Chico Buarque: artista e pensador
Por Rinaldo de Fernandes
Chico Buarque tem uma profunda
identificação com o Brasil. Suas letras, seu teatro, seus romances reimprimem
importantes interpretações críticas do país. Estão entre os protagonistas do
compositor os pivetes, os malandros, os sem-posse. Aquilo que constitui,
efetivamente, a ‘negatividade’ da sociedade brasileira.
Para Chico, especialmente em suas composições dos anos 70, a
negatividade da vida brasileira é produto ou atributo da política, passa pelos
poderosos de plantão. Iníquos lhe foram todos os governos militares, calando,
torturando, matando. Governos que encontraram no compositor de “Apesar de você”
e de “Cálice” uma voz incisiva, intrépida. Uma voz que afrontava a
“mentira” e a “força bruta”.
Chico, por outro lado, é um pensador da condição feminina. Quando
retrata as ‘resignadas’ ou ‘recolhidas’ no universo doméstico, caso de
“Cotidiano” e “Mulheres de Atenas”, é mordaz, ironizando a submissão ou o papel
de esposa na família de base patriarcal. Quando protagoniza a prostituta, como
em “Las muchachas de Copacabana”, consagra o turismo sexual como uma das
mazelas do Terceiro Mundo. Quando configura o desejo sexual feminino o faz sem
impedimentos, tornando-o impulso, imperativo do corpo – caso de “O que será
(Abertura)”. Enfim, quando aborda o desfecho da relação amorosa, apresenta uma
mulher decidida, sabedora do que quer e faz – como propõem os versos de “A
Rita”.
O teatro de Chico, por sua vez, interpreta impasses, situações agudas
da nossa história. Ópera do malandro, por exemplo, tendo como pano de
fundo a Era Vargas, mostra um país incorporado de vez à ordem capitalista,
importando tudo, operando uma modernização conservadora em que, no cotidiano
das classes sociais, e acima e abaixo, a hipocrisia impera.
Estorvo é um romance surpreendente, seco, enxuto, cujo
protagonista é flagrado deambulando, incerto, instável, com uma identidade
esgarçada – talvez imprimindo uma imagem do Brasil.
Chico Buarque, por tudo isso, é o principal artista brasileiro da
contemporaneidade. Um artista pensador do país. Para lembrar a recomendação de
Antonio Candido, outro grande nome da cultura nacional: “Louvemos Chico
Buarque”.
Ligações a esta post:
> Em Fazenda Modelo ele deu nome aos bois
> Chico Buarque para TV
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Em junho de 2014 assinalamos a semana de aniversário dos 70 anos de Chico Buarque com um especial. Reveja quais textos quiser:
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* Rinaldo de Fernandes é doutor em Letras pela Unicamp e
professor na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Organizador dos livros Chico Buarque do Brasil (2004)
e Chico Buarque: o poeta das mulheres, dos desvalidos e dos perseguidos (2013). O texto apresentado aqui foi publicado pela primeira vez no Blog do Rinaldo Fernandes e reproduzido aqui sob a permissão do autor para integrar as homenagens pelos 70 anos de Chico Buarque celebradas por este espaço em junho deste ano.
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