Pablo Neruda
O poeta político. |
Há um fosso que nos separa da
literatura produzida na América Latina – há muito que observamos isso – embora,
vejam a contradição, se circule por aqui tanto de literatura estrangeira, mas
vêm sempre aquelas de lugares longínquos. A obra de Pablo Neruda, embora seja
um dos maiores poetas de língua espanhola, apesar de alguma circulação por
aqui, por exemplo, não tem uma recepção devida. Isso tem seus resquícios ainda
do período que no Brasil se impôs a cortina de ferro para circulação de nomes em
que fosse comprovada sua relação com o comunismo. E durante largo tempo a
crítica deteve-se em avaliá-lo, erroneamente, só por esse ângulo. Há exceções. No
New York Times, por exemplo, John
Leonard declarou que Neruda foi um Whitman da América do Sul.
O nome Pablo Neruda veio do pseudônimo
com que assinou seus primeiros poemas ainda no início da adolescência; depois
de fazer sucesso com ele, passou a ser um substituto quase oficial. Sim, porque
ninguém irá conhecê-lo como Neftalí Ricardo Reys Basoalto. Nasceu em
Parral, interior do sul do Chile. E toda sua vivência com a poesia recebeu
apoio de nomes de grande envergadura como Gabriela Mistral, que ganhou o Prêmio
Nobel anos antes de Neruda. Mistral reconheceu desde cedo o talento do jovem
Neftalí e o encorajou dando-lhe os livros que não tinha acesso em casa. Quando
terminou os estudos básicos, ele já tinha publicado seus primeiros textos em
jornais locais e em revistas em Santiago, além de ter ganhado vários concursos
literários.
O poeta ainda jovem |
Em 1921, deixou o sul do Chile
para ir morar na capital do país. O interesse era se tornar professor de
francês. Foi nessa época que Neruda completou uma de suas obras mais elogiadas
pela crítica, o ciclo de poemas de amor intitulado Veinte poemas de amor y una canción desesperada – publicada no
Brasil pela José Olympio. O livro trouxe notoriedade ao autor por celebração explícita
da sexualidade, como observou Robert Clemens no Saturday Review: “Neruda estabelecesse-se desde o início como um
porta-voz franco sobre a sensualidade do amor”, o que o supera outros poetas latino-americanos
cujo interesse estava no uso ostensivo de imagens de sexo explícito e,
justamente, por isso não alcançaram a atenção popular. Com Neruda, foi
diferente. Coisa que crítico algum é capaz de explicar.
Misturando memórias de seus
casos de amor com as memórias do deserto do sul do Chile, ele cria uma sequência
poética que não só descreve uma ligação física, mas também evoca o sentido de
deslocamento que o poeta sentiu em deixar o deserto para a cidade. Eis então
uma possibilidade. “Tradicionalmente”, afirmou Rene de Costa em "a poesia de amor igualou mulher com a natureza. Neruda tomou este modo estabelecido de comparação e elevou-o a um nível
cósmico, fazendo a mulher numa verdadeira força do universo.”
Sua carreira fora do universo
da poesia se desenvolve quando em 1927 vai ser cônsul honorário do Chile na
Birmânia: era tradição enviar escritores com alguma fama para desempenhar
cargos dessa natureza. Essa experiência, em particular, terá sido uma das mais
críticas para Neruda – apesar de vir berço humilde não estava preparado para
enfrentar a miséria, a pobreza e a solidão que a posição o expôs. Os primeiros
anos no cargo serviram para várias viagens pelo Extremo Oriente e foi durante
esse período que ele escreveu o seu primeiro livro de poemas realmente
esplêndido, Residencia en la tierra,
um livro publicado em duas partes, em 1933 e 1935. Depois, em 1947, Neruda
adicionou uma terceira parte a que deu o nome de Tercera residencia.
Nascido de sentimentos diversos,
esse trabalho reflete um mundo que é em grande parte caótico e sem sentido, e
que, no primeiro dos dois volumes não oferece nenhuma esperança de compreensão.
Lê-se um poeta cheio de vozes misteriosas que, felizmente, ele mesmo não sabe
como decifrar. "Com sua ênfase em desespero e da falta de respostas
adequadas para os problemas da humanidade, Residencia
en la tierra, de certa forma, antecipou a filosofia do pós-Segunda Guerra –
o existencialismo . O próprio Neruda teve pela obra sentimentos muito
duros como observou o crítico Michael Wood no New York Review of Books. Foi um livro “que ajudou as pessoas a
morrer em vez de viver” e sua culpa pela crueldade da poesia foi punida com uma
reimpressão que nunca saiu.
Foi com Residencia en la tierra, entretanto, que Neruda ficou conhecido. Na
época em que se publica a segunda parte do título, o poeta estava servindo como
cônsul na Espanha, onde "pela primeira vez", relatou Duran e Safir,
"ele provou o reconhecimento internacional, no coração da língua espanhola
e da tradição. Ao mesmo tempo, o reconhecimento e o envolvimento com poetas
como Rafael Alberti e Miguel Hernandez, então intimamente ligados ao movimento
comunista, ajudaram a politizar Neruda. "Quando a Guerra Civil Espanhola estourou
em 1936, Neruda foi um dos primeiros a abraçar a causa republicana com o poema “España
en el corazon” – um gesto que lhe custou a exoneração do posto de cônsul e deu,
certamente, fôlego para uma perseguição a si e sua obra. Foi para a França e
México, onde sua política causou menos embargos. É quando arrefece suas relações
entre poesia e política.
