Um inédito de Tomas Tranströmer
Por Pedro Fernandes
Também no estado de bem-estar
Também no estado de bem-estar
existe a mulher sozinha
que bate em seu apartamento
com o martelo de suas lágrimas.
E aninhado em seu casaco
um homem no café
que tritura e tritura
a mesma palavra no pilão de sua boca.
E os meninos do reformatório
que se tatuam mutuamente
para marcar
que pertencem a outra tribo.
A presença da beleza
pode ser perigosa.
A ausência da beleza
é mortal.
Tomas Tranströmer ainda se faz praticamente inédito no
Brasil; de sua extensa obra, e cumprindo uma rápida pesquisa da web acerca de trabalhos seus editados
por aqui, não encontrei nenhum, apenas poemas esparsos publicados em blogs como
este. Um destaque é a edição portuguesa 21
poetas suecos, organizada por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura, publicada
em 1981 pela editora Vega. Mas, quando ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em
2011, só havia por aqui, segundo relata o site Releituras, apenas um único poema publicado no Brasil; chamado “Poemas
haikai”, o título faz parte da coleção Poesia
sempre, da Fundação Biblioteca Nacional, lançada em 2006, com tradução de
Marta Manhães de Andrade.
Recentemente a revista espanhola Minerva dedicou seu último número a Tomas Tranströmer e trouxe um
poema inédito do poeta. Por falar em Espanha, ressalte-se que, ao contrário do
Brasil, a poesia de Tomas está praticamente toda traduzida; o que significa
dizer que, se o poema que abre este texto é inédito por lá, por cá, então, é um
achado e tanto.
O poema sem título foi encontrado por Francisco Uriz numa edição
da revista anual Voldpsten, que
editada em Estocolmo pelo poeta norueguês Jan Erik Vold. Também a edição dedicada
ao Prêmio Nobel recolhia o texto já publicado anteriormente num livro de
ensaios de, Gud jul med Getrude Stein
(Feliz aniversário com Gertrude Stein,
em tradução livre). Escrito na década de 1960 o poema veio no livro de 2005. Construir
esse percurso dá a Uriz mais um mérito pelo achado, embora, como ele próprio
explica, a edição da revista desse uma explicação sobre o poema:
“Há uns ou dez anos, Tomas e sua companheira Monica vão a
ilha de Runmarö, o paraíso na terra de Tranströmer, e releem uma antologia de
poesia latino-americana, detendo-se especialmente em seu adorado Vallejo
[César]. E ali, na capa de trás há num manuscrito o poema ‘impromptu’, sem título nem data, que
nenhum dos dois recordavam”. Por uma das linhas do poema que faz referência ao
reformatório em que trabalhou o poeta, Vold deduz que os versos datam do começo
dos anos 60.
“A mim, o Vallejo me despertou a curiosidade e pensei que o
livro poderia ser Condor e colibri, a
antologia de poesia latino-americana (em que havia trinta e cinco páginas do
poeta peruano) que eu havia traduzido com Artur Lundkvist e publicado em 1962;
a única de onde então se podia ler Vallejo em sueco. Consultei com Monica, mas
ela não se recorda. ‘Quando for à ilha olharei’, me disse”.
Continua Vold, segundo Uriz: “Olhou e me telefonou: ‘Tenho boas notícias. Sim,
estava na capa final de Condor e colibri’.
Perguntei-lhe se podia me emprestar o livro para escanear o poema. Quando cheguei
para fazer, ela própria já me trazia gravado num CD e comentando a casualidade,
Tomas me disse enfaticamente, ‘Muito bom, Vallejo’.
“Quando estava de volta, levava o livro na mão com a intenção
de deixá-lo sobre o piano, e então notei uma mão firme que o reclamava. Era a
do poeta. Supus que aquele Condor e
colibri, já muito desgastado por leitura e muito riscado por sua filha de
um ano, não saía de sua casa.”
*
Para o privilégio dos leitores deste espaço, além desse
poema inédito por aqui, preparamos o catálogo seguinte, com poemas de Tomas
Tranströmer para romper de vez com esse silêncio em torno de sua obra.
* As informações deste texto e poema são graças a Francisco J.
Uriz quem trouxe tudo isso para a revista Minerva.
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