras e uma nova geração de escritores no Estado surgiram a necessidade de novos trabalhos do gênero.  Pois, além da importância histórico-literária, antologias são fontes de referência e consulta para pesquisadores e estudantes.

E, em momento oportuno, os escritores David de Medeiros Leite e José Edílson Segundo publicam uma antologia, que, embora enfoque apenas poetas que versaram sobre Mossoró e Tibau, tem todos os méritos pela importância histórica e pela significativa qualidade literária.

Na obra, os organizadores se preocuparam não apenas em reunir poetas das duas cidades homenageadas, mas uma  boa parcela de escritores do Estado que versaram sobre elas.  Versos variados de poetas que cantaram as cidades, desde a época da abolição em Mossoró como Paulo de Albuquerque, passando pelos célebres Othoniel Menezes, Martins de Vasconcelos, e outros importantes nomes da nossa literatura como Homero Homem, Deífilo Gurgel, Rizolete Fernandes e Paulo de Tarso Correia de Melo.

Dentre os nomes, estão aqueles que adotaram e foram adotados pela cidade de Mossoró, como Clauder Arcanjo e Aécio Cândido. Destacam-se também a poesia de forma mais popular como a de Zé Saldanha, Crispiniano Neto e Antônio Francisco. Além da nova geração que também está presente em bons momentos com  Josselene Marques, José de Paiva Rebouças e Leonam Cunha , todos os três com poemas bastante contemporâneos.

É evidente que algum leitor mais exigente ache que entre muitos poemas bons alguns outros não mereciam figurar na antologia. Mas, precisamos compreender a diversidade poética: há poemas com estilo mais artístico e outros mais populares. Por bem é sempre bom lembrar a famosa frase de Manuel Bandeira  segundo a qual, querendo ou não, uma antologia é feita  por escolhas pessoais. Para compreender trabalhos dessa natureza é preciso termos sensibilidade à causa.

Esta antologia poética constitui mais uma amostra de que estamos também com o pensamento e a preocupação na revalorização da nossa história literária. É uma iniciativa louvável e merece ser imitada por outras cidades e outros Estados. Abaixo, uma mostra com três poemas dos incluídos na antologia. 

CANOEIROS DE MOSSORÓ
David de Medeiros Leite

Sim, em Mossoró havia canoeiros!
Meu avô Artur, seus irmãos e seu pai,
Como tantos outros valentes do remo,
Transportavam gente e mercadoria
De um lado a outro, corrente do rio.

Além das viagens anônimas do todo dia,
Episódios históricos envolveram canoeiros:
O perseguido jornalista Martins de Vasconcelos,
Para fugir dos seus algozes,
Valeu-se do jovem Rodrigues Alves
– depois conceituado professor –
Para, numa canoa, transportá-lo à margem da liberdade.

Mas veio a década de quarenta,
E padre Mota – prefeito gordo e buchudo –
Ergueu uma ponte sobre o Rio Mossoró.
O que para a cidade foi próspera iniciativa,
Por outro lado, diluviou uma profissão.

Alguns viraram serventes e pedreiros,
Outros foram ganhar a vida
Na pedra dura do Mercado,
Vendendo peixes e assados.

Um deles, porém, não largou o rio.
Contemplava-o dias e noites a fio...
Talvez, quem sabe, tentando compreender
Que, como aquelas águas: tudo passa.


AQUARELA
Aécio Cândido

Tome um pincel
e a paleta
e pinte as tardes de Mossoró.
Há nuvens em variadas alturas,
densidades e matizes.
E o fundo azul translúcido.
Pode aparecer muito alta
quase indistinta
uma andorinha
ou dúzias delas
- para dar movimento ao quadro.
Na hora em que o sol some de vista
desata-se uma inundação de cores.
E se há restos de chuva no ar,
se estivermos num céu de abril
maio ou junho,
maior será a torrente
de amarelos e róseos.
O céu de Mossoró convida ao sono
e à vigília atenta


TIBAU QUE NÃO ESQUEÇO
Lúcia Frota

Tibau é lua prateando a noite
é sol despertando o dia
é vento acarinhando a pele
é cheiro de mar e do que mais quiser.

Tibau é lampião de gás
é canto de graúna
é jangada chegando
é serenata madrugando amores.

Tibau é incursão ao colorido dos morros
é cana caiana, água de coco
é grude quentinho, banho de pinga
é nudez de pés tatuando a areia.

Tibau é gente simples e generosa
é Tidó contando “causos”
é a misteriosa bodega de Dona
é a boemia solitária de Nonato.

Tibau é mais que geografia
é mais que tempo e espaço
é mais que história e estórias
é mais que sonho e realidade.

Tibau é minha saudade!



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