Desenhos, de Sylvia Plath
A fascinação mitômana que rodeia a figura da poeta suicida Sylvia Plath
e seu cruel reflexo no marido infiel e também poeta premiado Ted Hughes se soma
agora a uma faceta pouco conhecida da autora de Ariel, o desenho. Os inéditos, conservados até sua morte em 1998
por Hughes, foram trazidos a lume por seus herdeiros em 2011 e reunidos depois
no livro Desenhos, que é publicado no
Brasil pelo selo Biblioteca Azul da Globo Livros. Rascunhos a tinta ou grafite
que demonstram como a mão de Plath não se limitava à escritura mas era
também uma delicada e talentosa artista.
Os desenhos de Plath são esboços que recolhem instantes de sua vida
cotidiana, esquetes de uma mesma verve criativa que ora eram apenas exercícios plásticos,
ora ilustravam as páginas de suas cartas, de postais ou de entradas para os
diários. Os desenhos apresentados no álbum agora publicado no Brasil datam de entre 1956 e 1957.
Umas vacas em Grantchester Meadows, uns barcos pesqueiros em Benidorm,
ou os telhados de Paris como ilustração para uma das cartas enviadas à sua mãe em que a poeta descreve arrebatada
sua felicidade tomando notas da paisagem espanhola ao lado de seu atento
esposo: “Ted quer que faça mais e mais...” A carta, enviada em 1956, durante a
lua de mel do casal, por exemplo, está acompanhada por um retrato de beleza comovedora: a
cabeça dele, seu portentoso perfil, idealizado pela mulher que evocou a sombra
do pai (do homem) ausente em Papai ou
O colosso. (“Se necessita algo mais
que um raio/ para criar tanta ruína”).
O suicídio de Plath em 1967 semeou de hostilidade a vida do sempre
calado Hughes. “Uma pessoa que morre aos 30 anos, em pleno desconcerto de uma separação,
permanece fixa nesse desconcerto”, escreveu Janet Malcolm em A mulher em silêncio. De algum modo,
estes desenhos aprofundam essa estranheza: mostram a calma que precedeu a
tormenta.
Ted Hughes. Desenho de Sylvia Plath. |
Frieda Hughes, filha do casal, recorda no prólogo do livro que sua mamãe
(que também viveu a maternidade como um conflito) estudou arte desde pequena e
que em segredo ambicionava que seus poemas fossem publicados junto com seus
desenhos. “Foi um elemento importante em sua vida. Quando era adolescente,
recebeu aulas particulares de arte de uma tal miss Hazelton, e, já adulta,
escreveu em seu diário que tinha sonhos
de grandeza e esperava que o New
Yorker utilizasse suas ilustrações junto a sua obra escrita”.
“Os desenhos deste livro”, continua Frieda, “são a coleção que meu pai
deu a meu irmão e a mim antes de morrer... Embora tenha repartido entre os
dois, meu irmão me pediu que eu guardasse todos e os conservasse até que,
quando tivéssemos tempo suficiente, poderíamos organizar uma exposição... Mas a
vida se interpôs, e passaram os anos, e logo, tragicamente, em 16 de março de
2009, meu irmão também se suicidou”. Os desenhos, sublinha, não foram exibidos
até novembro de 2011, por motivo de sua venda em Londres. “Por mais que a poesia fosse o maior de seus objetivos, a arte sempre foi um elemento importante na vida de minha mãe”, afirma Frieda Hughes.
No desenho, Plath buscou inspirar-se em nomes como Henri Rousseau, De Chirico e Paul Klee conforme ficou registrado em parte de sua obra poética. Desenhos reúne além dos trabalhos produzidos durante a lua-de-mel na Europa, trabalhos feitos em Cambrigde, quando a poeta frequentava o Newnham College e de quando o casal viveu e lecionou em Massachusetts. Além das anotações de Plath, a obra compila algumas das cartas que apresentam o período mais entusiasmante de sua curta existência, o período em que a poeta se mostra inspirada, apaixonada e produzindo muito.
A filha, hoje única sobrevivente deste fatal naufrágio, recorda que
Plath frequentemente reconhecia que
era Hughes quem a incentiva a criar, “quando estava bloqueada ou sentia que
havia perdido o rumo”. E cita também seu pai, quem em suas Cartas de aniversário – o brutal poemário que Hughes publicou antes
de morrer, seu perturbador diálogo com sua mulher, a morte e a culpa, os versos
que rompiam o esmagador silêncio de décadas – inclui “Desenhar”, poema dedicado
a Sylvia e seus desenhos: “Desenhar te acalmava./ Tua infernal pena / era como
um ferro quente. Os objetos / sofriam com sua nova aparência, torturados / até alcançar
a nova posição. Enquanto desenhavas / me sentia relaxado, tranquilo [...]
Seguias tenazmente desenhando, alcançando detalhes / até que lograste apresar toda cena. / Aí está.
Libertaste-te para sempre / nossa manhã do esquecimento”.
“Desenhar me dá uma sensação de paz tão grande; mais do que a oração,
os passeios, qualquer coisa. Consigo fechar-me totalmente na linha, perder-me
nela”, confirma a própria poeta numa carta enviada a Ted. A edição ora apresentada não se restringe a imprimir os desenhos da poeta, traz além das anotações de Plath sobre suas obras plásticas, as suas cartas. Compilados desde 2007 por ocasião do 75º aniversário da poeta estadunidense, mas só agora apresentados no Brasil, esses Desenhos põe a bibliografia da poeta alinhada àquilo já publicado fora do país.
Ligações a esta post:
>>> Em maio de 2013 publicamos uma matéria sobre os desenhos de Sylvia Plath acompanhada de um rico catálogo com alguns dos desenhos da poeta.
>>> A publicação data de outra feita em 2012, aqui.
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