Milan Kundera elege uma passagem de A festa da insignificância
Milan Kundera. Foto: Philippe Labro |
“A individualidade é uma ilusão!” Isso exclama um dos personagens do
esperado romance de Milan Kundera, A
festa da insignificância, cuja ideia condensa boa parte da filosofia com
que o escritor de origem tcheca vê a vida e em nada diferente daquilo que já está
colocado em seus romances, contos e ensaios. E com maior força agora no alto de
seus 85 anos, quando o umbigo ocupa um lugar essencial na sua narrativa.
Com este A festa da
insignificância, Milan Kundera regressa depois de 14 anos. Volta como se
nada tivesse acontecido nesse tempo, com se a conversa deixada com os leitores em A ignorância, romance com o qual recebeu o novo século em 2000,
ainda não houvesse sido acabada, ou melhor, como se fosse ontem.
Os temas de seus livros são os mesmos, mas amadurecidos pelo compasso do tempo, e sem perder a essência do que são e significam aspectos como a
sexualidade, o erotismo, a maternidade, o desejo, a cultura, sobre as ideias
que rondam a existência do ser humano, ideias sobre ser e estar no mundo, a convivência,
o tecido fino das relações e das conexões com os demais, em especial, os
labirintos concernentes aos sentimentos e emoções. E aqui aparece tudo com mais
humor.
É seu décimo romance. Nele, três homens já maduros falam sobre as
fontes de sedução feminina e se perguntam
que pode significar que um homem ou uma época privilegie uma ou outra
parte do corpo. Fantasias que são realidades, realidades que são sonhos, sonhos
que são o espelho real do interior do ser humano.
“Claro, que a uniformidade reina em toda parte. Mas, neste parque, ela
dispõe de uma escolha maior de uniformes. Assim você pode guardar a ilusão da
sua individualidade”, insiste Alain, uma
nova criatura kunderiana. Uma ilusão que inclui o umbigo. Embora seu exibicionismo
tenha aumentado nos últimos anos como um reclame pela diferença e com intenção de
despertar desejos no outro com o interesse de formar parte dos ‘lugares
excelsos’ eróticos da mulher, assegura Kundera. Ao redor dele, do umbigo, se
desenvolve a passagem do romance selecionada pelo próprio escritor para seus
leitores.
Mas o umbigo não é para tanto: “O amor, outrora, era a festa do
individual, do inimitável, a glória do que é único, daquilo que não suporta
nenhuma repetição. Mas o umbigo não só não se revolta contra a repetição, ele é
um apelo às repetições! E nós vamos viver, em nosso milênio, sob o signo do
umbigo. Sob esse signo, nós somos todos um como o outro, soldados do sexo, com
o mesmo olhar fixo não na mulher amada, mas no mesmo pequeno buraco do meio do
ventre que representa o único sentido, o único objetivo, o único futuro de todo
desejo erótico.”
Seus argumentos forjam em A festa
da insignificância o caminho para uma leitura do romance. O umbigo é uma
parte do corpo, um caminho, a fazer frente a outros três lugares excelsos do
corpo: as coxas, os seios e a bunda.
Para Beatriz de Moura, a tradutora do francês ao espanhol, o romance “é
uma desenfadada e esplêndida composição em forma de fuga que se nutre das mais
sutis variações em torno do tema que dá título ao livro: ‘A insignificância,
amigo’, nos adverte, ‘é a essência da existência. [...] Está presente inclusive
ali onde nada quer vê-la’.
Milan Kundera transforma o tema na própria unidade da obra. Faz um
pastiche do Best-Seller. Crítica ao sucesso alcançado?
Escreve como se nada, com seus acordes existenciais feitos de
literatura, com seus ritmos temáticos feito palavras, com sua musicalidade
transcendente, deixasse de ser conectada com a cotidiano do leitor. Cotidiano vazio?
Insignificante? Suas obras desde o título parecem assinalar o caminho de uma
periferia argumental e não só um espelhismo do real porque o real não é mais
o centro de interesse de grande parte do romance. Mas, aí estão desde A lentidão, A vida está em outro lugar, O livro do riso e do esquecimento, A insustentável leveza do ser, A brincadeira, de tudo, condensa-se
neste A festa da insignificância.
Ligações a esta post:
>>> Alfredo Monte comenta A festa da insignificância, de Milan Kundera. Leia aqui.
* Notas de Winston Manrique Sabogal a partir da leitura da passagem eleita por Milan Kundera para o jornal espanhol El País. Tradução Livre.
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