Como “formar” uma biblioteca segundo José Saramago
A Fundação José Saramago publicou em sua página hoje, na seção “Memória”, espaço virtual que tem dedicado à publicação de material sobre o escritor que dá nome à instituição, um fac-símile de um datiloscrito muito interessante de ser considerado pelos espaços dedicados à publicação sobre livros.
Trata-se de um jogo proposto para a formação de uma
biblioteca. A ideia veio-lhe depois de ter sido consultado sobre uma lista para
compor o acervo de uma biblioteca que estava por inaugurar. Muito perspicaz a
ideia de Saramago, dirão uns; mas a proposta não deixa de ser também um
incentivo aos novos leitores que estão à procura de organizar sua biblioteca
particular.
“Certamente não se esperará de mim a ingenuidade de propor
uma lista de livros que iriam ser, ao mesmo tempo, o embrião duma biblioteca e
a sua parte fundamental, uma vez que, com toda a probabilidade, eu me esforçaria
pro não esquecer nenhuma das obras fundamentais que até hoje se escreveram. Excluindo
aquele conhecido método, usado por não poucas pessoas, de entrar numa livraria
e comprar uns quantos metros de lombadas para encher um vazio de estantes de
igual dimensão, outro há, sem dúvida mais inteligente, que consistiria em
adquirir Histórias da Literatura dos diversos países e avançar depois por elas
dentro, à descoberta, como quem desbrava uma floresta virgem. Porém, melhor do
que isto me parece o jogo que passo a sugerir, no qual, como acontece nos jogos
mais excitantes, o acaso é que decide, apenas competindo à vontade dar execução
ao aleatório. Compre-se, pois, um livro, um só, qualquer livro, e faça-se dele
o ponto de partida. Logo na primeira página, e se não for na primeira será na
segunda, encontraremos caminhos que inevitavelmente nos conduzirão a outros
livros, de modo explícito ou implícito. Um simples exemplo bastará para tornar
clara a ideia. Tomámos um livro e encontrámos a palavra Deus. Que faremos? Compramos
outro livro onde Deus se fale, e é mais do que certo que não tardaremos a encontrar
a palavra Diabo. Ora, prosseguindo assim, de palavra em palavra, de tema em
tema, de proposta em proposta, ao cabo de um certo tempo acabaremos por juntar
sob o tecto de nossa casa a biblioteca universal. Alguém não deixará de
argumentar que não valeu a pena todo este trabalho se finalmente fomos parar ao
que já existia, mas eu responderei que sim senhor valeu a pena, porque essa
biblioteca, igual à biblioteca das bibliotecas, teria sido toda inventada por
nós, explorando os caminhos do acaso fecundo. Porque, em verdade, e
definitivamente, formar uma biblioteca é um acto perfeito de criação.”
Pois, que tal começar agora?
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