As Teixeiras e o futebol


Por Rubem Braga




Com os Andradas tínhamos feito uma espécie de pacto; a gente não jogava bola na rua defronte a casa deles, mas um pouco para cima, onde havia um muro que dava para o quintal da casa; em compensação, eles deixavam a gente pular o muro e apanhar a bola quando caía lá. Mas o muro não era bastante comprido, e assim o nosso campo abrangia, como eu ia dizendo, algumas janelas das Teixeiras. As quais, eu também já disse, não apreciavam o futebol.

Quando a gritaria na rua era maior, uma das Teixeiras costumava nos passar um pito da janela, mandando a gente embora. O jogo parava um instante, ficávamos quietos, de cara no chão – e logo que ele saía da janela a peleja continuava. Às vezes aquela ou outra Teixeira voltava a gritar conosco – começavam por nos chamar de “meninos desobedientes” e acabavam nos chamando de “moleques”, o que nos ofendia muito (“Moleque é a senhora!” – gritou Chico uma vez), mas de modo algum nos impedia de finalizar a pugna.

Uma das Teixeiras era mais cordial, chamava um de nós pelo nome, dizia que éramos meninos inteligentes, filhos de gente boa, portanto poderíamos compreender que a bola poderia quebrar uma vidraça. “Não quebra não senhora! Não quebra não senhora!” – gritávamos com absoluta convicção, e tratávamos de tocar o jogo para frente para não ouvir novas observações.

Um dia ela nos propôs jogar mais para baixo, então o Juquinha foi genial: “Não, senhora, lá não podemos porque tem a Dona Constança doente”, desculpa notável e prova de bom coração do nosso time.

“Então por que vocês não jogam mais para cima? – propôs ela com certa astúcia, e falando um pouco baixo, como se temesse que os vizinhos de cima ouvissem: “Ah, não, lá o campo não presta!”, argumento, aliás sincero, de ordem técnica, e portanto irrespondível.

“Eu vou falar com papai! Quando ele chegar vocês vão ver” – gritou certa vez uma das Teixeiras mais antipáticas. Pois naquele momento o coronel de bigodes brancos ia chegando, o jogo parou, ele perguntou à filha o que era, ela disse “esses meninos fazendo algazarra aí, é um inferno,  qualquer hora quebram uma vidraça” – mas o velho ouviu calado e entrou calado, sem sequer nos olhar, nem dar qualquer importância ao fato. Sentimos que o velho, sim, era uma pessoa realmente importante e um homem direito, e superior, e continuamos a nossa partida.

As queixas que algumas Teixeiras faziam em nossa casa eram bem recebidas por mamãe, que lhes dava toda razão – “esses meninos estão mesmo impossíveis” -, e uma ou duas vezes nos transmitiu essas queixas sem convicção. De outra feita, como a conversa lá em casa versasse sobre as Teixeiras, ouvimo-la dizer que fulana ou sicrana (duas das irmãs) eram muito boazinhas, muito simpáticas, mas beltrana, coitada, era tão enjoada, tão antipática, “ainda ontem esteve aqui fazendo queixas de meus filhos”.

Mamãe era a favor de nosso time; mamãe, no fundo, e papai também (hoje, que o time e eles dois morreram, esta súbita certeza, ao meditar no distante passado, tem um poder absurdo, inesperado de me comover, até sentir um ardor de lágrimas nos olhos) – eles sempre foram a favor do nosso time!
E nosso caso com as Teixeiras foi se agravando, como se verá.


* Texto copiado de A traição das Elegantes. Rio de Janeiro: Editora Sabiá, 1967.


Comentários

Carlos disse…
Deve ser um texto bem interessante já que minha professora me aconselho a ler e também a todos da minha turma a ler vou ler e vou comentar
Anônimo disse…
EU GOSTEI DO TEXTO PORQUE OS GAROTOS ESTAVAM SE DIVERTINDO.

SÓ NÃO GOSTEI DAS MULHERES RECLAMANDO KKKK

ELES ESTAVAM SE DIVERTINDO, E É BOM SE DIVERTIR
Unknown disse…
Acabei de trabalhar este texto com a minha turma de 7º ano, do Colégio Tiradentes da PMMG.
Estamos trabalhando comentários em Blogs e gostaríamos de deixar aqui o nosso carinho e parabenizar pelo trabalho realizado no blog.

Abraços.

Professora Gilmara e turma 702.
Anônimo disse…
"Quando a gritaria na rua era maior, uma das Teixeiras costumava nos passar um pito (chingo) da janela, mandando a gente embora" só quem brinca na sabe, e chato mas, na maioria das vezes a gente que estava errado.
Unknown disse…
Eu gostei muito dessa crônica, ri horrores com ela porque me fez lembrar de muitos filmes, livros e séries que eu gosto. Realmente espero que esse tipo de história nunca seja esquecida.

Beijinhos, Maria Eduarda
Danyelle Eduarda disse…
Adorei o blog, parabéns
Anônimo disse…
nossa que interessante esse texto vou ler ele mais vezes...
minha prof está fazendo um trabalho com seu texto.
Anônimo disse…
achei muito legal pois o texto ele fala sobre coisas da vida real ele conta o que muitas pessoas fazem na vida real
Anônimo disse…
Achei a crônica muito legal pois eram dois garotos q gostavam muito de futebol mais infelizmente tinha vizinhos q não gostavam muito de futebol adotei a crônica não tenho nada a reclamar .


Bianca
Anônimo disse…
O texto é muito bom !!! Me faz lembrar nos dias que eu jogava bola na rua com uma galera gente boa, que quando agente chutava e caia no vizinho, nós buscava. isso que era infância!
Unknown disse…
O importante e que insistiam; as Teixeiras implicavam com o futebol dos meninos pensavam q a qualquer momento poderiamo quebrar vidraça das janelas.
O mais engraçado e que a queixa chegava nos ouvidos da mae deles dava toda a razão.
Mas havia uma Teixeira era mais cordial chamava os pelo nome.
E um texto onde o narrador lembra da sua infância que marcou bastante a vida dele.
E sente muito pelos pais terem morrido e o time também.

Otávio Giarola-702
Samuel disse…
Texto muito emocionante, muito legal e divertido.

AS MAIS LIDAS DA SEMANA

A poesia de Antonio Cicero

Boletim Letras 360º #610

Boletim Letras 360º #601

Seis poemas de Rabindranath Tagore

Mortes de intelectual

16 + 2 romances de formação que devemos ler