Mas não terá durado muito
tempo para quem acreditava que obra de arte não é eterna e está enraizada numa
necessidade de colocar os homens em ação; não há arte, para ele, desvinculada
de um contexto histórico e político. A arte está a serviço das mudanças sociais.
Escrever exclusivamente para a eternidade era uma postura romântica. Experiência
que o trouxe para o campo das atuações políticas e por isso a terceira de parte
de Residencia. A obra, entretanto,
foi esquecida quando publicada e permanece negligenciada devido ao seu conteúdo
ideológico evidente.
O poeta no exílio. |
A publicação de Canto general, livro que teve tradução
no Brasil por Paulo Mendes Campos, um “longo épico sobre a luta do homem pela
justiça no Novo Mundo” foi responsável por romper ao menos em parte com a
imagem negativa de Tercera Residencia.
Embora Neruda tinha começado o poema já em 1935, quando ele tinha a intenção
que fosse um texto cujas fronteiras apareceriam limitadas ao Chile, ele
completou uma parte do trabalho enquanto servia no Senado chileno como um
representante do Partido Comunista. Na época, os líderes do partido reconheceram que o
poeta precisava de tempo para trabalhar em sua obra, e concedeu-lhe uma licença
em 1947. Nesse mesmo ano, no entanto, Neruda retornou ao ativismo político,
escrevendo cartas de apoio aos trabalhadores em greve e criticando o Presidente
Videla. No ano seguinte, a Corte Suprema do Chile emitiu uma ordem de prisão
contra ele, e Neruda terminou a obra fugindo das forças de Videla.
O regresso ao Chile depois de
longos anos no exílio em 1953, deu a Neruda tempo para mais vinte anos de
produção literária; foi quando escreveu alguns dos melhores poemas de amor,
como Cien Sonetos de amor, Extravagaria e La Barcarola. Neste momento, a obra de Neruda começou a afastar-se
da postura altamente política que tinha tomado parte durante a década de 1930. Em vez de se concentrar em politizar o povo comum, Neruda começou a
tentar falar com eles de forma simples e clara, em um nível que cada um pudesse
entendê-lo. Ao examinar as coisas cotidianas, aquelas mais comuns, de acordo
com Duran e Safir, Neruda nos dá "tempo para examinar uma planta em particular,
uma pedra, uma flor, um pássaro, um aspecto da vida moderna, um lazer”.
A carreira política ainda
estava longe do fim: em 1971, o Partido Comunista chileno o nomeou para
presidente. Ele retirou sua candidatura, no entanto, depois de um
acordo com o candidato socialista Salvador Allende. Depois que Allende ganhou as eleições, ele teve reativada as credenciais
diplomáticas: foi ser embaixador na França. Nessa época, foi agraciado com o
Prêmio Nobel de Literatura, um reconhecimento em vida da sua obra. A falta de saúde logo obrigou o poeta a renunciar ao seu cargo. Voltou
para o Chile, onde morreu em 1973, poucos dias depois de um golpe militar de
direita que tirou Allende do poder.
Um inédito
Muitos de seus últimos poemas
foram publicados postumamente e desenvolvem um extenso diálogo sobre a sua
consciência da aproximação de sua morte. Das publicações que vieram desse período, o destaque é para a reunião de
sua obra em 2003 numa antologia com mais de 600 poemas.
“Descanse teu puro quadril e
o ardo de flechas molhadas
estende na noite as pétalas
que formam tua forma”
Nem em sua maturidade, Pablo
Neruda se esqueceu do amor como refúgio poético.
“que subam tuas pernas de
argila o silêncio e sua clara escada
passo a passo voando comigo
num sonho
sinto que voas e então sou
árvore frondosa para que cantes em minha sombra
Escura é a noite do mundo sem
ti amada minha,
e apenas divido a origem,
apenas compreendo o idioma
com dificuldades decifro as
folhas dos eucaliptos”
Estes são oito de um montante
de mais de mil versos de duas dezenas de poemas inéditos de Pablo Neruda recém-descobertos.
Na verdade, 21 poemas. E poderiam ser mais. E não apenas poemas, mas também
algo em prosa, discursos ou conferências escritas entre 1965 e finais dos anos
1960. A descoberta mais importante do Nobel chileno reforça o caráter do tema
amoroso e erótico de sua obra.
O amor como companhia e inspiração
para superar os tempos do exílio, celebrar o reencontro com o Chile; estes são os
anos em que se separou de sua segunda companheira e conhece Matilde Urrutia, a paixão
de sua vida. Os inéditos serão publicados depois de passar por primorosa seleção,
ordenação e de ter sido escaneado página a página.
A descoberta assinala um
terceiro reencontro com sua obra. Antes, El
rio invisible (1980), que inclui poesia e prosa da juventude e depois Cuadernos de Temuco (1996), com poemas
da adolescência.
A seguir deixamos um catálogo com poemas e fotografias de Pablo Neruda:
Ligações a esta post:
>>> No Tumblr do Letras uma série de manuscritos de Pablo Neruda - cartas de amor do escritor a Matilde Urrutia.
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