Um discípulo para Stephen King
Por Jana Lauxen
Admito que não sou fã número um
de histórias sobrenaturais. Provavelmente por que a maioria delas explore
indiscriminadamente (e de modo superficial) o horrível, o bizarro e o nojento, mais
pregando sustos desnecessários do que instigando legitimamente nosso medo.
É fácil chocar apresentando uma
cena de tortura extremamente realista. É simples horrorizar descrevendo
detalhadamente canibais devorando criancinhas indefesas. Mas conseguir chocar e
horrorizar sem apelar para o sensacionalismo violento e gratuito, já é outro
departamento. Não é para quem quer; é para quem sabe.
Por esta razão tenho grande
admiração pelo escritor Stephen King. Em minha opinião, ele sabe como manipular
nossos medos mais intensos com maestria, pois detém a medida exata do terror,
que nunca falta e nem sobra em suas obras. Não por acaso, seus livros são
incansavelmente transpostos para o cinema, como é o caso do clássico O
Iluminado – um filme pouco chocante, mas genuinamente assustador.
Até mesmo por que, há uma
diferença substancial entre chocar e assustar, apesar destas duas palavras
ainda serem consideradas sinônimos. Eu, por exemplo, fiquei chocada com a cena
de estupro do filme Irreversível, que dura intermináveis 14 minutos. Mas medo
mesmo eu senti daquelas gêmeas paradas no corredor, no filme O Iluminado, ou
dos arbustos movimentando-se sinistramente pelo pátio. Não tive medo de ser
estuprada depois de ver Irreversível; mas, por mais absurdo que pareça, senti
um medo quase infantil de encontrar garotinhas usando vestidos azuis no
corredor da minha casa, ou do arbusto lá fora começar a caminhar pelo quintal. Por
que o medo, o que é essencialmente assustador, ignora a razão.
Naturalmente não é todo mundo que
possui a habilidade de provocar medo; de nos fazer voltar a sentir aquele pavor
que só sentíamos quando éramos crianças, e que paralisa e faz puxar o cobertor
até as orelhas. E justamente por que existem poucos credenciados a me fazer
sentir medo de verdade – e muitos aptos a chocar gratuitamente – que não sou fã
número um de histórias sobrenaturais.
Porém, em 2012, conheci um jovem
escritor brasileiro que sabia, como Stephen King sabe, me fazer tremer na base
e dormir com a luz do corredor acesa. Falo de Jeremias Soares, gaúcho de
Canoas/RS e – surpresa! – admirador e leitor fiel de Stephen King! Tanto que
até organizou duas coletâneas em homenagem ao mestre do horror, as obras The
King Vol. I e Vol. II, ao lado do também gaúcho, também escritor, e também fã
de Stephen King, Afobório.
E se em seu primeiro livro, O
Sobrado da Rua Velha, Jeremias já mostrou que veio para ficar quando o assunto
é terror psicológico, em seu segundo livro, A Mão de Celina, lançado em junho
deste ano pela Editora Os Dez Melhores, Jeremias provou por A + B que merece
conquistar um lugar cativo na estante de todos os fãs de histórias
sobrenaturais. E até daqueles que não são tão fãs assim, como é o meu caso.
A Mão de Celina conta a história
de Edu e Celina, um jovem e apaixonado casal de namorados, cheios de sonhos e
planos para o futuro. A história poderia ser um romance açucarado, caso Celina,
uma menina meiga, loira e angelical, não fosse acometida por um câncer
galopante, e acabasse morrendo precocemente. Após sua morte, Edu segue, mais
sobrevivendo do que vivendo. Até que, cinco anos depois de enterrar sua
namorada, decide se suicidar. Sem Celina, nada fazia sentido; sem Celina, não
havia motivos para continuar.
E é então que a vida, esta zombadora
incansável, resolve colocar em seu caminho uma das minhas xarás, Jana. E Jana
não somente impede que Edu pule do último andar, como ainda engata com ele um
romance, que o faz recuperar a alegria e a vontade de viver.
“E todos viveram felizes para
sempre”.
Só que não.
Quando tudo parece se encaminhar
para um final feliz, eis que Celina resolve voltar da morte. E ela está furiosa
por ter sido substituída no coração de Edu.
A Mão de Celina não prega sustos inúteis,
não se utiliza de efeitos literários mirabolantes para surpreender, e muito
menos apela para o bizarro no intuito de chocar seus leitores. O terror e o
sobrenatural permeiam todas as 248 páginas da obra, apesar de se fazerem
explícitos em poucos e bem elaborados capítulos.
Em um deles, Celina surge para
Jana nas escadarias do edifício onde mora Edu, e eu nunca mais desci ou subi as
escadas do meu prédio sem me lembrar de Celina. Vai que...?
Mais do que um admirador de
Stephen King, Jeremias Soares captou dos livros do mestre do terror o tom certeiro
para contar suas próprias histórias sobrenaturais. Mais do que um leitor, Jeremias
foi também um discípulo – um discípulo fiel e dedicado, e é por isso que temos
a oportunidade de ler e nunca mais esquecer d’A Mão de Celina.
Para todos os fãs de histórias
sobrenaturais.
E para todos aqueles que nem são
tão fãs assim, como é o meu caso.
***
Jana Lauxen é editora, produtora
cultural e escritora, autora dos livros Uma Carta por Benjamin (Ed. Multifoco,
2009) e O Túmulo do Ladrão (Ed. Multifoco, 2013). Colunista da revista Café
Espacial, da TOP Revista, do portal Homo Literatus, do jornal Pois é e do
jornal O Informativo Regional, atualmente trabalha na Editora Os Dez Melhores e
é redatora na agência Teia de Marketing Literário Virtual.
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