O futebol e a matemática
Por Moacyr Scliar
O técnico reuniu o time dois dias antes da partida com o
tradicional adversário. Tinha uma importante comunicação a fazer.
– Meus amigos, hoje começa uma nova fase na vida do nosso
clube. Até agora, cada um jogava o futebol que sabia. Eu ensinava alguma coisa,
é verdade, mas a gente se guiava mesmo era pelo instinto. Isso acabou. Graças a
um dos nossos diretores, que é um cara avançado e sabe das coisas, nós vamos
jogar de maneira científica.
Abriu uma pasta e de lá tirou uma série de tabelas e
gráficos feitos em computador.
– Sabem o que é isso? É o modelo matemático para o nosso
jogo. Foi feito com base em todas as partidas que jogamos contra o nosso
adversário, desde 1923. Está tudo aqui, cientificamente analisado. E está aqui
também a previsão para a nossa partida. Eles provaram estatisticamente que o
adversário vai marcar um gol aos 12 minutos do primeiro tempo. Nós vamos
empatar aos 24 minutos do segundo tempo e vamos marcar o gol da vitória aos 43
minutos. Portanto, não percam a calma. Esperem pelo segundo tempo. É aí que
vamos ganhar.
Os jogadores se olharam, perplexos. Mas ciência é ciência;
tudo que eles tinham a fazer era jogar de acordo com o modelo matemático.
Veio o grande dia. Estádio lotado, começou a partida, e, tal
como previsto, o adversário fez um gol aos 12 minutos. E aí sucedeu o
inesperado.
Um jogador chamado Fuinha, um rapaz magrinho, novo no time,
pegou a bola, invadiu a área, chutou forte e empatou. Cinco minutos depois, fez
mais um gol. E outro. E outro. O jogo terminou com o marcador de 7 a 1, um
escore nunca registrado na história dos dois times.
Todos se cumprimentavam, felizes. Só o técnico não estava
muito satisfeito:
– Gostei muito de sua atuação, Fuinha, mas você não me
obedeceu. Por que não seguiu o modelo matemático?
O rapaz fez uma cara triste:
– Ah, seu Osvaldo, eu nunca fui muito bom nessa tal de matemática.
Aliás, foi por isso que o meu pai me tirou do colégio e me mandou jogar
futebol. Se eu soubesse fazer contas, não estaria aqui, jogando para o senhor.
O técnico suspirou. Acabara de concluir: uma coisa é o
modelo matemático. Outra coisa é a vida propriamente dita, nela incluída o
futebol.
* Crônica retirada de O imaginário cotidiano, 2006.
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